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Espionagem e a luta anti-imperialista

Editorial do sítio Vermelho:

O ano de 2013 foi marcado, entre outros acontecimentos importantes na esfera internacional, pela revelação dos atos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês). As denúncias feitas por Edward Snowden, ex-funcionário da agência, desmascararam os programas federais de espionagem norte-americanos. Por meio do software Prism, a NSA espionou áudios, vídeos, fotografias, correios eletrônicos, documentos, conversações e conexões na internet de milhões de pessoas, empresas e governos de pelo menos 35 países.

Para obter os dados privados, a NSA grampeou satélites, linhas telefônicas e cabos de fibra ótica e conseguiu livre acesso a grandes servidores dos oligopólios da informática – Facebook, Hotmail, Yahoo e Google, entre outros, que têm bilhões de usuários em todo o mundo.

As ações, características de um Estado bandido, não só violaram a liberdade individual de cidadãos dos Estados Unidos, como atingiram chefes de Estado e de governo de outros países, entre estes a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

Com a desfaçatez que caracteriza os ocupantes da Casa Branca, o presidente de turno dos Estados Unidos, Barack Obama, tentou justificar o injustificável, alegando que a espionagem é ação “defensiva” para proteger o país e o mundo do “terrorismo”. Aqui se encontra mais um ponto de convergência da administração de Obama com a de seu antecessor, que produziu as horripilantes doutrinas da guerra infinita e da guerra preventiva e as realizou contra países e povos soberanos. O ex-presidente George W. Bush, ao anunciar a sua doutrina de segurança nacional após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, proclamara legitimar o conjunto das ações militares, espionagem e assassinatos seletivos sob a elástica rubrica de “guerra ao terrorismo”.

As ações de espionagem do governo de Barack Obama provocaram contradições internas e chocaram o imperialismo estadunidense com outras potências e contribuíram para isolar ainda mais política e diplomaticamente os Estados Unidos. A presidenta brasileira fez duras críticas em sua alocução de abertura dos trabalhos da Assembleia Geral das Nações Unidas, que três meses depois aprovou, por unanimidade, o projeto de resolução O Direito à Privacidade na Era Digital, apresentado por Brasil e Alemanha como reação às denúncias de espionagem internacional praticada pelos Estados Unidos em meios eletrônicos e digitais.

Segundo a resolução adotada pela ONU, as pessoas devem ter garantidos, no ambiente digital, os mesmos direitos que têm fora dele. As normas internacionais que fundamentaram a proposta conjunta são o Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – que mencionam o direito à privacidade, a inviolabilidade de correspondência e a proteção contra ofensas.

É um documento moderado, feito para obter a unanimidade dos 193 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas não deixa de ser um reconhecimento da legitimidade das queixas apresentadas pelos países que foram atingidos pelas ilegalidades da NSA e um passo importante para dar continuidade e aprofundar o debate, no âmbito das Nações Unidas, sobre o direito à privacidade nas comunicações eletrônicas.

Ainda que isto não paralise as ações de espionagem do imperialismo estadunidense, constitui um importante marco legal para reagir a estas com mais autoridade, legitimidade e margem de manobra.

Em 2013, a batalha contra as ações de espionagem dos Estados Unidos entrou na ordem do dia como uma das frentes da luta anti-imperialista.
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O show de horrores nos EUA

Por David Simon, na revista CartaCapital:

Os Estados Unidos são hoje um país totalmente dividido no que se refere a sociedade, economia, política. Existem definitivamente dois EUA. Eu vivo em um, em uma quadra de Baltimore, no estado de Maryland, que faz parte da versão viável dos EUA, a parte dos EUA conectada com a sua própria economia, onde existe um futuro plausível para as pessoas ali nascidas. A cerca de 20 quarteirões de distância existe outro país totalmente diferente. É incrível como temos pouco a ver uns com os outros, e, no entanto, vivemos em grande proximidade.

Não há arame farpado ao redor de Baltimore Oeste ou de Baltimore Leste, ao redor de Pimlico, áreas de minha cidade que foram totalmente divorciadas da experiência americana que conheço. Mas poderia haver. De certa forma nós conseguimos caminhar para dois futuros diferentes, e creio que estamos vendo cada vez mais disso no Ocidente. Não acho que seja exclusivo dos EUA.

Creio que nos aperfeiçoamos muito na tragédia e estamos chegando lá mais depressa que muitos outros lugares talvez ainda um pouco mais racionais. Mas minha ideia perigosa envolve um homem que foi deixado de lado no século XX e quase parecia ser o final da piada do século XX: um homem chamado Karl Marx.

Não sou marxista no sentido de que não acredito em uma resposta clínica muito específica do marxismo para nossos problemas econômicos. Marx era muito melhor ao fazer diagnósticos do que como clínico. Ele era bom em descobrir os erros ou o que poderia estar errado com o capitalismo se não cuidassem dele, e muito menos verossímil no aspecto de como se poderia solucionar isso.

Se você leu O Capital, ou tem as Cliff Notes, sabe que suas imagens de como o marxismo clássico – de como sua lógica funcionaria quando aplicada – mais ou menos evoluem para absurdos tais como o encolhimento do Estado e platitudes semelhantes. Mas ele foi realmente arguto sobre o que dá errado quando o capital vence de maneira inequívoca, quando ele consegue tudo o que quer.

Essa talvez seja a tragédia definitiva do capitalismo em nossa era, que ele alcançou a predominância sem consideração pelo pacto social, sem estar conectado a qualquer outra métrica de progresso humano.

Nós entendemos o lucro. Em meu país, medimos as coisas pelo lucro. Escutamos os analistas de Wall Street. Eles nos dizem o que devemos fazer a cada trimestre. O relatório trimestral é Deus. Vire-se de frente para Deus. Vire-se de frente para Meca, você sabe. Você atingiu seu número? Você não atingiu seu número? Você quer seu bônus? Você não quer seu bônus?

E essa ideia de que o capital é a métrica, de que o lucro é a métrica pela qual mediremos a saúde de nossa sociedade, é um dos enganos fundamentais dos últimos 30 anos. Eu a dataria em meu país exatamente em 1980, e ela venceu.

O capitalismo arrasou com o marxismo no final do século XX e predominou em todos os sentidos. Mas a grande ironia disso é que a única coisa que realmente funciona não é ideológica, é impura, tem elementos dos dois argumentos e na verdade nunca alcança algum tipo de perfeição partidária ou filosófica.

É pragmática, inclui os melhores aspectos do pensamento socialista e do capitalismo de livre mercado. E funciona porque não deixamos que ela funcione totalmente. E essa é uma ideia dura de pensar – que não existe uma mágica que nos tire da confusão na qual nos metemos. Mas que confusão!

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Ocidente emergiu com a economia norte-americana saindo de sua extravagância do tempo de guerra, surgindo como o melhor produto. Era o melhor produto. Funcionava melhor. Estava demonstrando seu poder não apenas em termos do que fez durante a guerra, mas em termos de como era fácil criar riqueza em massa.

Além disso, oferecia muito mais liberdade e fazia a única coisa que garantia que o século XX seria – e perdoem o tom chauvinista disto – o século norte-americano.

Ele pegou uma classe trabalhadora que não tinha uma renda perceptível no início do século, que trabalhava por salários de subsistência. E a transformou em uma classe de consumidores que não apenas tinha dinheiro para comprar todas as coisas de que precisavam para viver, como o suficiente para comprar um monte de porcarias que eles queriam mas de que não precisavam. Essa foi a máquina que nos conduziu.

Não era apenas que podíamos fornecer coisas, ou que tivéssemos as fábricas, o know-how ou o capital. Nós criávamos nossa própria demanda, e começamos a exportar essa demanda por todo o Ocidente. E o padrão de vida possibilitou fabricar coisas em um ritmo incrível e vendê-las.

E como fizemos isso? Fizemos não cedendo a qualquer lado. Esse foi o novo acordo. Essa foi a grande sociedade. Essa foi toda a discussão sobre negociação coletiva e dissídios, e foi uma discussão que significava o seguinte: nenhum lado pode vencer.

Os trabalhadores não conseguem vencer todos os seus argumentos, nem o capital. Mas é na tensão, é na verdadeira luta entre os dois, que o capitalismo realmente se torna funcional, que ele se torna algo em que toda camada da sociedade tem um interesse, que todas compartilham.

Os sindicatos foram realmente importantes. Os sindicatos faziam parte da equação. Não importava se eles vencessem o tempo todo, não importava se eles perdessem o tempo todo, apenas importava que eles tinham de vencer algumas vezes. Mais: eles tinham de armar uma briga e tinham de discutir pela demanda e a equação e pela ideia de que os trabalhadores não valiam menos, eles valiam mais.

Afinal, abandonamos isso e acreditamos na ideia da transmissão gradual da riqueza e na ideia da economia de mercado. Em suma, o mercado sabe melhor, a um ponto em que hoje o libertarismo em meu país está realmente sendo levado a sério como uma forma inteligente de pensamento político. Isso me surpreende. Mas é assim. As pessoas estão dizendo que não preciso de nada além de minha capacidade de lucrar. Não estou conectado à sociedade. Não me importa como a estrada foi construída, não me importa de onde vem o bombeiro, não me importa quem educa as crianças que não são meus filhos. Eu sou eu. É a vitória do ego. Eu sou eu, ouçam-me rugir.

Surpreende-me que tenhamos chegado a este ponto, porque basicamente, ao vencer sua vitória, ao ver aquele Muro cair e ver a viagem do antigo Estado stalinista em direção ao nosso modo de pensar em termos de mercados ou de ser vulnerável, você teria pensado que tivéssemos aprendido o que funciona. Em vez disso, decaímos ao que só pode ser descrito como ganância. Isto é apenas ganância. É uma incapacidade de ver que todos estamos conectados, que a ideia de dois Estados Unidos é implausível, assim como de duas Austrálias, duas Espanhas ou duas Franças.

As sociedades são exatamente o que elas parecem. Se todo mundo estiver empenhado e se todo mundo apenas acreditar que tem "uma parte", não quer dizer que todos vão receber a mesma quantia. Não significa que não haverá pessoas que são os capitalistas de risco que pretendem ganhar mais. Não é cada um segundo suas necessidades ou algo que seja puramente marxista, mas que todo mundo sinta que "se a sociedade tiver êxito, eu terei êxito, não ficarei para trás". E não existe uma sociedade no Ocidente hoje, neste momento, que seja capaz de sustentar isso para toda a sua população.

Assim, em meu país estamos vendo um show de horrores. Estamos vendo uma retração em termos de renda familiar, o abandono de serviços básicos como a educação pública, a educação pública funcional. Vemos a subclasse caçada por meio de uma suposta guerra às drogas perigosas que é na verdade apenas uma guerra contra os pobres e nos transformou no Estado mais encarcerante da história da humanidade. Falo em termos dos simples números de pessoas que colocamos nas prisões norte-americanas e da porcentagem de norte-americanos que colocamos nas prisões. Nenhum outro país na face da Terra prende pessoas no número e no ritmo em que o fazemos.

Tornamo-nos algo diferente do que reivindicamos no sonho americano, e tudo por causa de nossa incapacidade básica de compartilhar, de sequer considerar um impulso socialista.

"Socialismo" é um palavrão em meu país. Tenho de fazer essa ressalva no início de cada palestra: "Oh, aliás, não sou marxista, vocês sabem". Vivi ao longo do século XX. Não acredito que uma economia dirigida pelo Estado possa ser tão viável quanto o capitalismo de mercado para produzir riqueza em massa. Não acredito.

Estou totalmente comprometido com a ideia de que o capitalismo tem de ser o modo como geraremos riqueza em massa no próximo século. Essa discussão terminou. Mas a ideia de que não estará casado com um pacto social, de que a distribuição dos benefícios do capitalismo não incluirá todo mundo da sociedade em medida razoável, isso é incrível para mim.

E assim o capitalismo está prestes a arrancar a derrota das presas da vitória com sua própria mão. Esse é o fim surpreendente desta história, a menos que revertamos o rumo. A menos que levemos em consideração, senão os remédios de Marx, pelo menos o diagnóstico. Ele viu o que aconteceria se o capital triunfasse de modo inequívoco, se conseguisse tudo o que queria.

E uma das coisas que o capital queria inequivocamente e com certeza é a diminuição da mão-de-obra. Eles queriam que a mão-de-obra fosse diminuída porque a mão-de-obra é um custo. E se a mão-de-obra for diminuída, vamos traduzir: em termos humanos, significa que os seres humanos valem menos.

A partir desse momento, a menos que revertamos o rumo, o ser humano médio vale menos no planeta Terra. A menos que levemos em conta o fato de que talvez o socialismo e o impulso socialista deva ser novamente abordado; ele tem de ser casado como era casado nos anos 1930, 40 e até nos 50, com a máquina que é o capitalismo.

Confundir o capitalismo com uma planta detalhada para se construir uma sociedade me parece uma ideia realmente perigosa, de uma maneira ruim. O capitalismo é uma máquina notável para produzir riqueza. É uma grande ferramenta para se ter na caixa de ferramentas se você estiver tentando construir uma sociedade e quiser que essa sociedade progrida. Você não desejaria avançar neste ponto sem ela. Mas não é uma planta para se construir a sociedade justa. Existem outras métricas além do relatório trimestral de lucros.

A ideia de que o mercado solucionará as coisas como preocupações ambientais, como nossas divisões raciais, nossas distinções de classe, nossos problemas com a educação e inclusão de uma geração de trabalhadores na economia depois de outra quando essa economia está mudando; a ideia de que o mercado vá atender a todas as preocupações humanas e ainda maximizar os lucros é juvenil. É uma ideia juvenil e está sendo defendida em meu país apaixonadamente e estamos descendo pelo ralo. E isso me aterroriza porque fico incrédulo ao ver como ficamos à vontade ao nos absolvermos do que é basicamente uma opção moral. Estamos todos juntos nisto ou não?

Se você visse o fracasso que foi, e é, a luta sobre algo tão básico quanto a política de saúde pública em meu país nos últimos anos, imagine a ineficácia que os norte-americanos vão oferecer ao mundo sobre algo realmente complexo como o aquecimento global. Não podemos nem conseguir atendimento de saúde para nossos cidadãos em um nível básico. E o argumento se resume a: "Maldito presidente socialista. Ele pensa que vou pagar para manter outras pessoas saudáveis? Isso é socialismo, filho da mãe".

O que você pensa que é o seguro-saúde em grupo? Você sabe que pergunta a esses sujeitos: "Você tem seguro-saúde em grupo onde você...?" "Oh, sim, tenho..." você sabe, "minha firma de advocacia..." Assim, quando você fica doente você pode pagar pelo tratamento.

O tratamento vem porque você tem pessoas suficientes em sua firma de advocacia, de modo que você pode ter seguro-saúde suficiente para elas se manterem saudáveis. Assim as tabelas de prêmios e riscos funcionam, e vocês todos, quando ficam doentes, podem ter os recursos para sarar porque contam com a ideia do grupo. Sim. E eles balançam as cabeças, e você diz: "Irmão, isso é socialismo. Você sabe que é".

E... você sabe quando você diz: "Está bem, vamos fazer o mesmo que fazemos para sua firma de advocacia, mas vamos fazer para 300 milhões de norte-americanos e vamos torná-lo acessível a todo mundo dessa maneira. E sim, isso significa que você estará pagando para os outros caras da sociedade, da mesma maneira que você paga para os outros caras da firma... Os olhos deles brilham. Você vê que eles não querem ouvir isso. É demais. Demais contemplar a ideia de que todo o país poderia na verdade estar conectado.

Por isso fico surpreso de que ainda hoje eu esteja aqui de pé dizendo que talvez queiramos recuperar esse sujeito Marx do qual estávamos rindo, senão por suas prescrições, pelo menos pelo retrato que ele fez do que é possível se você não mitigar a autoridade do capitalismo, se você não abraçar alguns outros valores de esforço humano.

E é basicamente disso que se tratava The Wire, a série de TV. Era sobre pessoas que valiam menos e não eram mais necessárias, como talvez 10 ou 15% do meu país não são mais necessários para a operação da economia. Era sobre eles tentando resolver, por falta de um termo melhor, uma crise existencial. Em sua irrelevância, sua irrelevância econômica, eles continuavam não obstante em campo, ocupando este lugar chamado Baltimore, e eles tinham de sobreviver de alguma forma.

Esse é o grande show de horrores. O que vamos fazer com todas essas pessoas que conseguimos marginalizar? Era mais ou menos interessante quando se tratava apenas de raça, quando você podia fazer isso com base nos temores raciais das pessoas, e eram apenas os negros e pardos nas cidades norte-americanas que tinham os índices mais altos de desemprego e de dependência de drogas, eram marginalizados e tinham sistemas escolares péssimos e falta de oportunidades.

E é interessante nesta última recessão ver a economia encolher e começar a atirar as pessoas brancas de classe média no mesmo barco, de modo que elas se tornaram vulneráveis à guerra das drogas, por exemplo com a metanfetamina, ou se tornaram incapazes de qualificar-se para empréstimos para a universidade. E de repente a fé na máquina econômica, na autoridade econômica de Wall Street e na lógica do mercado começou a se distanciar das pessoas. E elas perceberam que não se trata apenas de raça, trata-se de algo ainda mais aterrorizante. Trata-se de classe. Você está no topo da onda ou está embaixo?

Então, como isso pode melhorar? Em 1932, melhorou porque eles distribuíram as cartas de novo e houve uma lógica comunitária para estabelecer que ninguém seria deixado para trás. Vamos resolver isto. Vamos abrir os bancos. Das profundezas daquela depressão, um pacto social foi feito entre trabalhador, entre mão-de-obra e capital que na verdade permitiu que as pessoas tivessem alguma esperança.

Ou vamos fazer isso de alguma maneira prática quando as coisas ficarem suficientemente ruins, ou vamos continuar fazendo como estamos fazendo. E nesse ponto haverá tantas pessoas paradas do lado de fora desta confusão que alguém vai pegar um tijolo, porque você sabe que quando as pessoas chegam ao fim sempre há o tijolo. Espero que escolhamos a primeira opção, mas estou perdendo a fé.

Outra coisa que havia em 1932 e que não existe hoje é que algum elemento da vontade popular podia ser expresso por meio do processo eleitoral em meu país.

O último trabalho do capitalismo – tendo ganhado todas as batalhas contra a mão-de-obra, tendo adquirido a autoridade máxima, quase a autoridade moral máxima do que é uma boa ideia ou não, ou do que é valorizado e o que não é –, a última viagem do capital em meu país foi comprar o processo eleitoral, a única via para reformas que os norte-americanos ainda tinham.

Neste momento o capital efetivamente comprou o governo, e você testemunhou isso novamente com a derrocada do sistema de saúde em termos dos 450 milhões de dólares que foram depositados sobre o Congresso, a parte mais danificada do meu governo, para que a vontade popular nunca emergisse de fato naquele processo legislativo.

Por isso não sei o que faremos se não pudermos realmente controlar o governo representativo que, nós alegamos, manifestará a vontade popular. Mesmo que todos começássemos a ter os mesmos sentimentos que estou defendendo agora, não tenho certeza se ainda poderemos efetivá-los, da mesma maneira que pudemos no auge da Grande Depressão, por isso talvez seja mesmo o tijolo. Mas espero que não.

* David Simon é um escritor e jornalista americano e foi produtor-executivo de The Wire. Esta é uma edição de trechos de uma palestra feita no Festival de Ideias Perigosas em Sydney, Austrália.

** Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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Conheça 10 fatos chocantes sobre os EUA

Por Luis Soares, no blog Pragmatismo político:

Os EUA costumam se revelar ao mundo como os grandes defensores das liberdades, como a nação com a melhor qualidade de vida do planeta e que nada é melhor do que o “american way of life” (o modo de vida americano). A realidade, no entanto, é outra. Os EUA também têm telhado de vidro como a maioria dos países, a diferença é que as informações são constantemente camufladas. Confira abaixo 10 fatos pouco abordados pela mídia ocidental.

1. Maior população prisional do mundo.

Elevando-se desde os anos 80, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controle social: à medida que o negócio das prisões privadas alastra-se como uma gangrena, uma nova categoria de milionários consolida seu poder político. Os donos destas carcerárias são também, na prática, donos de escravos, que trabalham nas fábricas do interior das prisões por salários inferiores a 50 cents por hora. Este trabalho escravo é tão competitivo, que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar chicletes. O alvo destas leis draconianas são os mais pobres, mas, sobretudo, os negros, que representando apenas 13% da população norte-americana, compõem 40% da população prisional do país.

2. 22% das crianças americanas vive abaixo do limiar da pobreza.

Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças norte-americanas vivam sem “segurança alimentar”, ou seja, em famílias sem capacidade econômica para satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que estas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não vão à universidade e têm uma maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.

3. Entre 1890 e 2012, os EUA invadiram ou bombardearam 149 países.

O número de países nos quais os EUA intervieram militarmente é maior do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de oito milhões de mortes causadas pelo país só no século XX. Por trás desta lista, escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de Estado e patrocínio de ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, recipiente do Nobel da Paz, os EUA conduzem neste momente mais de 70 operações militares secretas em vários países do mundo.Leia também

O mesmo presidente criou o maior orçamento militar norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial, superando de longe George W. Bush.
4. Os EUA são o único país da OCDE que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade.

Embora estes números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos por cada empresa, é prática corrente que as mulheres norte-americanas não tenham direito a nenhum dia pago antes ou depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo oferecem entre 12 e 50 semanas pagas em licença maternidade. Neste aspecto, os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia.

5. 125 norte-americanos morrem todos os dias por não poderem pagar qualquer tipo de plano de saúde.

Se não tiver seguro de saúde (como 50 milhões de norte-americanos não têm), então há boas razões para temes ainda mais a ambulância e os cuidados de saúde que o governo presta. Viagens de ambulância custam em média o equivalente a 1300 reais e a estadia num hospital público mais de 500 reais por noite. Para a maioria das operações cirúrgicas (que chegam à casa das dezenas de milhar), é bom que possa pagar um seguro de saúde privado. Caso contrário, a América é a terra das oportunidades e, como o nome indica, terá a oportunidade de se endividar e também a oportunidade de ficar em casa, torcendo para não morrer.
6. Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos. Só entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres em reservas índias foram esterilizadas contra sua vontade pelo governo norte-americano.

Esqueçam a história do Dia de Ação de Graças com índios e colonos partilhando placidamente o mesmo peru em torno da mesma mesa. A História dos Estados Unidos começa no programa de erradicação dos índios. Tendo em conta as restrições atuais à imigração ilegal, ninguém diria que os fundadores deste país foram eles mesmos imigrantes ilegais, que vieram sem o consentimento dos que já viviam na América. Durante dois séculos, os índios foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados. Em pleno século XX, os EUA iniciaram um plano de esterilização forçada de mulheres índias, pedindo-lhes para colocar uma cruz num formulário escrito em idioma que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios caso não consentissem ou, simplesmente, recusando-lhes acesso a maternidades e hospitais. Mas que ninguém se espante, os EUA foram o primeiro país do mundo oficializar esterilizações forçadas como parte de um programa de eugenia, inicialmente contra pessoas portadoras de deficiência e, mais tarde, contra negros e índios.
7. Todos os imigrantes são obrigados a jurarem não ser comunistas para poder viver nos EUA.

Além de ter que jurar não ser um agente secreto nem um criminoso de guerra nazi, vão lhe perguntar se é, ou alguma vez foi membro do Partido Comunista, se tem simpatias anarquista ou se defende intelectualmente alguma organização considerada terrorista. Se responder que sim a qualquer destas perguntas, será automaticamente negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por “prova de fraco carácter moral”.
8. O preço médio de uma licenciatura numa universidade pública é 80 mil dólares.

O ensino superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente, todos os estudantes têm dívidas astronômicas, que, acrescidas de juros, levarão, em média, 15 anos para pagar. Durante esse período, os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo muitas vezes forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos e assim sobreviver. O sistema de servidão completa-se com a liberdade dos bancos de vender e comprar as dívidas dos alunos a seu bel prazer, sem o consentimento ou sequer o conhecimento do devedor. Num dia, deve-se dinheiro a um banco com uma taxa de juros e, no dia seguinte, pode-se dever dinheiro a um banco diferente com nova e mais elevada taxa de juro. Entre 1999 e 2012, a dívida total dos estudantes norte-americanos cresceu à marca dos 1,5 trilhões de dólares, elevando-se assustadores 500%.
9. Os EUA são o país do mundo com mais armas: para cada dez norte-americanos, há nove armas de fogo.

Não é de se espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior coleção de armas. O que surpreende é a comparação com outras partes do mundo: no restante do planeta, há uma arma para cada dez pessoas. Nos Estados Unidos, nove para cada dez. Nos EUA podemos encontrar 5% de todas as pessoas do mundo e 30% de todas as armas, algo em torno de 275 milhões. Esta estatística tende a se elevar, já que os norte-americanos compram mais de metade de todas as armas fabricadas no mundo.
10. Há mais norte-americanos que acreditam no Diabo do que os que acreditam em Darwin.

A maioria dos norte-americanos são céticos. Pelo menos no que toca à teoria da evolução, já que apenas 40% dos norte-americanos acreditam nela. Já a existência de Satanás e do inferno soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos norte-americanos. Esta radicalidade religiosa explica as “conversas diárias” do ex-presidente Bush com Deus e mesmo os comentários do ex-pré-candidato republicano Rick Santorum, que acusou acadêmicos norte-americanos de serem controlados por Satã.
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Os EUA e a conta da NSA

http://pigimprensagolpista.blogspot.com.br/
Por Mauro Santayana, em seu blog:

As revelações feitas pelo ex-analista de informações da NSA, Edward Snowden, sobre o monitoramento pelas agências de espionagem norte-americanas, de empresas e governos estrangeiros, e a quebra da privacidade e do sigilo na internet de milhões de cidadãos de todo o mundo, não teve repercussão apenas nos meios políticos e estratégicos.

Empresários que trabalham com grandes grupos e empresas na internet têm manifestado sua insatisfação com o comportamento dos Estados Unidos e as consequências, para os seus negócios, da crescente desconfiança dos consumidores com tudo o que cerca o universo da Tecnologia da Informação.


Na semana passada, na Inglaterra, Mark Zuckenberg tocou no assunto no programa semanal da emissora inglesa de televisão BBC - “The Week”. “O governo – norte-americano – estragou tudo com esse problema da espionagem” – afirmou o fundador e principal executivo do Facebook.

No dia 12 de novembro, executivos da Microsoft, do Google e do próprio Facebook, em audiência no Parlamento Europeu, negaram a existência de “portas traseiras” em seus sistemas, e o acesso automático, por parte de agências norte-americanas de espionagem, a seus bancos de dados, no contexto do programa PRISM (prisma) de espionagem.

Em muitos países, os governos estão recomendando que seus cidadãos encerrem suas contas em empresas norte-americanas de internet.

Em junho, por exemplo, a Ministra Iris Varela, ligada à área de segurança da Venezuela, já havia pedido que os internautas daquele país parassem de usar o Facebook.

No mês seguinte, 63 empresas norte-americanas pediram, em carta dirigida ao governo, maior transparência nos pedidos judiciais de informação feitos pela NSA, com a divulgação do número de pedidos e do tipo de informação requerida.

Assinaram a carta, entre outras, o Facebook, a Microsoft, a Apple, Dropbox, Yahoo, Mozilla, Linkedin, Meetup, Reddit, Tumbr e a Cisco.

O principal executivo da Cisco, John Chambers, afirmou, no dia 17 de novembro, que a demanda pelos produtos e serviços da companhia diminuiu depois das denúncias, principalmente em mercados emergentes, como a China, o México e a Índia, onde caiu 18%. A perspectiva de problemas relacionados ao escândalo de espionagem fez com que as ações da Cisco caíssem também em 10%.

Tudo isso explica porque a Information Technology & Innovation Foundation – Fundação para a Informação Tecnológica e a Inovação, financiada, está prevendo, em recente relatório, que a espionagem do governo norte-americano no exterior poderá custar às empresas norte-americanas da área de internet a bagatela de 35 bilhões de dólares nos próximos dois anos, em novos negócios, devido a dúvidas sobre a segurança de informação de seus sistemas.

Cultivar a arrogância e flertar com a onipotência tem um preço, que o governo norte-americano, mais cedo ou mais tarde - direta ou indiretamente - terá que pagar.
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"McGreve" nas redes fast-food dos EUA

Por Eduardo Graça, na revista CartaCapital:

Sem uniformes, apoiados por uma legião de professores, estudantes universitários, manifestantes herdeiros do Ocupem Wall Street, grupos de defesa de imigrantes não-documentados, lideranças sindicais e um massa de trabalhadores “low-budget”, que recebem, dependendo do estado, entre 7 e 8 dólares por hora de trabalho, milhares de funcionários de empresas conhecidas dos brasileiros, como McDonald’s, Burger King, Wendy’s, Walgreens, Macy’s e Sears, tomaram as ruas de uma centena de cidades americanas na quinta-feira 5 exigindo o aumento do salário mínimo para 15 dólares por hora.

Era uma denúncia direta tanto do aumento da desigualdade social na maior economia do planeta quanto da resistência dos republicanos, maioria na Casa dos Representantes, equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil, de sequer iniciar discussão sobre o tema, alarmados com a possibilidade da diminuição do ritmo da recuperação econômica do país.

Nas manifestações de peso em cidades tão diversas como Nova York, Chicago, Los Angeles, Boston, Detroit, Oakland, Charleston, Providence, Pittsburgh e Saint Louis, celebrou-se o discurso do presidente Barack Obama no dia anterior, em Washington, de defesa de um aumento imediato no salário-base federal de 1.250 dólares ao mês, mas pediu-se bem mais.

Na Praça Foley, no Centro Cívico de Manhattan, depois de sucessivos piquetes em frente aos restaurantes de fast-food localizados na vizinha Broadway, centenas de manifestantes enfrentaram o frio do outono nova-yorkino, animados por uma banda de rhythm & blues. O escritor e comediante de stand-up Ted Alexandro, de 44 anos, conhecido na cidade por conta de seus programas no canal de tevê Comedy Center, carregava um cartaz de protesto em que todos os Ms aparecem desenhados como se fossem o símbolo do Mc Donald’s.

“Para ajudar a pagar minha universidade, trabalhei em uma franquia do Burger King. Mas, com o aumento da desigualdade social nos EUA, a média de idade do trabalhador de lanchonetes nos EUA, hoje, é de 29 anos, bem menos jovens do que na minha época. Como é que uma pessoa vai sustentar sua família ganhando pouco mais de 1.000 dólares por mês? É impossível. A luta aqui, hoje, é, sim, dos funcionários de fast-food, mas você também vê esta gama de organizações na praça por conta da necessidade de se negociar logo um aumento do salário mínimo. Nós estamos conscientemente saindo às ruas, um dia depois do discurso do presidente Obama, para pressionar Washington”, disse, em meio a gritos de ordem que resumiam o pensamento do fim de tarde: “Os bancos foram resgatados, mas nós é que pagamos a conta”.

Além do minuto de silêncio por conta da morte do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, o outro instante em que os discursos na Foley se diversificaram em relação à primeira, e surpreendente, paralisação dos “assalariados por baixo” nova-yorkinos, em agosto, se deu com a celebração de apoio ao evento político de quarta-feira organizado pelo governo federal em Anacostia, um dos bairros mais pobres da periferia da capital americana. Na ocasião, em um discurso inflamado, Barack Obama afirmou que combater a desigualdade social é o “desafio que definirá nossa era” e que uma década de aumento com velocidade jamais vista na maior economia do planeta da disparidade entre ricos e pobres, “é uma ameaça real ao sonho americano”.

As agendas da Casa Branca e do movimento de trabalhadores não-sindicalizados se coincidiram por conta da necessidade de o governo recuperar o momento político depois de quase dois meses enredado no fiasco do lançamento do Obamacare, o projeto de reforma do combalido sistema de saúde do país. O governo ensaia um apoio formal à proposta dos senadores democratas, de elevação do mínimo para 10,10 dólares por hora, ainda bem abaixo do que pediam ontem as ruas dos maiores centros urbanos do país.

Na quarta-feira, Obama mencionou como principais injustiçados no mercado de trabalho americano, além dos enfermeiros (outro grupo presente em peso nas três passeatas de quinta-feira na Grande Nova York) e dos funcionários de shoppings e grandes lojas de departamento, os trabalhadores das redes de fast-food, historicamente afastados dos sindicatos por conta de característica específica do ramo: o gerenciamento dos negócios feitos por franquias, dissociadas umas das outras.

A primeira vez em que trabalhadores do setor cruzaram os braços nos EUA cerca de 200 funcionários de redes de fast-food deixaram de trabalhar por um dia em novembro de 2012, mobilizados por grupos locais como o Fast Food Forward (FFF) e o Fight for 15, hoje apoiados por centrais sindicais poderosas, como a União Nacional dos Professores, . “O que queremos, no fim, é um salário-base de 15 dólares/hora e o direito de nos sindicalizarmos”, dizia, em alto e bom som, microfone na mão, o dia todo, um dos principais organizadores da greve, Kendall Fells, principal líder do FFF.

A discrepância dos dois lados da pirâmide da indústria alimentícia nos EUA é denunciada pelos ativistas sem qualquer titubeio: enquanto CEOs de McDonald’s, KFC, Taco Bell, Pizza Hut e Red Olive aparecem na lista da revista “Fortune” recebendo salários de até 14 milhões de dólares por ano, pesquisa do Economy Police Institute revela que seus funcionários recebem 788 vezes menos. Mas o caldeirão só transbordou, reconhecem os organizadores da greve, por conta da recessão americana e do aumento do desemprego, que levou a idade média dos funcionários do setor, como apontada por Ted Alexandro, de 25 para 29 anos em meia década. Trinta e um por cento dos funcionários tem pelo menos um diploma universitário e mais de 25% da força de trabalho sustenta pelo menos uma criança com o salário recebido. É fato que nos últimos 14 anos nenhum setor da economia americana gerou mais postos de emprego. No entanto, a quase totalidade é de remuneração baixíssima.

Enquanto o lucro das empresas do setor foi estimado em 7,4 bilhões de dólares em 2013, os organizadores da greve dizem que quase 60% dos trabalhadores dependem do vale-alimentação do governo federal para abastecerem as geladeiras. Alem do mais, frisou um dos donos da Zingerman’s Deli, em Ann Arbor, Michigan, Paul Saignaw, em entrevista à “The Nation”, em frase poderosa: “É, no mínimo, uma vergonha termos funcionários de lanchonetes e restaurantes passando fome”. Os benefícios trabalhistas praticamente inexistem. De acordo com o National Employment Law Project, os custos para o contribuinte americano com os tratamentos de saúde apenas de funcionários do McDonald’s e seus dependentes chega a 1,2 bilhão de dólares.

Um dos maiores grupos lobistas de Washington, a National Restaurants Association, alertou esta semana que o virtual aumento do pagamento mínimo para 15 dólares por hora acarretará necessariamente no corte de empregados e em maior automação de serviços. Lisa McCombs, porta-voz do McDonald’s, disse, em e-mail distribuído à imprensa, que o grupo empresarial não considera os eventos desta semana “greves, e sim manifestações avulsas, que contaram com a adesão de pouquíssimas das 700 mil pessoas que trabalham para o Mc Donald’s”. Um Ronald McDonald vestido como o frio e ganancioso Grinch, o personagem criado por Dr.Seuss que quer ‘roubar’ o Natal, e os piquetes nas portas de restaurantes da rede em todo o país mostraram, no entanto, um incremento claro dos protestos em relação às paralisações-relâmpagos de novembro do ano passado e agosto último.

De acordo com a Wider Opportunities for Women, um indivíduo precisa ganhar hoje 10,20 dólares por hora nos EUA para se conseguir sobreviver em uma localidade de custo baixo. A média nacional é de 14,17 dólares. Ainda é uma incógnita se as greves conseguirão melhorar as condições dos trabalhadores que servem bilhões de hambúrgueres por dia nos EUA, mas uma vitória o neo-sindicalismo americano já pode celebrar: colocou na pauta do dia o aumento do salário mínimo na mesma semana em que o governo celebra o anúncio do menor índice de desemprego em cinco anos e da criação de 200 mil novos postos de emprego na economia americana nos últimos quatro meses.
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EUA: O espião do mundo

Editorial do jornal Brasil de Fato:

O escândalo da espionagem eletrônica praticada pelos Estados Unidos, através da “National Security Agency” e por outras agências, como a “Government Communications Headquarters” (GCHQ) britânica – revelado pelo ex-analista de inteligência estadunidense Edward Snowden – deixou clara a violação da soberania dos principais países, empresas e cidadãos de todo o mundo.


Em seu discurso de abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU, em setembro, a presidenta Dilma afirmou que “imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar- se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país.”

Desde então, após sinalizar o protesto adiando a visita oficial que a presidenta Dilma faria aos Estados Unidos, a diplomacia brasileira vem desenvolvendo vários movimentos para enfrentar o crime de espionagem.

No início de novembro, Brasil e Alemanha apresentaram na ONU iniciativa voltada para a criação de nova arquitetura de controle da internet. A proposta gerou a aprovação de uma resolução sobre direito à privacidade e temas afins, inclusive na internet, na chamada Terceira Comissão da ONU. Foi uma vitória expressiva no cenário internacional.

A resolução exorta os países membros da ONU a tomarem medidas concretas para a proteção do direito à privacidade de seus cidadãos, reafirmando “o direito à privacidade, segundo o qual ninguém deve ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência”. Sua aprovação enfrentou as articulações dos Estados Unidos e seu grupo de aliados principais: Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá.

Além disso, os Estados Unidos foram formalmente convidados pelo governo brasileiro para a Conferência que será realizada em abril de 2014, em São Paulo, da qual participarão vários países e instituições internacionais, para discutir uma nova governança para a internet. Fica claro que o tema da espionagem mundial será o principal alvo dos países participantes do encontro.

Enquanto isso, o Ministro das Relações Exteriores Luiz Alberto Figueiredo foi a Moscou para convidar a Rússia e construir uma declaração conjunta protestando sobre a espionagem.

Como resultado, a Rússia declarou seu apoio à proposta apresentada na ONU por Brasil e Alemanha. E o Ministro da Defesa, Celso Amorim, reuniu-se em Buenos Aires com o Ministro da Defesa argentino, Agustin Rossi, para o estabelecimento do Acordo Bilateral de Defesa Cibernética. Em seu retorno, Celso Amorim afirmou que o assunto deve ser tratado na próxima reunião do Conselho de Defesa da América do Sul, e o Ministro da Defesa argentino ressaltou a necessidade dos países da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) estabelecerem uma estratégia comum e conjunta de defesa na área cibernética.

Uma intensa batalha diplomática vem sendo travada e os Estados Unidos e seus aliados tentam frear a iniciativa apresentada pelos governos do Brasil e da Alemanha, temendo o isolamento se for aprovada na Assembléia Geral da ONU.

É preciso enfrentar essa espionagem mundial. Quando qualquer pessoa, mesmo a presidenta da República, usa uma máquina equipada com o programa Windows, o funcionário que a instalou deu um “consentimento” para os termos de uso da Microsoft, nessa concordância autorizou uma empresa que em sua “política de privacidade” diz que eles têm acesso a tudo que está instalado na máquina. As denúncias efetuadas por Snowden revelam relação direta com o poder concentrado em grandes companhias da internet e sua cumplicidade com o governo estadunidense.

Segundo Richard Stalmann – um dos principais ativistas do software livre no mundo – o uso de plataformas livres é uma forma de evitar violações contra as liberdades individuais. “Programas proprietários são projetados para espionar os usuários, restringi-los, censurá-los e abusar deles”.

Além das movimentações diplomáticas, o enfrentamento da espionagem mundial praticada pelos Estados Unidos e Reino Unido exigirá investimentos em tecnologia digital e a continuidade de investimentos no projeto do Satélite Espacial Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), previsto para o final de 2016. Atualmente, os satélites que prestam serviço no Brasil são controlados por estações que estão fora do país ou tem o controle de empresas de capital estrangeiro, especialmente dos Estados Unidos.
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A luta contra o militarismo dos EUA

Editorial do sítio Vermelho:

Realizou-se em novembro último em Cuba a Terceira Conferência Internacional pela abolição das bases militares estrangeiras e o fechamento da base de Guantánamo. Trata-se de uma iniciativa conjunta do Movimento pela Paz, da ilha caribenha, e do Conselho Mundial da Paz, com a participação de movimentos pacifistas e organizações de solidariedade internacional.


 O território de Guantánamo é estratégico para o controle marítimo entre o Caribe e o Atlântico. Ultimamente, desde que os Estados Unidos proclamaram a chamada guerra ao terrorismo, a base militar passou a abrigar um presídio em que se praticam arbitrariedades contra acusados de “planejar e cometer atentados aos Estados Unidos”. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu que iria fechar a prisão, mas até hoje não cumpriu.

A manutenção da base militar sob controle estadunidense atenta contra a soberania nacional cubana e constitui uma ameaça aos demais países caribenhos.

Guantánamo é uma dentre as 76 bases militares estadunidenses em territórios e águas da América Latina e do Caribe e uma das cerca de oitocentas bases militares que os Estados Unidos mantêm espalhadas em todo o planeta.

A existência de tais bases militares corresponde à estratégia permanente de primazia militar do imperialismo estadunidense e do exercício de sua hegemonia no mundo, malgrado o declínio econômico e político e o isolamento diplomático dessa superpotência.

Tal como os seus antecessores, o governo de Barack Obama também elaborou e põe em prática uma estratégia militar, em que o tema é enfocado sob diversos aspectos.

A administração Obama retomou os preceitos do Projeto para um Novo Século Americano em que se encontra toda a projeção ideológica da cruzada militarista dos Estados Unidos. Não é ocioso recordar que Obama enfatizou : “Atualmente os Estados Unidos não têm nenhum rival mundial. O objetivo da grande estratégia dos Estados Unidos deve ser preservar e estender esta posição vantajosa o maior tempo possível (…) Preservar esta situação estratégica desejável na qual se encontram os Estados Unidos, neste momento, exige capacidades militares predominantes em nível mundial”. “O maior tempo possível”, agregou.

No mundo atual, para além da retórica, prevalece a política de guerra, o militarismo e o intervencionismo. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, faz discursos pela paz, a redução da quantidade e do papel das armas nucleares, o multilateralismo e o direito internacional, mas a essência belicista da estratégia imperialista não muda.

A estratégia militar do governo de Barack Obama continua priorizando a instalação de um sistema antimísseis e o reforço do pacto militar agressivo da Otan, em comum com seus parceiros europeus.

A estratégia militar do imperialismo estadunidense incorporou a perseguição e o assassinato de pessoas suspeitas de “praticar ou planificar” a execução de atos terroristas “em qualquer lugar obscuro” do planeta, conforme preconizava a doutrina Bush.

A estratégia militar de Obama encaixa-se nos objetivos permanentes do imperialismo norte-americano de continuar sendo o único país a exercer uma dominação militar global com a manutenção e a extensão de bases militares, tropas, porta-aviões e bombardeiros estratégicos em todas as latitudes do planeta.

Os gastos militares para sustentar esta poderosa máquina de guerra remontam a US$ 750 bilhões. Quase um terço desse montante é dedicado a manter as bases e instalações militares dos Estados Unidos; em seu conjunto, o custo total para o tesouro estadunidense das guerras no Iraque, Afeganistão e as incursões em território paquistanês foi de cerca de US$ 3,7 trilhões.

A administração Obama faz uso crescente dos aviões não tripulados (“drones”), que se converteram na principal arma dos Estados Unidos em seus esforços para derrotar a Al-Qaeda e espionar os governos que não são do agrado da Casa Branca. Por exemplo, no Paquistão a CIA incrementou drasticamente os ataques com aviões não tripulados contra objetivos de “alto valor” da Al-Qaeda e do movimento Talibã.

A América Latina e o Caribe estão incluídas nessas concepções e ações militaristas e no alvo da Doutrina Obama. A Quarta Frota, as 76 bases militares de diferentes capacidades, o desenvolvimento de forças e meios militares norte-americanos para intervir em qualquer ponto da região, a oposição sistemática aos governos progressistas, tudo isso se encaixa na Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

Para esta potência imperialista, a América Latina e o Caribe continuam sendo uma prioridade na Estratégia de Segurança Nacional e na grande estratégia dos círculos dominantes estadunidenses, para poder manter o acesso e o controle sobre os recursos naturais e econômicos, o domínio dos mercados, o acesso às fontes primárias de energia, a preservação do sistema de colonização ideológico, cultural e a contenção daquelas forças políticas, movimentos ou processos revolucionários que pretendam desafiar as bases fundamentais de sua dominação global.

Opor-se a esta superpotência militarista, renovar os esforços pela paz mundial, mobilizar as energias dos povos no soerguimento de um combativo movimento anti-imperialista continuam sendo tarefa política central das forças de esquerda e dos movimentos populares e democráticos.
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O olho espião dos EUA

Por Frei Betto, no sítio da Adital:
As recentes denúncias do jovem Edward Snowden nos permitiram saber que a maior espionagem praticada na história da humanidade é "made in USA”. Os EUA, que consideram a segurança mais importante que a liberdade, e o capital, que os direitos humanos, metem o nariz na vida de pessoas, governos, empresas e instituições.

O governo estadunidense, através de sua Agência Nacional de Segurança (ANS), espionou (ou ainda espiona?) a presidente Dilma e a Petrobrás. Com certeza, fez e fará muito mais.

Para mim, a notícia não constitui nenhuma novidade. Sei, por documentos oficiais obtidos no Arquivo Nacional (Habeas Data), que fui monitorado pelos espiões do regime militar brasileiro, então chamados de arapongas, de junho de 1964, quando me prenderam pela primeira vez, a 1992 – sete anos após o fim da ditadura!

Em agosto de 2003, quando eu trabalhava no Planalto, aparelhos de escuta foram descobertos na sala do presidente Lula. Uma informação governamental vale fortunas. Se acionistas e correntistas sabem, de antemão, que o Banco Central decretará a falência de um banco, isso não tem preço. Quem soube que o presidente Collor confiscaria toda a poupança dos brasileiros, deve estar rindo até hoje da multidão que foi apanhada de surpresa.

A Guerra Fria só não esquentou porque a União Soviética espionava os EUA, assim como os EUA a União Soviética. Com frequência o espião de um lado era trocado por outro que servia à potência inimiga. Não é à toa que a Rússia decidiu conceder asilo a Snowden. Ele sabe demais a respeito da espionagem ianque.

No tempo da máquina de escrever era impossível conhecer o conteúdo da mensagem, a menos que se obtivesse cópia do texto ou se pudesse fotografá-lo. Agora, todos os meios eletrônicos, de computadores a celulares, podem ser "radiografados” pelos serviços de segurança dos EUA. O "Big Brother” sabe tudo que se passa em nossa casa.

Ainda que a Casa Branca apresente desculpas à presidente Dilma, isso não significa que a ANS deixará de rastrear os computadores do Planalto e saber o que, quando e com quem a presidente conversou. Informação é poder – de nos submeter aos interesses do mais poderoso império já existente na história da humanidade.

Apenas uma nação tem conseguido driblar a espionagem estadunidense: Cuba. Isso tanto irrita a Casa Branca que, contrariando todos os princípios do Direito, mantém presos nos EUA os cinco heróis cubanos que tinham por missão evitar atos terroristas preparados sob as barbas de Tio Sam.

Encerro com uma pergunta que não quer calar: por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUA não bombardeiam fábricas de armas químicas, como a Combined Systems, localizada na Pensilvânia? Que o digam os vietnamitas atingidos, mortos e deformados pelo "agente laranja” espalhado pelas Forças Armadas dos EUA durante a guerra do Vietnam.
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A escola de torturadores nas Américas

Por Bernard Cassen, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:

A região do Canal do Panamá não abriga apenas uma via de água transoceânica de importância vital para os Estados Unidos e o conjunto do hemisfério. É também uma verdadeira sucursal do Pentágono. Claro, o tratado de 1903 previa a presença armada dos Estados Unidos, visando “proteger” as instalações do canal. Mas, na verdade, a zona se transformou em sede da defesa hemisférica dos Estados Unidos, em base de intervenção nos negócios políticos dos países da América Latina e, por fim, em centro de formação militar de seus exércitos, principalmente através da espantosa instituição que é a Escola das Américas (Escuela de las Américas), por onde passaram todos os militares de alta patente dos exércitos da quase totalidade dos países da região.


Se o nome oficial da escola está formulado em espanhol, não é por respeito ao folclore do Panamá. Trata-se de uma política de hispanização deliberada, já que, depois de 1956, os cursos passaram a ser realizados exclusivamente em espanhol. Ligada à 193ª Brigada de Infantaria do Exército e fundada em 1946 como “Centro de Treinamento Latino-Americano”, ela recebeu seu nome atual em 1963, para refletir sua “vocação” hemisférica.

Enclave dos Estados Unidos
Toda a região do canal contrasta com o resto do Panamá. Os diversos veículos militares, as igrejas protestantes com todas as denominações, os gramados cuidadosamente podados, as lojas intituladas “Shoe Store”, “Home Furnishing Store”, as agências da Chase Manhattan e do First National City Bank: estamos sem dúvida num enclave norte-americano. Apenas a arquitetura dos quartéis e de outros prédios oficiais (datando em geral de muitas décadas) lembra a situação geográfica local. Antes de chegar ao prédio central, atravessamos loteamentos compostos de espaçosas casas térreas onde estão alojados os oficiais norte-americanos; seu nome e patente aparecem indicados na fachada.

O capitão Chalmers, que nos recebeu em nome do coronel Bauer, comandante da escola em viagem à Nicarágua, tem mais o tipo de um intelectual do que de um aventureiro. Faz pensar no “americano tranquilo”, de Graham Greene. Ele nos anuncia de imediato que estamos em casa, que a escola não tem segredos. As horríveis histórias de cursos de tortura divulgadas principalmente pelo canal de televisão norte-americano CBS? Mentiras. Não, essa escola, por onde passaram mais de 33 mil militares latino-americanos, não é realmente um centro de formação da contraguerrilha. O catálogo de cursos que nos é amavelmente fornecido informa de maneira bem vaga que a missão do estabelecimento é oferecer “cursos fundamentais de formação profissional que se concentram nas aptidões críticas que geralmente são padrão na América Latina”.

Contraguerrilha
Esse documento, destinado aos assessores militares das embaixadas dos Estados Unidos e aos governos latino-americanos inscritos no programa de assistência militar, lembra uma brochura publicitária de venda por correspondência: os chefes do estado-maior estrangeiros podem escolher para os oficiais, suboficiais ou soldados que enviam à escola entre 37 cursos diferentes com duração variável (de 3 a 42 semanas). O produto final é garantido: “Você pode ter certeza de que antes que um estudante receba seu diploma ele deverá demonstrar aptidão em atingir os objetivos da instrução. Somos uma boa instituição e seremos ainda melhores”. Os países “clientes” (o termo aparece diversas vezes) podem até fazer sugestões, que serão levadas em consideração.

No plano “pedagógico”, a escola se divide em três departamentos: o de operações técnicas; o de operações de combate, onde se estudam a “formação em matéria de informações” e a “ação cívica”; e o de comando, no qual os alunos são principalmente formados em “defesa interna”. Mas o que cobre esse último conceito, perguntamos ao capitão. “Trata-se de dar aos países meios para combater a guerrilha. No passado, dávamos cursos de contraguerrilha urbana, mas não fazemos mais isso por causa da emenda Harrington [1]. Tivemos de suprimir nossos cursos de polícia militar, que eram muito populares.” Simples questão de terminologia, pois o curso (táticas e técnicas de infantaria) “dá uma grande importância à ação cívica militar, às operações psicológicas, às táticas e aos conceitos das operações de contraguerrilha urbana e rural e às técnicas de informação militar”. O curso OE-8 (operações na selva), de três semanas, enfatiza sobretudo “as operações táticas defensivas e ofensivas de contraguerrilha”.

Inimigo interno
Para as autoridades da escola, não se trata de formar a elite dos oficiais da América Latina na defesa de suas fronteiras, mas na luta contra o “inimigo interno”. O capitão Chalmers tem um pouco de dificuldade em admitir a conclusão que submetemos a ele, mas confirma que entre militares de diversos países existe um grande sentimento de camaradagem e que alguns oficiais chegaram a “acertar por telefone, do Panamá, problemas que existiam entre seus respectivos países. Nós temos, inclusive, entre nossos antigos alunos, homens que ocupam hoje posições importantes, como o general Torrijos, o general Somoza, o general Pinochet...” [2].

A escola oferece uma formação ideológica? “Não”, ele nos responde. “Claro, no nosso curso de estado-maior, os estudantes podem discutir política, do sistema comunista ao sistema democrático. Nós apenas lhes apresentamos as doutrinas.” Citamos alguns exemplos de “veteranos” que se desviaram – pelo fato, sem dúvida, de terem assimilado bem o curso dado sobre democracia – e perguntamos: “O senhor considera os generais Pinochet e Somoza maus alunos?”. Sem hesitar, a resposta vem: “Não, pois não procuramos influenciá-los”. Ao percorrermos os corredores, ficamos boquiabertos diante dos painéis cobertos de fotos acompanhadas de legendas. Uma era destinada a sensibilizar os oficiais com as técnicas de infiltração. Uma foto mostrava um prisioneiro sentado diante de um oficial que o questionava. A atmosfera parecia mais uma conversa de botequim do que um interrogatório “físico”. A legenda, no entanto, deixa pairar dúvidas: “Interrogar os prisioneiros e os suspeitos para obter informações de valor, combinando este com outros métodos”.

Redes de solidariedade
De 1946 a 1976, 33.400 alunos frequentaram a escola. Em 1975, os efetivos totais foram de 1.775. São os países pequenos ou médios que têm o maior número de ex-alunos: 4.316 da Nicarágua, 3.060 da Bolívia, 3.016 da Venezuela, 3.005 do Panamá, 2.469 do Equador etc. Os grandes foram piores “clientes”: México (254), Brasil (346), Argentina (601). O corpo docente da escola também é multinacional. Em 1975, foram convidados, como “professores”, 22 oficiais e 20 suboficiais de 15 países, que instruíram os alunos ao lado de seus 45 a 50 “colegas” norte-americanos. Se, atualmente, não há mais instrutores mexicanos e costarriquenhos nem alunos vindos desses países, por outro lado o Brasil enviou oito “professores” (num total de 47 estrangeiros).

Assim, percebemos melhor a dupla razão de ser da Escola das Américas. Não se trata apenas de oferecer uma formação técnica para lutar contra os movimentos populares, única missão designada aos exércitos do hemisfério desde a época de Kennedy-McNamara. Convém também criar redes de solidariedade, de relações pessoais, entre oficiais norte-americanos e latino-americanos. Os brasileiros provavelmente só participam da elaboração dos cursos para estabelecer esse tipo de contato e garantir sua entrada nos exércitos dos outros países.

Ligações com o império
Nenhum esforço é medido para criar ligações estreitas com a metrópole imperial: viagens aos Estados Unidos, convites informais àscasas dos instrutores norte-americanos etc. Imaginamos o impressionante arquivo que o Pentágono deve possuir sobre os oficiais “promissores” em cada um dos exércitos latino-americanos. As semanas de formação permitem observar de perto os talentos e as reações, eventualmente as fraquezas, de cada um. Uma vez diplomados, os alunos permanecem unidos à escola, quer dizer, a Washington, pelo sentimento de grupo − o pertencimento comum a esse clube relativamente fechado. Ninguém duvida que a CIA, garimpando nesse rico viveiro, não encontre material que “interesse” aos oficiais para futuras “desestabilizações”. Os US$ 5 milhões de orçamento anual da escola constituiriam assim um excelente investimento político.

No corredor de honra que leva à sala de reuniões e onde cada país-membro é representado por sua bandeira nacional, uma carta fica destacada, abaixo de um brasão de cobre. Endereçada ao comandante da escola, ela termina assim: “Pedimos consequentemente que aceite o reconhecimento do exército chileno, ao qual eu acrescento minhas sinceras felicitações pela obra de aproximação profissional que esse instituto realiza”. Ela data de 6 de novembro de 1973 e é assinada por Augusto Pinochet.

* Bernard Cassen é jornalista, ex-diretor geral de Le Monde Diplomatique e presidente de honra da Atacc França.
Notas:

 1. Emenda do representante Michael Harrington à lei sobre a ajuda ao estrangeiro (Foreign Assistance Act) de 1975, que proíbe a utilização de fundos públicos para o ensino de disciplinas que tratem da polícia nas escolas militares.

2. Na chefia de regimes ditatoriais respectivamente no Panamá (de 1968 a 1981), Nicarágua (de 1967 a 1972 e de 1974 a 1979) e Chile (de 1973 a 1990).
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Barack Obama: pato manco?

Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

Completa-se um ano da reeleição do Obama e nada indica que seu mandato será distinto do primeiro. Nada de terminar com Guantanamo, as guerras do Iraque e do Afeganistão não amainam, não desencalha a reforma da saúde e não consegue aprovar a nova lei de imigração. Muito cedo o Obama virou pato manco. É como se seu mandato começasse a terminar precocemente.



Até no plano da política internacional as coisas estão longe do que Obama planejava. No começo do ano, tinha em perspectiva um ataque à Síria, que debilitasse o governo do Assad, acreditando que retomaria as negociações de Genebra, com o suposto da saída do presidente atual como condição.

Obama não conseguiu crias as condições politicas para militarizar o conflito, como os EUA costumam fazer. Perdeu o apoio da Grã Bretanha, dos norte-americanos, até mesmo dos militares dos EUA. Teve que se somar à iniciativa russa de negociações de paz, que se afirmam como a via de solução do conflito sírio.

O passo seguinte, que seria o de passar da derrota do governo do Assad ao isolamento do Irã e a abertura da via para o ataque ao Irã, não pôde concretizar-se. Ao contrário, o que parecia impossível no começo do ano, se concretiza: negociações diretas dos EUA com o Irã. Nos dois casos, Síria e Irã, se está prestes à assinatura de acordos de paz, para desespero de Israel, da Arábia Saudita e do Kuait.

A projeção da Rússia como agente de negociações de paz no mundo e a da imagem de Putin como líder mais poderoso do que Obama, complementam um quadro internacional que teve inflexões importantes nestes últimos meses.

Não faltasse todo esse cenário, os escândalos de espionagem denunciados por Snowden, não param de provocar desgastes aos EUA, até com seus aliados mais próximos, como a Alemanha a França e o México.

Muito precocemente Obama parece ter esgotado completamente os sonhos com que foi eleito há cinco anos e com as esperanças com que foi reeleito há um ano. Entram os EUA em ano de eleições parlamentares e os cenários presidenciais começam a ser desenhados, entre um novo líder republicano e a nova tentativa de Hilary para ser a candidata dos democratas.

Para quem foi eleito como o primeiro presidente norte-americano, depois do desgaste de George Bush, numa bela campanha, o fim do mandato de Obama é melancólico, sem nem sequer garantir que poderá eleger seu sucessor. Mais um sintoma do longo processo de decadência da hegemonia norte-americana no mundo. Também no plano político – além do econômico – se desenha o mundo multipolar do século XXI.
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EUA: uma sociedade de matadores

Ilustração de Jeremy Moore
Por Mauro Santayana, em seu blog:

Uma sociedade que envia seus jovens ao mundo inteiro para matar, em nome dos negócios, não pode espantar-se com os massacres de seus adolescentes e suas crianças, como o de Columbine, e o de anteontem, em Newtown, em Connecticut. Muito da cultura norte-americana tem sido, desde a guerra deliberada contra os índios e o avanço para o Oeste, uma cultura da morte. Para formar exércitos de assassinos, é necessário adestrar seus possíveis integrantes para matar sem vacilações. Para isso é preciso criar os mitos, como os do heroísmo, da coragem, da ousadia, da força física, da astúcia dos predadores, contra os povos indefesos do mundo inteiro. É preciso reduzir o homem ao réptil que foi na origem dos tempos.

Ao mesmo tempo, essa sociedade tem dado ao mundo excepcionais pensadores, escritores e cineastas que, de certa forma, procuram compensar a brutalidade construída para a defesa dos poderosos titãs das finanças e das corporações industriais que, há mais de cem anos, vem conduzindo a economia e a política internacional, em seu proveito.
A ideia de matar é estimulada nos americanos desde a infância. Na adolescência, a arma de fogo, para muitos, é símbolo da masculinidade. E esse apego à violência e ao sangue tem sido exportado ao mundo inteiro pela sua fantástica indústria do entretenimento, na literatura, no cinema e, mais recentemente, nos jogos eletrônicos e nos enlatados da televisão.
A intimidade com o sentimento da morte gera também o medo, o pânico, e a vontade paranóica do suicídio. Todos os massacres nos Estados Unidos, e os que se repetem, por emulação, quase sempre terminam com a morte ou o suicídio dos assassinos.
O massacre de sexta-feira foi o mais pavoroso dos últimos anos. Como lembrou o presidente Obama, as crianças jamais conhecerão a adolescência, a alegria do amor da paternidade e da maternidade. Morreram por nada e, por nada, morreu o assassino.
Não há mais, no mundo, espaço para a segurança e a paz. A pequena cidade onde houve a tragédia era um oásis de sossego em Connecticut, um pequeno estado da Nova Inglaterra preferido por intelectuais e artistas americanos. Nos últimos dez anos, de acordo com as notícias, nela só houve um homicídio.
Preocupam-se muitos em salvar os animais em extinção, como os primatas, as serpentes, os tigres. É bom que sejam salvos: habitam o nosso mesmo mundo. Mas o homem já se encontra em extinção há muito tempo, esvaziado que se encontra do humanismo que o distinguia da vida selvagem. Estamos voltando à pré-história, mas dotados de fuzis, metralhadoras, mísseis e armas nucleares.
Ainda estamos chorando as crianças mortas, mas se o mundo continuar assim, de nossos olhos não descerão mais as lágrimas do sofrimento.
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Connecticut e o controle de armas

Por Kiko Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

As últimas notícias sobre o massacre numa escola infantil de Newtown, no estado de Connecticut, dão conta de que pelo menos 28 pessoas morreram, entre elas 20 crianças. O suspeito está morto numa sala de aula. Seu nome é Adam Lanza, 20 anos. Sua mãe, Nancy, que trabalhava na escola, também foi assassinada. Não está claro ainda se Adam foi abatido pela polícia ou se cometeu suicídio. Seu irmão Ryan, 24, está sendo interrogado.

É a segunda pior ocorrência desse tipo na história dos Estados Unidos, onde assassinatos em massa são uma tradição. A primeira é a da Virginia Tech, em 2007, com 32 vítimas fatais. Nos últimos 40 anos, houve 61 casos. Só em 2012, foram seis, com 110 pessoas mortas e feridas (sem contar a chacina de hoje).

Um garoto de 8 anos contou à CNN como escapou. Ele estava a caminho da diretoria quando avistou o atirador. “Eu ouvi tiros no corredor e um professor me puxou para dentro da sala”, disse. Outros meninos descreveram o barulho dos disparos como similares a chutes na porta ou estouros de bombas. “Foi horrendo”, disse uma mãe. “Todos estavam histéricos. Crianças saíam ensanguentadas. Não sei se tinham sido atingidas, mas estavam cobertas de sangue”.

Obama fez um pronunciamento em que chorou e mandou suas condolências. Segundo seu porta voz, Jay Carney, não é hora ainda de discutir o controle de armas nos EUA.

Por que não? O que falta acontecer? Quando será hora?

Em 2008, Obama afirmou: “Não vou tirar suas armas”. Entretanto, prometeu aperfeiçoar a fiscalização. Ao invés disso, assinou autorizações para o porte em parques nacionais e na rede ferroviária Amtrak. A venda de armamentos, aliás, aumentou quando ele foi eleito da primeira vez.

Atualmente, calcula-se que haja 90 armas para cada 100 americanos. Segundo uma pesquisa do ano passado do instituto Gallup, apenas 26% da população apoia o fim da venda legal. A taxa de associados à NRA, National Rifle Association, cresce exponencialmente há décadas. Hoje são 4.3 milhões de sócios (fundada em 1871, a NRA tem um lobby poderoso e advoga a segunda Emenda da Constituição, que garante “o direito das pessoas manterem e carregarem armas.”)

Não há uma liderança política relevante em defesa do desarmamento. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, é a voz mais ativa. Alguns analistas acreditam que isso é efeito do medo numa nação sempre em guerra. Setores reacionários creem que um arsenal será útil para defender sua família e sua propriedade no caso de um governo tirânico (!?).

A cada chacina, esses grupos invertem a discussão, afirmando que uma população armada se defenderia melhor de um psicopata. As pessoas no cinema de Aurora, no Colorado, que estavam assistindo Batman, estariam mais seguras se portassem seus Colts quando um maluco abriu fogo? Os professores de Newtown protegeriam seus alunos? Os alunos sacariam suas Magnums?

Supondo que o fizessem, qualquer mente sã entende que seria ainda muito, muito pior.
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Barbas de molho com Obama

Por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato:  

Primeiro presidente negro em um país racista, Barack Obama chegou à Casa Branca, quatro anos atrás, em meio a expectativas favoráveis, dentro e fora dos EUA. Havia fé em um mandato comprometido com o bem-estar dos cidadãos comuns e com uma postura mais pacífica no plano internacional. Amarga ilusão. Obama se curvou aos interesses de Wall Street, em prejuízo de milhões de compatriotas atingidos pela crise, e manteve uma política externa truculenta, quase igual à do seu antecessor.

Desta vez, o que levou Obama à vitória não foi a esperança, e sim o medo inspirado por um rival de extrema-direita, portador de propostas delirantes. Agora já não haverá frustração. O império seguirá sua lenta trajetória de declínio, pontuada por agressões militares em países periféricos.

Do ponto de vista brasileiro, o novo período se inicia com a certeza de que nada (de bom) existe a esperar do Obama-2. Uma comparação entre as agendas de Brasília e de Washington mostra um amplo predomínio dos pontos de conflito sobre os de eventual cooperação. Os EUA continuarão sabotando a integração regional sul-americana – prioridade de Lula e Dilma – com acordos bilaterais e uma articulação paralela no eixo do Pacífico. Novas bases militares serão instaladas e prosseguirão as tentativas de remoção dos governos progressistas, seja pelo apoio às forças políticas de direita, seja pelo golpismo, quando parecer viável.

Os EUA também farão tudo para desestimular o protagonismo do Brasil em escala global (um avanço da gestão de Celso Amorim no Itamaraty). No plano econômico, o foco estará cada vez mais concentrado na conquista do mercado brasileiro para equilibrar as perdas no comércio com a China.

Por isso, na próxima vez que Obama dirigir os seus sorrisos pros lados de cá, o melhor é botar as barbas de molho. Cuidado com ele.
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CIA: não se trata de sexo, estúpido!

Por James Petras, no sítio português Resistir:

As manchetes afirmam que o diretor geral da CIA, general David Petraeus, demitiu-se devido a uma relação adulterina com a sua jovem biógrafa e que o general John Allen, do comando supremo das tropas dos EUA no Afeganistão, estava sob investigação e que a sua promoção para comandante principal das tropas estado-unidenses na Europa estava em suspenso por causa, dizem-nos, dos seus comentários "inadequados" no intercâmbio de emails com uma amiga civil. Dizem-nos que um esforçado agente local do FBI, Frederick Humphries Jr, havia descoberto emails amorosos enviados pelo general Petraeus à sua namorada biógrafa no decorrer da investigação de uma queixa de invasão da privacidade. Com a preocupação de que o "comportamento adúltero" do general pusesse em risco a segurança nacional dos EUA, o agente Humphries, do FBI da Florida, encaminhou as provas a um dos mais poderosos republicanos de Washington, o congressista Eric Cantor, o qual por sua vez passou-as ao director do FBI... levando à demissão de Petraeus.

Por outras palavras, pedem-nos que acreditemos que um simples agente zeloso do FBI, de baixo escalão, fez ruir as carreiras de dois generais de topo dos EUA: um que é responsável pela principal agência global de inteligência, a CIA, e o outro que está no comando das forças dos EUA e de aliados no principal teatro de confrontação militar – só com base na infidelidade e brincadeiras de namoriscos!

Nada poderia ser mais ilógico à primeira vista.

Na esfera de organizações hierárquicas rígidas, como os militares ou a CIA, onde a actividade e comportamento de funcionários subordinados é dirigida centralmente e qualquer investigação está sujeita a autorização por responsáveis superiores (muito especialmente a que respeita à intromissão nas correspondências privadas de altos responsáveis da CIA e de operações militares estratégicas), a ideia de que um agente solitário possa operar por conta própria é ridícula. Um agente "cowboy" simplesmente não poderia iniciar uma investigação de alvos tão "sensíveis" como o chefe da CIA e um general numa zona de combate activa sem autorização ao mais alto nível ou uma rede de políticos operacionais com uma agenda muito mais vasta. Isto tem implicações políticas muito mais profundas do que o descobrimento de um caso sexual trivial entre dois adultos com autorizações de segurança, apesar da afirmação do agente de que a fornicação constitui uma ameaça para os Estados Unidos.

Aqui, estamos claramente em águas profundas. Isto envolve intriga política ao mais alto nível e tem profundas implicações na segurança nacional, envolvendo a direcção da CIA e operações clandestinas, relatórios de inteligência, despesas de muitos milhares de milhões de dólares e esforços estado-unidenses para estabilizar regimes clientes e desestabilizar regimes alvo. Relatórios de inteligência da CIA a identificar aliados e inimigos são críticos para modelar a política externa global dos EUA. Qualquer mudança no topo do comando operacional do império pode ter e tem importância estratégica.

A "remoção" do general Allen, o comandante militar responsável pelo Afeganistão, a principal zona de operações militares dos EUA, ocorre num momento crucial, com a programada retirada forçada de tropas de combate estado-unidenses e quando os "cipaios" afegãos, os soldados e oficiais do regime fantoche de Karzai, estão a mostrar grandes sinais de insatisfação é claramente um movimento político da mais alta importância.

Quais são as questões políticas por trás da decapitação destes dois generais? Quem beneficia e quem perde?

Ao nível global, ambos os generais têm sido apoiantes resolutos do Império estado-unidense, especialmente quanto aos componentes militares da construção do império. Ambos continuam a executar e apoiar a série de guerras lançada pelos presidentes Bush e Obama contra o Afeganistão e o Iraque, assim como as numerosas guerras por procuração contra a Líbia, Síria, Iémen, Somália, etc. Ambos os generais ficaram conhecidos por terem publicamente tomado posições impopulares entre certas facções chave da elite do poder estado-unidense.

Como director da CIA, o general Petraeus foi um grande apoiante das guerras por procuração na Líbia e na Síria. Nesses esforços promoveu uma política de colaboração com regimes islâmicos de direita e movimentos de oposição islâmica, incluindo o treino e armamento de fundamentalistas islâmicos a fim de derrubar alvos escolhidos, sobretudo regimes seculares no Médio Oriente. No prosseguimento desta política, Petraeus teve o apoio de quase todo o espectro político dos EUA. Contudo, Petraeus estava bem consciente de que esta "grande aliança" entre os EUA e os regimes e movimentos islâmicos de direita para assegurar a hegemonia imperial exigiriam recalibrar as relações dos EUA com Israel. Petraeus via que a proposta de Netanyahu de guerra com o Irão, suas sangrentas tomadas de terra nos Territórios Ocupados da Palestina e o bombardeamento, expulsão e assassínio de grande número de palestinos todos os meses eram um passivo pois Washington desejava apoio dos regimes islâmicos no Egipto, Tunísia, Turquia, Afeganistão, Paquistão, Estados do Golfo, Iraque e Iémen.

Petraeus dizia isto implicitamente em declarações públicas e, por trás de portas fechadas, advogava a retirada do apoio estado-unidense à violenta expansão dos colonatos de Israel na Palestina, instando mesmo o regime Obama a pressionar Netanyahu a alcançar algum acordo com a moldável liderança de Abbas, cliente dos EUA. Acima de tudo, Petraeus apoiou os jihadistas violentos na Líbia e na Síria enquanto se opôs a uma guerra de iniciativa israelense contra o Irão, a qual, ele intuía, polarizaria todo o mundo muçulmano contra a aliança Washington-Tel Aviv e "provocaria" os fundamentalistas islâmicos abastecidos pelos EUA a virarem suas armas contra os seus patrões da CIA. A política imperial, segundo a visão do mundo do general Petraeus, estava em conflito com a estratégia de Israel de fomentar hostilidade entre regimes e movimentos islâmicos contra os EUA e, especialmente, a promoção do estado judeu de conflitos regionais a fim de mascarar e intensificar sua limpeza étnica dos palestinos. Central à estratégia israelense e apresentando a ameaça mais imediata à implementação da doutrina de Petraeus era a influência da configuração de poder sionista (ZPC) dentro e fora do governo estado-unidense.

Tão logo se tornou conhecido o relatório do general Petraeus que chamava Israel de "passivo estratégico", a ZPC entrou em acção e forçou Petraeus a retratar-se das suas declarações – pelo menos publicamente. Mas, uma vez tornado chefe da CIA, Petraeus continuava a política de trabalhar com regimes islâmicos de direita e armá-los e fornecer inteligência a fundamentalistas jihadistas a fim de derrubar regimes seculares independentes, primeiro na Líbia e a seguir na Síria. Esta política foi colocada sob o foco das atenções em Bengazi com a morte do embaixador dos EUA na Líbia e de vários operacionais da CIA/Forças Especiais por terroristas apoiados pela CIA o que levou a uma crise política interna, pois republicanos chave do Congresso quiseram explorar o fracasso diplomático da administração Obama. Eles visaram especialmente o embaixador dos EUA na ONU, Susan Rice, cujos esforços atabalhoados para encobrir a fonte real dos ataques em Bengazi minaram a sua nomeação para substituir Hilary Clinton como secretária de Estado.

O general Petraeus enfrentava pressão crescente de todos os lados: da ZPC pelo seu criticismo de Israel e aberturas a regimes islâmicos, dos republicanos sobre a derrocada de Bengazi e do FBI sobre a investigação pessoal da sua namorada e difamações alardeadas nos media. Ele "confessou" um "caso sexual", bateu continência e renunciou. Ao assim fazer, sacrificou-se a fim de "salvar a CIA" e a sua estratégia de construção de aliança a longo prazo com regimes islâmicos "moderados" enquanto molda alianças tácticas de curto prazo com jihadistas para derrubar regimes árabes seculares.

O operacional político chave por trás da operação de alto nível do FBI contra Petraeus foi o líder da maioria da Câmara, Eric Cantor, que cinicamente afirma que as epístolas românticas do general representam uma ameaça à segurança nacional. Dizem-nos que o congressista Cantor transferiu solenemente os emails e relatórios que havia recebido do "Polícia solitário" do FBI, o agente Humphries, ao director do FMI, Mueller, ordenando a Mueller que actuasse na investigação ou enfrentasse o seu próprio inquérito do Congresso.

O congressista Cantor é um zeloso defensor crónico da doutrina "Israel em primeiro lugar" e foi hostil ao relatório de Petraeus e à avaliação do general do Médio Oriente. O agente Humphries, baseado na Florida, não era apenas um velho detective consciencioso: Ele é um notório islamófobo empenhado em encontrar terroristas debaixo de toda a cama. Seu direito à fama (ou infâmia) foi ter preso dois muçulmanos, um dos quais, afirmava ele, estava a preparar-se para bombardear o aeroporto de Los Angeles, ao passo que o outro alegadamente planeava um bombardeamento separado. Num viés judicial, inabitual nesta era de operações vigorosas, ambos os homens foram absolvidos das acusações por falta de provas, embora uma fosse condenado por publicar uma relato de como detonar uma bomba com um brinquedo de criança! O agente Humphries foi transferido do estado de Washington para Tampa, Florida – sede do Central Command (CENTCOM) militar dos EUA.

Apesar das claras diferenças de posição e localização, há afinidades ideológicas entre o líder da maioria Cantor e o agente Humphries – e possivelmente uma antipatia comum para com o general Petraeus. Preocupações acerca da sua islamofobia e fanatismo ideológico podem explicar porque o FBI rapidamente arrancou o agente Humphries da sua missão de intromissão obsessiva nos emails do director da CIA, Petraeus, e do general Allan. Sem se deter com as ordens dos seus superiores no FBI, o agente Humphries foi directamente ao outro fanático, o congressista Cantor.

Quem se teria beneficiado com o afastamento de Petraeus? Um dos três principais candidatos à sua substituição como chefe da CIA é Jane Harmon, antiga congressista da Califórnia e sionista ultra-fanática. Em outra reviravolta da justiça, em 2005 aquela congressista foi capturada numa fita gravada pela National Security Agency a contar a pessoal da embaixada de Israel que utilizaria a sua influência para ajudar dois responsáveis da AIPAC que haviam confessado passar documentos classificados dos EUA à Mossad israelense, se a AIPAC pudesse arrebanhar votos suficientes no Congresso para fazê-la presidente (Chairwoman) da US House Committee on Intelligence, um acto que beira a traição e pelo qual nunca teve de prestar contas. Se ela assumisse esta posição, a remoção de Petraeus da direcção da CIA podia representar o maior "golpe constitucional" na história dos EUA: a nomeação de um agente estrangeiro para controlar a maior, mais mortífera e mais rica agência de espionagem do mundo. Quem beneficiaria com a queda de Petraeus? Em primeiro lugar e acima de tudo, o Estado de Israel.

As insinuações, difamações e fuga de investigação de emails privados do general Allen giram em torno das questões que levantou sobre a política estado-unidense de presença militar prolongada no Afeganistão. A partir da sua experiência prática o general Allen reconheceu que o exército fantoche afegão não é confiável: centenas de estado-unidenses e outros soldados da NATO foram mortos ou feridos pelos seus colegas afegãos, desde soldados rasos às mais altas patentes da segurança afegã, as tropas "nativas" e oficiais que os EUA supostamente treinaram para uma muito propagandeada "transferência de comando" em 2014. A mudança de ânimo do general Allen sobre a ocupação afegã foi em resposta à influência crescente dos talibãs e outros apoiantes da resistência islâmica que infiltraram as forças armadas do Afeganistão e agora têm controle quase total dos distritos rurais e urbanos, mesmo junto a bases dos EUA e da NATO. Allen não acreditou que uma "força residual" de treinados militares dos EUA pudesse sobreviver, uma vez retirado o grosso das tropas estado-unidenses. Numa palavra, ele favorecia, após mais de uma década de guerra perdida, uma política de cortar as perdas dos EUA, declarando "vitória" e abandonando para reagrupar sobre terreno mais favorável.

Militaristas civis e neo-conservadores no Executivo e no Congresso recusam-se a reconhecer a sua vergonhosa derrota com uma retirada plena dos EUA e uma provável rendição a um regime talibã. Por outro lado, eles não podem rejeitar abertamente a penosa avaliação realista do general Allen e, certamente, não podem menosprezar a experiência do supremo comandante da forças terrestres dos EUA no Afeganistão.

Quando, neste contexto político carregado, o raivosamente islamofóbico agente do FBI "tropeçou" nas correspondências pessoais afectivas entre o general Allen de uma femme fatale da alta sociedade, Jill Kelly, os neocons e militaristas civis provocaram uma campanha de difamação através de jornalistas amarelos no Washington Post, New York Times e Wall Street Journal insinuando outro escândalo sexual – desta vez envolvendo o general Allen. O clamor dos neocon e mass media militaristas forçou o invertebrado presidente Obama e o alto comando militar a anunciar uma investigação do general Allen e a adiar audiências no Congresso sobre a sua nomeação como chefe das forças dos EUA na Europa. Se bem que o general retenha tranquilamente o seu comando supremo das forças dos EUA no Afeganistão, ele tornou-se um oficial derrotado e desgraçado. A sua perícia e visão profissional a respeito do futuro das operações dos EUA no Afeganistão já não será mais levada a sério.

Perguntas chave não respondidas em torno das intrigas da elite e dos expurgos militares

Uma vez que é absurda para qualquer americano pensante a versão pública de um lobo solitário, de baixo escalão, fanaticamente islamofóbico e agente incompetente do FBI que por acaso "descobriu" um escândalo sexual que levou à desacreditação ou renúncia de duas das mais altas patentes entre militares e responsáveis da inteligência, várias questões políticas chave com profundas implicações para o sistema político dos EUA precisam ser tratadas. Estas incluem:

1. Que responsáveis políticos, se é que algum, autorizou o FBI, uma agência de segurança interna, a investigar e forçar a renúncia do director da CIA?

2. Terão as actuais estruturas da polícia de estado, com os seus procedimentos de espionagem generalizada e arbitrária levado nossas agências de espiões a espiarem-se umas às outras a fim de expurgar o pessoal de topo da outra? Será como uma porca a devorar os seus próprios rebentos?

3. Quais foram as prioridades reais dos intermediários do poder político que protegerem o insubordinado agente do FBI Humphries depois de ele ter desafiado ordens de responsáveis de topo para cessar de se intrometer na investigação do director da CIA?

4. Quais são as ligações do agente do FBI Humphries, se há alguma, com os políticos neocon, sionistas e islamofóbicos e outros operacionais de inteligência, incluindo a Mossad israelense?

5. Apesar da efusiva louvação de Obama do seu brilhante "guerreiro-académico" no passado, porque ele imediatamente "aceitou" (ou seja, foi forçado) a renúncia do director da CIA após a revelação de algo tão banal na vida civil como o adultério? Quais são as questões políticas mais profundas que levaram ao expurgo preventivo de Petraeus?

6. Por que questões e disputas políticas críticas são resolvidas sob a capa da chantagem, difamação e assassinato de carácter, ao invés de debates e discussões abertas, especialmente sobre matérias relativas à opção do país de "aliados" estratégicos e tácticos, assim como a condução de guerras além-mar?

7. Será que o expurgo e a humilhação público de militares de topo dos EUA já se tornou uma forma aceitável de "punição pelo exemplo", um sinal dos militaristas civis de que quando se trata de lidar com a política no Médio Oriente o papel dos militares é não questionar e sim seguir as suas directivas (e as de Israel)?

8. Como pôde uma colaboradora confirmada da Mossad israelense e fanática sionista como Jane Harmon emergir como uma "candidata principal" na substituição do general Petraeus como director da CIA, dias após a sua renúncia? Quais são as ligações políticas, passadas e presentes, entre o congressista Eric Cantor (o fanático líder do bloco pró Israel no Congresso, que encaminhou os ficheiros não autorizados do agente Humphries acerca de Petraeus ao director do FBI, Muellar) e da influente sionista Jane Harmon, uma eminente candidata à substituição de Petraeus?

9. Como a remoção do Petraeus como director da CIA e a possível nomeação de Jane Harman para encabeçá-la aprofundarão a influência e controle israelense da política estado-unidense para o Médio Oriente e as aberturas dos EUA para com países islâmicos?

10. Como a humilhação do general Allen afectará a "retirada" dos EUA do desastre no Afeganistão?

Conclusão

O expurgo de generais e responsáveis de alto nível de postos importantes da política externa e diplomática dos EUA reflecte uma nova decadência dos nossos direitos constitucionais e dos restos de procedimentos democráticos: é a prova poderosa da incapacidade de liderança ao mais alto nível para resolver conflitos intestinos sem sacar fora as "facas longas". O avanço do estado policial, onde agências de espionagem expandiram amplamente o seu poder político sobre os cidadãos, evoluiu agora para o policiamento e expurgo da liderança uns dos outros: o FBI, a CIA, o Ministério do Interior, a NSA e os militares estenderam a mão e construíram alianças com os mass media, executivos civis e responsáveis do Congresso bem como poderosos "lobbies" de interesses estrangeiros a fim de ganhar poder e alavancagem em busca das suas próprias visões de construção do império.

O expurgo do general Petraeus e a humilhação do general Allen constituem uma vitória dos militaristas civis que são apoiantes incondicionais de Israel e portanto opõem-se a regime islâmicos "moderados". Eles querem uma presença militar ampliada e a longo prazo dos EUA no Afeganistão e alhures.

O factor real de precipitação deste feio "combate no topo" é a desintegração do império estado-unidense e como tratar os seus novos desafios. Os sinais de decadência estão por toda a parte. A imoralidade militar é desenfreada, os medalhados generais sodomizam seus subordinados e amassam riqueza via pilhagem do tesouro público e contratos militares; políticos são comprados e vendidos por doações financeiras milionárias, incluindo agentes de potências estrangeiras, e interesses estrangeiros determinam a política externa crítica dos EUA.

O descrédito do Congresso dos EUA é quase universal – mais de 87% dos cidadãos estado-unidenses condenam a Câmara e o Senado como prejudiciais ao bem-estar público, servidores do seu próprio enriquecimento e escravos da corrupção. As elites económicas são repetidamente envolvidas em trapaças maciças de investidores a retalho, possuidores de hipotecas e outros. Corporações multinacionais e aqueles fabulosamente ricos empenham-se em fugas de capitais, engordando as suas contas além-mar. O próprio executivo (o sempre sorridente presidente Obama) envia esquadrões da morte clandestinos e terroristas-mercenários para assassinar adversários num esforço para compensar a sua incapacidade para defender o império através da diplomacia das tradicionais forças militares no terreno, ou para apoiar novos estados-clientes. O compadrio é generalizado: há uma porta giratória entre a Wall Street e o Tesouro dos EUA e os oficiais do Pentágono. A apatia pública e o cinismo são generalizados. Aproximadamente 50% do eleitorado nem mesmo vai votar em eleições presidenciais e, entre aqueles que votam, mais de 80% não espera que os seus eleitos honrem as suas promessas.

Militaristas civis agressivos ganharam controle de postos chave e estão cada vez mais livres de quaisquer constrangimentos constitucionais. Enquanto isso os custos dos fracassos militares e explosivos orçamentos de espionagem, segurança e militares levantam voo ao mesmo tempo que os défices fiscais e comerciais crescem. Combates de facções entre cliques imperialistas rivais intensificam-se, expurgos, chantagem, escândalos sexuais e imoralidade em altos escalões tornaram-se a norma. Os discursos democráticos são ocos: a ideologia do estado democrático perdeu credibilidade. Já nenhum americano sensato acredita mais nisso.

Haverá uma vassoura suficientemente grande para limpar este imundo estábulo de Augias? Será que um "Hércules colectivo" emergirá de toda esta intriga e corrupção com a fortaleza e carácter e empenho para dirigir esta tarefa revolucionária? Certamente a liquidação e humilhação brutal de altos militares americanos por conta dos "falcões-galinha" militaristas civis e seus interesses estrangeiros deveria fazer com que muitos oficiais repensassem a sua própria carreira, lealdade e compromisso para com a Constituição.
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