Brasil é refém de mídia de esgoto e justiça de programa

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  • quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
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  • Sobre o retorno de Marcos Valério 

    E lá vem ele de novo, Marcos Valério.

    Pobre leitor.

    Mais uma vez, o que é apresentado – a título de “revelações” – é um blablablá conspiratório e repetitivo em que não existe uma única e escassa evidência.

    Tudo se resume às palavras de Marcos Valério. Jornalisticamente, isso é suficiente para você publicar acusações graves?

    Lula já não é apenas o maior corrupto da história da humanidade. Está também, de alguma forma, envolvido num assassinato. Chamemos Hercule Poirot.

    Se você pode publicar acusações graves sem provas, a maior vítima é a sociedade. Não se trata de proteger alguém especificamente. Mas sim de oferecer proteção à sociedade como um todo.

    Imagine, apenas por hipótese, que Marcos Valério, ou quem for, acusasse você, leitor. Sem provas. Numa sociedade avançada, você está defendido pela legislação. A palavra de Valério, ou de quem for, vale exatamente o que palavras valem, nada – a não ser que haja provas.

    Já falei algumas vezes de um caso que demonstra isso brilhantemente. Paulo Francis acusou diretores da Petrobras de corrupção. Como as acusações – não “revelações” – foram feitas em solo americano, no programa Manhattan Connection, a Petrobras pôde processar Francis nos Estados Unidos.

    No Brasil, o processo daria em nada, evidentemente. Mas nos Estados Unidos a justiça pediu a Francis provas. Ele tinha apenas palavras. Não era suficiente. Francis teria morrido do pavor de ser condenado a pagar uma indenização que o quebraria financeira e moralmente.

    Os amigos de Francis ficaram com raiva da Petrobras. Mas evidentemente Francis foi vítima de si mesmo e de seu jornalismo inconsequente.


    Por que nos Estados Unidos você tem que apresentar provas quando faz acusações graves, e no Brasil bastam palavras?

    Por uma razão simples: a justiça brasileira é atrasada e facilmente influenciável pela mídia. Se Francis fosse processado no Brasil, haveria uma série interminável de artigos dizendo que a liberdade de imprensa estava em jogo e outras pataquadas do gênero.

    Nos Estados Unidos, simplesmente pediram provas a Paulo Francis.

    O que existe hoje no Brasil é um sistema que incentiva a leviandade, o sensacionalismo e a tendenciosidade na divulgação e no uso de ‘informações’.

    A vítima maior é a sociedade, que se desinforma e pode ser facilmente manipulada. O problema só não é maior porque a internet acabou se transformando num contrapeso e num fiscal informal da grande mídia.

    Um episódio recente conta muito: foi amplamente noticiado que teriam sido interceptadas 122 ligações ‘comprometedoras’ entre Lula e Rose. No calor, o jornalista Ricardo Setti publicou em seu blog na Veja até uma fotomontagem em que Lula aparecia festivamente entre Rose e Mariza. (Depois, apanhado em erro, pediu triunfalmente desculpas, num tom de quem parecia desejar mandar às favas os fatos.)

    Bem, as tais 122 ligações foram cabalmente desmentidas. A procuradora Suzana Fairbanks afirmou a jornalistas:”Conversa dela [Rose]com o Lula não existe. Nem conversa, nem áudio e nem e-mail. Não sei de onde saiu isso. Vocês podem virar de ponta cabeça o inquérito”.

    Tudo bem publicar, antes, as ’122 ligações’ sem evidências? Faça isso nos Estados Unidos, e você saberá, na prática, o tormento pelo qual passou Francis.

    Uma justiça mais moderna forçaria, no Brasil, a imprensa a ser mais responsável na publicação de escândalos atrás dos quais muitas vezes a razão primária é a necessidade de vender mais e repercutir mais.

    Provas são fundamentais em acusações. Quando isso estiver consolidado na rotina do jornalismo e da justiça brasileira, a sociedade estará mais bem defendida do que está hoje.

    Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

     
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