Mostrando postagens com marcador Paulo Nogueira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Nogueira. Mostrar todas as postagens

Carta aberta aos indignados com a posse de Genoíno


Paulo Nogueira
Diário do Centro do Mundo

Senhoras e senhores: antes de tudo, excluo os falsamente indignados, aqueles que usam o episódio com finalidades meramente políticas.

Dirijo-me apenas aos sinceramente indignados.

Isto posto, queria dizer o seguinte. Indignação é um bem que devemos usar com cálculo e reflexão demorada, para que não o gastemos erradamente. Se desperdiçamos indignação nas causas ruins, ela nos faltará nas boas.

Genoíno, em quem aliás jamais votei, tomou posse amparado na Constituição. Segundo ela, cabe ao Congresso, e apenas a ele, cassar mandatos. Não é atributo do STF, embora os integrantes deste tenham se concedido esse poder.

Genoíno – cujo patrimônio se resume a uma casa no Butantã, em São Paulo – tinha todas as razões para tomar posse, e nenhuma para não tomar.

Sabemos todos as circunstâncias em que ele foi condenado. No calor dos acontecimentos nos foi dada a oportunidade de conhecer o caráter dos juízes que o condenaram.

Luís Fux, por exemplo, foi buscar o apoio de Zé Dirceu para ser nomeado para o STF mesmo sabendo que teria que julgá-lo, num conflito de interesses que passará para a história como um dos piores momentos  da justiça nacional.

Senhoras e senhores: caso vocês tenham lido uma só recriminação à conduta de Fux nos editoriais dos grandes jornais brasileiros, me avisem, por favor.

Joaquim Barbosa comandou as condenações, e também sobre ele soubemos o caminho que percorreu até o Supremo. Impôs sua presença a Frei Betto, então influente no governo, porque sabia que Lula procurava um ministro negro – ou por demagogia ou pela causa anti-racismo, não importa.

E depois JB também foi atrás de apoio de poderosos que poderiam ajudá-lo a realizar suas ambições na carreira.

Senhoras e senhores: passo por cima da controvertida Teoria do Domínio dos Fatos, uma gambiarra jurídica que, se bem usada, permite condenações sem provas convencionais. Se mal usada, facilita aberrações.

Também aí, a questão está em aberto. Cada qual que tire suas conclusões, democraticamente. Lembremos apenas que uma mentira repetida mil vezes continua a ser isso, uma mentira.

O que é indiscutível é que foi um julgamento muito mais político do que técnico. Também parece haver consenso em que os holofotes pesaram sobre os juízes, que evidentemente sabiam que só seriam festejados pela mídia se condenassem.

Também está fora de discussão a bravata do juiz Celso Mello ao dar seu voto decisivo contra os réus. Sem nenhuma necessidade, ele afrontou o Congresso.

Senhoras e senhores: quem foi eleito pelo povo foram os parlamentares, e não os juízes do STF.

Diante de tudo isso, restaria a Genoíno outro caminho se não tomar posse?

Se muitos brasileiros questionam o desempenho do Supremo, que dirá ele? Tomar posse – dentro da Constituição – é uma forma de ele manifestar seu inconformismo com o STF.

É um gesto tão aceitável e tão natural como foi o olhar matador que Dilma dirigiu a um Barbosa estranha e unilateralmente sorridente no enterro de Niemeyer.

Senhoras e senhores: volto ao princípio. Indignação é um sentimento que, como tudo, tem limites.

Indignação, para ficarmos num caso recente, cai muito melhor nas circunstâncias em que se deu a morte do rapper DJ Lah.

Sinceramente.

Paulo Nogueira
===========
Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Antes de migrar para o jornalismo digital e dirigir o site Diário do Centro do Mundo foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Clique para ver...

A entrevista de Dilma ao Le Monde

Paulo Nogueira
Diário do Centro do Mundo

Dilma parece ter descoberto que só vai conseguir mesmo ser ouvida direito na mídia internacional

Há algo de muito errado ou na presidenta Dilma ou na mídia brasileira quando, para dar uma entrevista relevante, ela opta por publicações estrangeiras, como foi o caso, agora, do Le Monde.

Faça sua escolha.

Imaginemos que Dilma considerasse a mídia brasileira para falar o que pensa sobre a questão da corrupção e do cerco a Lula.

A qual publicação ela poderia dar uma entrevista sem que se sentisse num terreno francamente hostil? Ao Globo de Merval? À Veja de Reinaldo Azevedo? À Folha de Otavinho? Ao Estadão de Dora Kramer?

A Petrobras teve que fugir da justiça brasileira e recorrer à justiça americana para processar Paulo Francis por calúnias, num caso célebre.

Dilma parece ter que fugir da imprensa brasileira para se manifestar.

Ela disse duas coisas importantes sobre o tema da corrupção. A primeira é óbvia: este é um drama mundial, e não brasileiro. Basta ver os levantamentos de institutos como a Transparência Internacional. (Nos últimos dez anos, aliás, a posição do Brasil na lista da TI melhorou.)

A segunda, embora óbvia também, foi parcialmente elíptica. Combater a corrupção não deve se confundir com “caça às bruxas”.

Mais correto teria sido dizer “caça a Lula”.

Se você se deixa levar pelo noticiário da grande imprensa, Lula não apenas percorreu todos os degraus possíveis da escada da corrupção como está indiretamente ligado a um assassinato.

É um “mar de lama”, para usar a expressão com que o arquiconservador Carlos Lacerda martelou o governo de Getúlio Vargas.

Vargas criou o voto secreto, que impediu que industriais e fazendeiros vigiassem se seus empregados votavam em quem eles queriam. Trouxe também uma legislação trabalhista que deu direitos inéditos a trabalhadores que se esfolavam de segunda a segunda, sem férias.

Os industriais de então opuseram todo tipo de resistência aos direitos outorgados por Vargas. Vargas estava aperfeiçoando o capitalismo, assim como Ted Roosevelt fizera nos Estados Unidos duas décadas antes. Mas para os industriais brasileiros ele estava “assassinando” o capitalismo.

De tudo isso, resultou o “mar de lama”, a expressão com a qual os grandes jornais desestabilizaram o governo de Vargas até levá-lo ao suicídio, em 1954. O “mar de lama” de Lacerda era tudo – menos uma vontade genuína de extirpar a corrupção.

O patriotismo pode ser o último refúgio do canalha, como ensinou o escritor inglês Samuel Johnson. Também o “combate à corrupção”, aspas, pode ter uso sinistro, como o feito por Lacerda com seu “mar de lama”.

Vargas ainda tentou mitigar o cerco da grande imprensa da época criando condições para que surgisse um jornal com uma visão menos arcaica e menos vinculada aos interesses dos ricos, a Última Hora, de Samuel Wainer. (Wainer seria atacado por Lacerda até pelo fato de ser judeu.)

Mas não foi bastante.

A história parece estar se repetindo. Assim como houve uma caça não à corrupção mas a Getúlio Vargas, agora o que se tem é uma caça não à corrupção, e nem às bruxas, mas a Lula.

Dilma fez bem em dizer isso. Foi um gesto parecido com o olhar glacial que ela endereçou a um sorridente Joaquim Barbosa no enterro de Niemeyer. É como se ela estivesse dizendo à mídia brasileira: “Vamos deixar de hipocrisia e farisaísmo. Quem é bonzinho mesmo aí? A família Marinho? Ah, bom saber.”

Os mais otimistas podem acreditar que por trás da campanha está um propósito de moralização. Quem é menos romântico sabe que o que no fundo se deseja é o retorno a tempos em que o BNDES funcionava como pronto-socorro de empresas quebradas, à custa do contribuinte, e em que Roberto Marinho designava ministros das Comunicações depois de receber uma concessão de tevê e financiamentos estatais a juros de mãe.

Não era o capitalismo de Adam Smith, ou de David Ricardo. Era ação entre amigos. Capitalismo é risco e concorrência – e isso não havia.

As empresas brasileiras tinham reserva de mercado – algo que ainda existe, por incrível que pareça, para a mídia –, e quem pagava por essa mamata era a sociedade, obrigada a comprar produtos caros e ruins.

Os discípulos de Lacerda – nenhum com uma fração de seu talento, mas herdeiros da mesma dose colossal de maldade — continuam a se bater obstinadamente por um capitalismo que é a negação do capitalismo.

O verdadeiro capitalismo – aquele que é efetivamente sustentável – está na Escandinávia, nas admiráveis Dinamarcas, Finlândias e Noruegas da vida, terras libertárias, transparentes, pujantes, empreendedoras, competitivas, e onde ninguém é melhor que ninguém por causa da conta do banco.

Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo
Clique para ver...

Brasil é refém de mídia de esgoto e justiça de programa

Sobre o retorno de Marcos Valério 

E lá vem ele de novo, Marcos Valério.

Pobre leitor.

Mais uma vez, o que é apresentado – a título de “revelações” – é um blablablá conspiratório e repetitivo em que não existe uma única e escassa evidência.

Tudo se resume às palavras de Marcos Valério. Jornalisticamente, isso é suficiente para você publicar acusações graves?

Lula já não é apenas o maior corrupto da história da humanidade. Está também, de alguma forma, envolvido num assassinato. Chamemos Hercule Poirot.

Se você pode publicar acusações graves sem provas, a maior vítima é a sociedade. Não se trata de proteger alguém especificamente. Mas sim de oferecer proteção à sociedade como um todo.

Imagine, apenas por hipótese, que Marcos Valério, ou quem for, acusasse você, leitor. Sem provas. Numa sociedade avançada, você está defendido pela legislação. A palavra de Valério, ou de quem for, vale exatamente o que palavras valem, nada – a não ser que haja provas.

Já falei algumas vezes de um caso que demonstra isso brilhantemente. Paulo Francis acusou diretores da Petrobras de corrupção. Como as acusações – não “revelações” – foram feitas em solo americano, no programa Manhattan Connection, a Petrobras pôde processar Francis nos Estados Unidos.

No Brasil, o processo daria em nada, evidentemente. Mas nos Estados Unidos a justiça pediu a Francis provas. Ele tinha apenas palavras. Não era suficiente. Francis teria morrido do pavor de ser condenado a pagar uma indenização que o quebraria financeira e moralmente.

Os amigos de Francis ficaram com raiva da Petrobras. Mas evidentemente Francis foi vítima de si mesmo e de seu jornalismo inconsequente.


Por que nos Estados Unidos você tem que apresentar provas quando faz acusações graves, e no Brasil bastam palavras?

Por uma razão simples: a justiça brasileira é atrasada e facilmente influenciável pela mídia. Se Francis fosse processado no Brasil, haveria uma série interminável de artigos dizendo que a liberdade de imprensa estava em jogo e outras pataquadas do gênero.

Nos Estados Unidos, simplesmente pediram provas a Paulo Francis.

O que existe hoje no Brasil é um sistema que incentiva a leviandade, o sensacionalismo e a tendenciosidade na divulgação e no uso de ‘informações’.

A vítima maior é a sociedade, que se desinforma e pode ser facilmente manipulada. O problema só não é maior porque a internet acabou se transformando num contrapeso e num fiscal informal da grande mídia.

Um episódio recente conta muito: foi amplamente noticiado que teriam sido interceptadas 122 ligações ‘comprometedoras’ entre Lula e Rose. No calor, o jornalista Ricardo Setti publicou em seu blog na Veja até uma fotomontagem em que Lula aparecia festivamente entre Rose e Mariza. (Depois, apanhado em erro, pediu triunfalmente desculpas, num tom de quem parecia desejar mandar às favas os fatos.)

Bem, as tais 122 ligações foram cabalmente desmentidas. A procuradora Suzana Fairbanks afirmou a jornalistas:”Conversa dela [Rose]com o Lula não existe. Nem conversa, nem áudio e nem e-mail. Não sei de onde saiu isso. Vocês podem virar de ponta cabeça o inquérito”.

Tudo bem publicar, antes, as ’122 ligações’ sem evidências? Faça isso nos Estados Unidos, e você saberá, na prática, o tormento pelo qual passou Francis.

Uma justiça mais moderna forçaria, no Brasil, a imprensa a ser mais responsável na publicação de escândalos atrás dos quais muitas vezes a razão primária é a necessidade de vender mais e repercutir mais.

Provas são fundamentais em acusações. Quando isso estiver consolidado na rotina do jornalismo e da justiça brasileira, a sociedade estará mais bem defendida do que está hoje.

Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Clique para ver...

Para que? Pra nada!

"Gaúcho", de Ascenso Ferreira:

Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das cochilhas!
Saí de meus pagos em louca arrancada!
— Para que?
— Pra nada!


Sobre Fux, Dirceu e o STF
A louca cavalgada do juiz Luiz Fux por uma vaga no sonhado Supremo Tribunal Federal

Paulo Nogueira

Ia usar a palavra perplexidade para descrever o sentimento que toma conta do leitor ao ver, na Folha de hoje, a entrevista que o juiz do STF Luiz Fux concedeu à jornalista Mônica Bergamo.

Mas recuei ao me lembrar de que grandes filósofos como Sêneca e Montaigne defenderam a tese de que a perplexidade é atributo dos tolos, tanto os coisas de repetem ao longo dos tempos.

Então ficamos assim: é uma entrevista altamente reveladora sobre o próprio Fux, o STF e as ligações imorais entre a justiça e a política no Brasil.

No último ano do governo Lula, Fux, em busca da nomeação para o STF, correu sofregamente atrás do apoio de quem ele achava que podia ajudá-lo.

Está no texto de Bergamo: “Fux “grudou” em Delfim Netto. Pediu carta de apoio a João Pedro Stedile, do MST. Contou com a ajuda de Antônio Palocci. Pediu uma força ao governador do Rio, Sergio Cabral. Buscou empresários. E se reuniu com José Dirceu, o mais célebre réu do mensalão. “Eu fui a várias pessoas de SP, à Fiesp. Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era influente no governo Lula.”

Paulo Maluf, réu em três processos no STF, também intercedeu por Fux, segundo o deputado petista Cândido Vacarezza, ouvido na reportagem de Mônica. Vacarezza era líder do governo Lula.

Palavras de Vacarezza, na Folha: “Quem primeiro me procurou foi o deputado Paulo Maluf. Eu era líder do governo Lula. O Maluf estava defendendo a indicação e me chamou no gabinete dele para apresentar o Luiz Fux. Tivemos uma conversa bastante positiva. Eu tinha inclinação por outro candidato [ao STF]. Mas eu ouvi com atenção e achei as teses dele interessantes.”

Fux afirmou ao jornal que jamais viu Maluf.

O contato mais explosivo, naturalmente, foi o com Dirceu. Na época, as acusações contra Dirceu já eram de conhecimento amplo, geral e irrestrito. E Dirceu seria julgado, não muito depois, pelo STF para o qual Lux tentava desesperadamente ser admitido.

Tudo bem? Pode? É assim mesmo que funcionam as coisas?

Fux afirma que quando procurou Dirceu não se lembrou de que ele era réu do Mensalão. Mesmo com o beneficio da dúvida, é uma daquelas situações em que se aplica a grande frase de Wellington; “Quem acredita nisso acredita em tudo”.

A entrevista mostra um Fux sem o menor sentido de equilíbrio pessoal, dono de uma mente frágil e turbulenta. Considere a narração dele próprio do encontro que teve com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no qual acabaria recebendo a notícia de que atingira o objetivo: estava no STF.

“Aí eu passei meia hora rezando tudo o que eu sei de reza possível e imaginável. Quando ele [Cardozo] abriu a porta, falou: “Você não vai me dar um abraço? Você é o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal”. Foi aí que eu chorei. Extravasei.”

Fux, no julgamento, chancelou basicamente tudo que Joaquim Barbosa defendeu, para frustração e raiva das pessoas que ele procurara para conseguir a nomeação, a começar por Dirceu.

Se foi justo ou injusto, é uma questão complexa e que desperta mais paixão que luz. Talvez a posteridade encontre uma resposta mais objetiva.

O certo é que Fux é, em si, uma prova torrencial de quanto o STF está longe de ser o reduto de Catões que muitos brasileiros, ingenuamente, pensam ser.

Clique para ver...

Sobre o caso Rosemary e a lulofobia

Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo

Lula é, certamente, o homem mais odiado pelo chamado 1%, para usar a já histórica expressão do Movimento Ocupe Wall St. (Para os 99%, o posto é de Serra, com o surgimento de uma concorrência potencial em Joaquim Barbosa, o Batman.)

É impressionante o júbilo com que é celebrada pelo 1% qualquer notícia que possa servir de munição contra Lula, o lulismo, o lulo-petismo e outras designações criadas pelos obsequiosos porta-vozes de um grupo pequeno mas barulhento que torce e trabalha para que o Brasil jamais se torne uma Dinamarca, ou uma Noruega, ou uma Finlândia.

São sociedades harmoniosas, não divididas entre 1% e 99%, como o Brasil. Apenas para registro, o Brasil campeão mundial da desigualdade – com todos os problemas decorrentes disso, a começar pela criminalidade – foi obra exatamente deste grupo.

O Estado brasileiro foi durante décadas uma babá do 1%. Calotes em bancos públicos eram sistematicamente aliviados em operações entre amigos – mas com o dinheiro do contribuinte. Cresci, como jornalista, nos anos 1980, com o Jornal do Brasil transformando dívidas com o Banco do Brasil em anúncios.

Este é apenas um caso.

O BNDES foi sequestrado, também, pelo 1%: a inépcia administrativa de tantas empresas familiares malacostumadas pela reserva de mercado era premiada com operações de socorro financeiro. Sempre com o dinheiro do contribuinte.

Apenas para registro também, lembremos que a reserva de mercado sobrevive ainda – não me pergunte por que – na mídia que tanto clama por competição, mas para os outros.

O 1% detesta Lula, não porque Lula tenha nove dedos, ou seja metalúrgico, ou fale errado, ou torça pelo Corinthians. Detesta Lula porque ele não representa o 1%. Se representasse, todos os seus defeitos seriam tratados como virtudes.

Não votei em Lula nem em 2002 e nem em 2006. Portanto, não tenho mérito nenhum na sua chegada à presidência e na consequente, e fundamental, mudança de foco do governo – ainda que cheia de erros — rumo aos 99%.

Mas não sou cego para não enxergar o avanço. O maior problema do Brasil – a abjeta desigualdade social – começou ao menos a ser enfrentado sob Lula.

Hoje, quando homens públicos em todo o mundo elegem a desigualdade social como o mal maior a debelar, parece óbvio que Lula tinha mesmo que prestigiar os 99% ao se tornar presidente.

Mas nenhum presidente na era moderna nacional viu o óbvio. Mesmo ao erudito poliglota Fernando Henrique Cardoso – de quem ninguém pode subtrair o mérito por derrubar a inflação – escapou o óbvio. Tente encontrar alguma fala de FHC, na presidência, sobre o drama da iniquidade social. Em qualquer uma das múltiplas línguas que ele domina. Zero.

É dentro desse quadro de colossal ódio a Lula que se deve entender a forma com quem está sendo tratado o caso de Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada por corrupção pela Polícia Federal em suas funções como chefe do escritório do gabinete da presidência em São Paulo.

Rosemary foi demitida imediatamente por Dilma, e agora vai responder pelas suas supostas delinquências, como um cruzeiro e uma plástica na faixa, pelo que foi noticiado.

Mas ela é personagem secundária na chamada Operação Porto Seguro. O protagonista é Lula. Nos artigos sobre a história, Lula ocupa o pedestal. “A mulher do Lula”, escreveu alguém, embora ela tenha sido secretária por muitos anos de José Dirceu. Foi para Dirceu, e não para Lula, que, segundo agentes policiais, ela ligou desesperada quando a PF chegou a seu apartamento na prosaica 13 de Maio, bairro das cantinas italianas em São Paulo. Nada existe de luxuoso no apartamento, ainda de acordo com a polícia.

Rosemary é uma escada pela qual, mais uma vez, se tenta pegar Lula. Estaria Lula envolvido na plástica suspeita de Rosemary? E no cruzeiro? O dinheiro terá vindo do valerioduto?

Chega a ser engraçado.

Tenho para mim o seguinte. Se os lulofóbicos dedicassem parte da energia que consomem em odiá-lo na procura honesta de formas de convencer os eleitores de que são mais capazes que Lula para combater a desigualdade social, eles já estariam no Planalto a esta altura, e do jeito certo, numa democracia: pelas urnas.
Clique para ver...

Até quando será tolerado no Brasil que a mídia publique acusações graves sem nenhuma prova?


E lá vem ele de novo, Marcos Valério.

Pobre leitor.

Mais uma vez, o que é apresentado – a título de “revelações” – é um blablablá conspiratório e repetitivo em que não existe uma única e escassa evidência.

Tudo se resume às palavras de Marcos Valério. Jornalisticamente, isso é suficiente para você publicar acusações graves?

Lula, no Planeta Veja, já não é apenas o maior corrupto da história da humanidade. Está também, de alguma forma, envolvido num assassinato. Chamemos Hercule Poirot.

Se você pode publicar acusações graves sem provas, a maior vítima é a sociedade. Não se trata de proteger alguém especificamente. Mas sim de oferecer proteção à sociedade como um todo.

Imagine, apenas por hipótese, que Marcos Valério, ou quem for, acusasse você, leitor. Sem provas. Numa sociedade avançada, você está defendido pela legislação. A palavra de Valério, ou de quem for, vale exatamente o que palavras valem, nada – a não ser que haja provas.

Já falei algumas vezes de um caso que demonstra isso brilhantemente. Paulo Francis acusou diretores da Petrobras de corrupção. Como as acusações – não “revelações” – foram feitas em solo americano, no programa Manhattan Connection, a Petrobras pôde processar Francis nos Estados Unidos.

No Brasil, o processo daria em nada, evidentemente. Mas nos Estados Unidos a justiça pediu a Francis provas. Ele tinha apenas palavras. Não era suficiente. Francis teria morrido do pavor de ser condenado a pagar uma indenização que o quebraria financeira e moralmente.

Os amigos de Francis ficaram com raiva da Petrobras. Mas evidentemente Francis foi vítima de si mesmo e de seu jornalismo inconsequente.

Por que nos Estados Unidos você tem que apresentar provas quando faz acusações graves, e no Brasil bastam palavras?

Por uma razão simples: a justiça brasileira é atrasada e facilmente influenciável pela mídia. Se Francis fosse processado no Brasil, haveria uma série interminável de artigos dizendo que a liberdade de imprensa estava em jogo e outras pataquadas do gênero.

Nos Estados Unidos, simplesmente pediram provas a Paulo Francis.

Uma justiça mais moderna forçaria, no Brasil, a imprensa a ser mais responsável na publicação de escândalos atrás dos quais muitas vezes a razão primária é a necessidade de vender mais e repercutir mais.
Provas são fundamentais em acusações. Quando isso estiver consolidado na rotina do jornalismo e da justiça brasileira, a sociedade estará mais bem defendida do que está hoje.


Paulo Nogueira é jornalista e está vivendo em Londres. Foi editor assistente da Veja, editor da Veja São Paulo, diretor de redação da Exame, diretor superintendente de uma unidade de negócios da Editora Abril e diretor editorial da Editora Globo.

Clique para ver...

São Paulo venceu

O que os paulistanos esperam de Haddad 
PAULO NOGUEIRA 

São Paulo venceu.

Nas urnas, hoje, os paulistanos disseram não ao mundo velho, obsoleto, cínico e inepto representado por Serra e os que gravitaram em torno de sua candidatura a prefeito de São Paulo.

Em escala municipal, a cidade tem que enfrentar tenazmente o grande drama do mundo moderno: a iniquidade social que tem feito com que tão poucos desfrutem das coisas boas que o capitalismo pode trazer.

Falo do capitalismo puro, tal como pregado por Adam Smith, no qual a ganância da plutocracia é neutralizada por um conjunto poderoso de princípios morais que podem ser sintetizados numa frase. “O impulso em admirar, e quase venerar, os ricos e os poderosos, e desprezar ou, ao menos, negligenciar os pobres é a maior e mais universal causa da corrupção de nossos valores”, escreveu Smith.

Com Serra e seu foco nos “ricos e poderosos” de que falou Adam Smith, ou no “1%” da campanha do movimento Ocupe Wall St, São Paulo não teria chance de se modernizar socialmente.

Haddad não é uma certeza, evidentemente. Mas é uma esperança que faz sentido. São Paulo pode ser mais rápido que o Brasil como um todo  — por sua riqueza, por sua pujança, por seu dinamismo — na construção de uma sociedade harmoniosa, nos moldes do que existe na admirável, exemplar Escandinávia.

Se Haddad for competente, São Paulo pode começar a se transformar, sob ele, numa Dinamarca e, por sua força, acelerar a dinamarquização do país.

Os sinais disso serão vistos facilmente no correr dos longos dias, caso Haddad seja um bom prefeito: menos miséria, menos gente nos faróis esmolando, menos favelas deformando a cidade. Mais bicicletas nas ruas, certamente.

É uma caminhada longa. Mas, para lembrar a sabedoria chinesa, toda caminhada começa no primeiro passo. Romper com tudo que Serra significa de atraso já é, em si, um primeiro passo.
Clique para ver...
 
Copyright (c) 2013 Blogger templates by Bloggermint
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...