Existe algo ainda a ser explicado na aliança entre Pimentel e Aécio. Ou será uma aliança de Lula e Aécio? A tese de apoio recíproco não se sustenta, pois o PT terá candidato presidencial em 2010. Alguém duvida disso? O PT comanda a capital desde 1993. Como tem uma gestão bem avaliada, a exclusão de seu nome da cabeça de chapa não tem o mesmo significado que a exclusão do PSDB. O único candidato competitivo do PSDB é Eduardo Azeredo, e seu nome já estava fora do páreo. O PT entra na aliança entregando espaços políticos e o PSDB entra na mesma aliança ocupando parte desses espaços. É assim mesmo, o PSDB ganha e o PT perde. E o PSB ganha de bandeja uma prefeitura importante.
A proposta de aliança PT-PSDB daria de forma indireta, na medida que o candidato seria do PSB com vice do PT. O PSDB seria contemplado com a futura participação no governo municipal. A idéia é de que o PSB seria um partido neutro, e com ligações com o PT. Será? É claro que o PSB é da base de sustentação do governo federal e historicamente tem ligações próximas com o PT. Na primeira administração petista, a aliança PT-PSB levou Patrus Ananias à prefeitura. Na eleição seguinte, o vitorioso foi Célio de Castro (PSB), com o PT ocupando os principais postos. Uma disputa interna dentro do PSB levou Célio de Castro e seu grupo a filiar ao PT, tendo sido reeleito em 2000 com Pimentel como vice. Após a saída do grupo de Célio de Castro do PSB, os caminhos dos dois partidos na capital nem sempre foi de convergência, como a candidatura oposicionista do ex-goleiro do Atlético de João Leite (PSB) em 2004.
Uma versão recorrente dentro do PT é que o PSDB aderiu à aliança que governa a cidade desde 1993। José Dirceu defendeu esta tese. Outros petistas foram na mesma linha. Não há nenhuma semelhança entre a aliança entre Patrus e Célio (PT-PSB) vitoriosa naquele ano e a aliança de agora. E como mostrei, não se pode dizer que há uma aliança entre PT-PSB desde 1993. Antes mesmo de 2000, o PSB não figurava mais entre os principais partidos da base de apoio do governo municipal. Na atual administração, isso fica mais evidente. A aliança torna protagonista o PSB, deixando de lado os partidos principais da base de sustentação do governo municipal. Perde o PT e seus aliados no município. Ganham o PSDB e o PSB. É o jogo.
Mas a base de sustentação do prefeito e também do governo federal em Minas saiu aranhada. O PMDB, PR, PTB, PRB e outros aliados importantes não aceitam a imposição da aliança pelo prefeito e o governador, bem como parcelas do PT mineiro e municipal. Estariam contra a aliança (ou pelo menos contra o modelo proposto da aliança) os ministros Patrus Ananias, Luiz Dulci e Hélio Costa. E também o vice-presidente José Alencar e presidente do PT mineiro Reginaldo Lopes. Para não dizer de Ricardo Berzoini, presidente do PT. Com a interferência do presidente Lula, o esforço de aglutinação de todas as forças políticas na candidatura de unidade deve ocorrer, mas é ilusão imaginar que não há feridas. A base governista em Minas ficou dividida, enquanto reina o governador mineiro.
O candidato escolhido, Márcio Lacerda, não tem história política com a capital mineira nem mesmo com o PSB de Belo Horizonte. Como bem disse o ministro Patrus Ananias, ninguém em BH conhece o candidato, suas idéias ou projetos para a cidade. É um estranho na política da capital mineira. Foi uma escolha do governador de Minas com o prefeito Fernando Pimentel. Sua filiação ao PSB se deu unicamente para o projeto político do prefeito e do governador. O risco é os descontentes unirem em torno de uma candidatura aceitável, o que poderia ser um teste para os limites da transferência de votos.
O óbvio seria buscar um nome dentro do PSB que seria aceito pelos dois partidos, não apenas por alas do PT ligadas ao prefeito e o PSDB. Com certeza, a ligação de Márcio Lacerda é bem maior com o Aécio e o PSDB que com o PT. Nesse sentido, justifica-se o temor de alas do PT de ficar fora (ou sub-representado) da participação do futuro governo municipal. O PT corre o risco de entregar uma prefeitura importante, bem avaliada, sem ao menos disputar a eleição. Se o partido não tiver participação importante na hipotética administração, poderá ter dificuldade em eleições futuras. O risco é real. E tem precedentes na relação de alianças envolvendo o PT e PSB.
Uma forma de garantir que o partido como um todo seja contemplado é buscar um nome mais próximo ao partido, como da ex-reitora da UFMG Ana Lúcia Gazzola. É também um nome que tem ligação com a cidade, bem como é próxima do governador mineiro. Porém, a indicação da professora esbarra na resistência do prefeito petista, em razão de sua proximidade com o ministro Patrus Ananias. Ou seja, é uma disputa política dentro do PT. O que está em jogo é a escolha do candidato a governador em 2010.
Uma outra forma de resolver o impasse e unificar o PT municipal seria a candidatura do próprio ministro Patrus Ananias. Ele que deu início à gestão petista no município não sairá porque têm outros projetos políticos. Oficialmente não sairá porque assumiu o compromisso com o governo Lula quando aceitou continuar no governo federal. Mas isso é apenas uma parte da explicação. O ministro procura manter-se na mira como presidenciável e também cogita o governo mineiro, da mesma forma que seu colega petista Fernando Pimentel. Ser candidato a presidente está ainda muito distante, mas caso outros candidatos do partido não emplaquem e Serra seja candidato pelo PSDB, Patrus torna-se uma boa opção para o PT, podendo unir Minas em torno de seu nome. E reforça suas pretensões com relação ao Palácio da Liberdade.
A política é mesmo cheia de surpresas. Há poucos anos atrás, Pimentel não existia politicamente. Com o apoio do grupo do ministro foi vice-prefeito e depois prefeito da cidade. Porém, suas ambições políticas com mira no governo estadual o levaram a distanciar de Patrus Ananias e também do ministro Luiz Dulci, e trilhar um caminho próprio. Resta saber até que ponto sua aliança municipal excluindo parcelas importantes do PT será útil para obter a indicação do partido em 2010. Sabe-se que tanto o PT estadual como o PT nacional resiste ao modelo de aliança. O partido aceita uma aproximação com o PSDB, inclusive uma aliança entre os partidos, porém desconfiam da aliança na forma que está sendo feita.
Por que não lançar uma aliança com o PT na cabeça da chapa e o PSDB de vice? A resposta é simples. Os dois partidos são adversários no município. O PSDB sempre foi e continua sendo oposição à administração petista de Belo Horizonte. Da mesma forma que o PT é da administração de Aécio no governo estadual. Se não há proximidade entre os partidos no município, mas somente bom relacionamento administrativo (que também existe entre Lula e Serra em São Paulo), fica difícil construir um entendimento para uma aliança. Não há qualquer semelhança com a aliança do petista Jacques no governo baiano.
O PSB surge como a salvação. A chamada tese de aliança indireta. É uma tese ruim, pois camufla as diferenças não só de projeto como as disputas de espaços de poder. Além disso, enquanto o PSB não tem qualquer relevância na administração municipal, o mesmo não ocorre no governo estadual. A idéia de partido neutro para sacramentar a aliança não é verdadeira. A proximidade entre PSB e PSDB em Minas Gerais, nos dias atuais, é bem maior que entre PT e PSB. E o candidato escolhido não foge à regra. Isso só reforça o argumento de setores do PT.
Como a aliança parece ter sido resultado de uma costura entre Aécio, Lula e Pimentel, ou seja, tem as digitais do presidente, torna-se mais complexa a análise de suas conseqüências. O presidente pode querer fortalecer Aécio, mas não a ponto de dividir sua base política. A estratégia do presidente tem sinal claro: fomentar a disputa política entre os presidenciáveis tucanos. Só que algo na aliança pode ter fugido de seu controle: a disputa dentro do PT mineiro colocando em lados opostos o prefeito e seus ministros. Nesse sentido, o prefeito pode ter isolado na aliança políticos da base política do presidente no Estado simplesmente por estarem próximos do ministro Patrus Ananias. Assim, a aliança provoca perdas no campo lulista em Minas.
A ausência de nomes fortes do PT – os ministros Patrus e Luiz Dulci não aceitam concorrer –, o partido fica sem condições de vetar a aliança nos diretórios estadual e nacional। Embora isso não esteja descartado. Nessa queda de braço, o prefeito pode sair vitorioso no primeiro round. Mas deverá colaborar para desintegrar precocemente a base política do governo Lula em Minas Gerais. Não dá para se fazer uma omelete sem quebras os ovos. Na política, a regra também vale.
Entre os ganhos e perdas, Aécio Neves obteve sua vitória política particular. Mesmo que a aliança não prospere, o governador mineiro dividiu a oposição política e lançou ares de conciliador para a sua virtual candidatura presidencial. Marcou pontos importantes em sua batalha dentro do PSDB. Uma jogada de mestre. Nesse caso, o governador mineiro saiu-se vencedor. Um possível perdedor é o ministro Patrus Ananias. Outro é José Serra. Só que não há garantias de que Pimentel seja também vencedor. Este precisará esperar 2010.