Hiper-antipetismo dependente não, PPS independente sim!
Um sopro de vida orgânica no PT
Essa conjunção de desgraças poderia ter reduzido o partido a pó, à semelhança do que acontece com o desidratado DEM, ex-PFL. Não foi o que aconteceu. Primeiro, porque continua partido do governo - e num sistema presidencialista, isto não é pouco, nem para o PT (embora, por justiça, é preciso lembrar que o partido, desde a sua criação, teve um crescimento eleitoral contínuo, mesmo na oposição, e apenas sofreu uma queda eleitoral em 2006, quando era governo e apesar da reeleição de Lula). Em segundo lugar, porque a sangria de quadros não alterou a realidade de que o partido ainda é o único que dispõe de quadros, não apenas os nascidos de sua organização mas também os originários da esquerda pré-redemocratização.
Esterilidade e repetição na mídia de esquerda
Daí parti para mídia de esquerda, e ganhei principalmente na apresentação de aspectos fundamentais para quem se importa com a justiça, a qual é o cimento da sociabilidade.
Até agora.
Pra falar a verdade, nos últimos meses alguns dos principais blogs e sites em língua portuguesa tem se mostrado estéreis e repetitivos.
A esterilidade vem do fato de que, muitas vezes, a resposta pré-fabricada é dada a todo e qualquer novo problema que apareça. Há dois moldes de respostas pré-fabricadas centrais:
- O molde acusatório internacional, do tipo tire-os-EUA-pra-Judas
- O molde apologético nacional, do tipo fulano-critica-o-governo-federal-mas-ele....
No mundo ocorre agora a crise __________. As vítimas são __________. O culpado é EUA/Europa/Israel/corporações. O culpado do problema é EUA/Europa/Israel/corporações por ter feito __________ (ou por não ter feito __________).
O PSDB/mídia ataca o governo Lula/Dilma por __________. No entanto, eles o fazem porque têm interesse em __________. Esse interesse é suficiente para deixar claro que o PSDB/mídia é pérfido, muito ruim, e que o governo federal está certo.
Seguir pessoas ou seguir ideias?
Daí a coisa vira um grenalzinho lamentável, onde um se opõe ao outro, mas ninguém sabe quem defende o quê.
A oposição no divã
A prosperidade, a esquerda
A ideia da prosperidade, como a ideia de liberdade, é da esquerda. Surge no Renascimento e se projeta pelos séculos seguintes, sempre iluminada pelo propósito de democratizar os frutos do progresso. Democratizar a participação coletiva na construção do mundo. O marco dos novos tempos datados do renascimento é a ruptura com a ideia da felicidade na vida celestial, trazendo o paraíso do céu para a terra. A felicidade é aqui, agora, é a partida para o futuro modelado pela essência do presente. Tudo isso aconteceu muito antes de Marx. O capitalismo, inclusive, foi resultado desse sonho quando a burguesia revolucionária revelou-se contra o espartilho do feudalismo.Achei este texto ótimo, pois coloca os pingos nos iis.
Gen. Petraeus convoca a imprensa pró-guerra
Na 2ª.-feira, imediatamente depois de o Gen. David Petraeus ter dado longa entrevista no domingo, ao programa “Meet the Press” [Encontro com a imprensa], da rede de televisão NBC, para promover o esforço de guerra, o jornal New York Times publicou, em primeira página, a entrevista que o general dera ao próprio jornal, e noticiou que o general “sugeriu que resistirá a qualquer tipo de retirada rápida ou em grande escala, das forças norte-americanas”.
De fato, o general apenas comentou que poderia vir a opor-se a qualquer redução no nível das tropas dos EUA que estão no Afeganistão no período de um ano. Sobre a entrevista à NBC, o Times comentou que “Petraeus pareceu estar deixando aberta a possibilidade de não recomendar qualquer tipo de retirada de soldados norte-americanos no próximo verão.”
Na mesma 2ª-feira, o Washington Post também publicou uma linha sibilina sobre Petraeus que, repentinamente, parece extraordinariamente empenhado em dar entrevistas; para o Post, “Petraeus continua a apoiar a decisão do presidente Obama de iniciar a retirada no próximo mês de julho, mas disse que é cedo demais para definir o tamanho da retirada”. O jornal observou que “a presença do general em Cabul, não no quartel-general do Comando Central dos EUA em Tampa, dá força extra à sua voz, para reduzir a retirada, se escolher essa via.”
“Reduzir a retirada” significa manter a máquina de guerra girando com força máxima.
Sejamos bem claros sobre o que está acontecendo. O alto comando do exército no Afeganistão – evidentemente com pleno apoio da Casa Branca – desencadeou feroz blitz pela imprensa, para detonar qualquer possibilidade política de qualquer retirada daqui a um ano. A pleno galope, montado na imagem de que seria um “militar civil”, Petraeus está no comando de um movimento estratégico, com a imprensa, para manipular o que deveria ser processo democrático para decidir questões de guerra e paz.
E quem é, em última instância, o responsável por esse movimento manipulatório e antidemocrático? O comandante-em-chefe.
Muito suspeita e perigosamente, a ofensiva de imprensa de Petraeus foi posta em andamento poucos dias depois de o porta-voz do presidente Robert Gibbs ter comprado briga contra a ala progressista do Partido Democrático – o grupo que tem feito empenhada oposição à guerra no Afeganistão.
Mais de quarenta anos depois de o presidente Johnson ter usado a expressão “nervous Nellies” [aprox. “as nervosinhas”; na cultura norte-americana, corresponde à imagem de mulheres superansiosas, assustadiças, excessivamente preocupadas com a família] para desmoralizar o número crescente de Democratas que se manifestavam contra a guerra do Vietnã, a Casa Branca de Obama agora obra para desmoralizar os dissidentes progressistas, com expressões como “a esquerda profissional”[1].
Semana após semana, o presidente Obama sacrifica incontáveis vidas e bilhões de dólares a serviço do que Martin Luther King Jr. chamou – noutro momento de enlouquecido e horrendo esforço de guerra dos EUA – de “a loucura do militarismo”. Naquele momento como hoje, a Casa Branca pôs lenha na máquina de guerra do Pentágono, na ânsia de parecer forte e escapar às acusações de fraqueza, dos Republicanos.
Embora a história não seja igual ontem e hoje, repete-se e rima. Como um réquiem.
Hoje, como nos tempos finais do Dr. King, a guerra está em franca escalada, enquanto as vozes que se calam coniventes, ou que gritam a favor da guerra são vistas como sábias, prudentes. Quem não concorda e se cala, como sempre, é cúmplice.
O problema mais imediato que o governo e o Pentágono enfrentam é obterem, para a guerra, o aval da opinião pública. Por isso é hora, agora, de falar contra os esforços de um general comandante para fazer de uma nação, rebanho de ovelhas, e nos arrastar, todos, para mais guerra. Não importa quem trabalhe para persistir na loucura do militarismo. Temos de resistir.
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[1] Sobre isso, ver “Casa Branca desabafa contra ‘a esquerda profissional”
* Norman Solomon é jornalista, historiador e ativista pacifista. Membro do grupo Fairness & Accuracy In Reporting (FAIR), em http://www.fair.org/index.php?page=100 .
Tradução Vila Vudu
Casa Branca desabafa contra a “esquerda profissional”
10/8/2010, Sam Youngman, The Hill
http://thehill.com/homenews/administration/113431-white-house-unloads-on-professional-left
A Casa Branca está furiosa com as críticas que tem recebido da esquerda norte-americana, para a qual o presidente Obama estaria mais preocupado com os negócios do que com a pureza ideológica.
Em entrevista a “The Hill”, em sua sala na Ala Oeste, o secretário de imprensa da Casa Branca Robert Gibbs criticou duramente os militantes da esquerda-do-contra, os quais, disse ele, jamais estão satisfeitos com o que o presidente faça.
“Ouço esse pessoal dizer que o presidente é igual a George Bush. Parecem drogados”, disse Gibbs. “Parecem doidos.”
O secretário de Imprensa usou, contra a “esquerda profissional”, termos muito semelhantes aos usados pelos adversários de Obama na direita ideológica. Disse que “Só estarão satisfeitos, quando tivermos nos EUA o sistema público de saúde do Canadá, e quando o Pentágono tiver sido extinto. Não trabalham com dados de realidade.”
Dos que reclamam que Obama bajula os centristas em questões como a reforma da Saúde, Gibbs disse: “Não parariam de reclamar, nem se Dennis Kucinich fosse presidente.”
A Casa Branca, sob fogo constante dos inesperados inimigos de esquerda, tem-se sentido frustrada pelas opiniões, nos noticiários noturnos da televisão a cabo que reúnem vozes da esquerda, e nos quais Obama e seus principais assessores, como Rahm Emanuel, são diariamente execrados por não ter optado por um sistema público de saúde; por ainda não ter fechado a prisão de Guantánamo; e por, até agora, não ter posto fim à proibição de homossexuais assumidos nas Forças Armadas.
A esquerda norte-americana tem criticado Obama e sua equipe por se aproximarem cada vez mais do centro e por ter barganhado na negociação política da reforma do sistema de saúde, pelo resgate dos grandes bancos, pela regulação financeira pouco exigente e pelo pacote de $787 billhões de estímulo à economia, o qual, para algumas dessas vozes de esquerda, deveria ter sido maior.
Semana passada, Rachel Maddow, da rede MSNBC, descreveu David Axelrod, conselheiro político de Obama, como um “pretzel humano”, pelo modo como explicou a posição do governo sobre o casamento de homossexuais. Axelrod explicou que Obama opõe-se ao casamento de pessoas do mesmo sexo, mas apóia benefícios iguais para parceiros homossexuais.
A Casa Branca também está frustrada por estar sendo atacada por grupos políticos de esquerda, como o Progressive Change Campaign Committee (PCCC), que arrecada dinheiro para campanhas de candidatos e causas de esquerda.
Adam Green, um dos fundadores do PCCC, já criticou Obama por ter manifestado “mentalidade de perdedor” no debate sobre a reforma da saúde; e tem criticado o presidente e Emanuel por não se terem empenhado mais para incluir a opção pela saúde pública, na legislação final aprovada. O grupo tem publicado matéria paga em jornais, acusando Obama de ignorar o desejo dos milhões que o elegeram, em troca do apoio da senadora Olympia Snowe, Republicana do Maine.
Atualmente, o PCCC pressiona Obama para que indique Elizabeth Warren, heroína da esquerda dos EUA, como primeira presidente da nova agência de proteção ao consumidor criada pela “Reforma de Wall Street”.
Apesar de visivelmente decepcionado, Gibbs não citou nenhum nome dos detratores da Casa Branca.
Green escreveu em declaração distribuída por e-mail, na 2ª-feira à tarde: “Quando os Republicanos opuseram-se ao pacote de estímulo e quando Joe Lieberman opôs-se a opção pela saúde pública, que eram, de longe, as opções mais populares, o presidente deveria ter partido em caravana pelos estados, pedindo apoio para as políticas que os eleitores desejavam. Em vez disso, rendeu-se sem luta.”
Os duros comentários de Gibbs refletem frustração e perplexidade, da Casa Branca, que acredita ter feito muito na linha das teses que a esquerda sempre defendeu.
Em 18 meses de governo, Obama já aprovou a reforma da saúde, a reforma financeira e a legislação que garante pagamento equivalente para homens e mulheres em funções idênticas, dentre outras leis sempre desejadas pela esquerda norte-americana.
Obama prepara o fim da guerra do Iraque, e o fim das operações de combate está previsto para o final de agosto.
Aumentou a representação feminina na Suprema Corte, com a nomeação de duas juízas, uma das quais, a primeira hispânica. Mesmo assim, vários grupos de esquerda criticam-no por não ser suficientemente de esquerda.
“Fizemos 1001 coisas”, disse Gibbs, que então lembrou-se de incluir o Iraque e a reforma da saúde.
Para Gibbs, a “esquerda profissional” não representa os cidadãos norte-americanos progressistas que se organizaram, fizeram campanha, arrecadaram dinheiro e, por tudo isso, conseguiram eleger Obama.
Os verdadeiros progressistas, disse Gibbs, não são os esquerdistas de Washington, e “vivem na América profunda”. Esses são gratos pelo que Obama já conseguiu, num país com a economia destroçada, sob cerrada oposição do Partido Republicano e em pouco tempo.
No início do verão, Obama procurou contato com a esquerda – inclusive, convidou Maddow e outros jornalistas e blogueiros de esquerda para um almoço privado.
No final de julho, Obama fez uma aparição surpresa, por vídeo, com a ajuda de Maddow, na convenção dos “NetRoots” em Las Vegas, onde a esquerda profissional reunira-se para coordenar seus discursos de desapontamento com o presidente.
“Espero que vocês dediquem um momento e considerem o que já conseguimos”, disse Obama, a um público que dava sinais de impaciência. “E ainda não terminamos.”
A falta de compreensão, ou de reconhecimento, pelos feitos do governo Obama tem levado Gibbs e outros a uma espécie de desilusão irada.
Larry Berman, professor de ciência política da University of California-Davis e especializado em análise do desempenho presidencial, disse que também o surpreende que a esquerda dos EUA não entenda o quanto custou a Obama a aprovação das reformas, até aqui, nem reconheça como mérito a ação pragmática do presidente.
“Mas a ironia disso tudo”, continuou Berman, “é que a frustração de Gibbs apenas comprova que a oposição conservadora foi muito bem-sucedida na operação para minar a aprovação popular do presidente”, disse Berman. “Do ponto de vista de Gibbs, e do ponto de vista da Casa Branca, eles deveriam estar mais empenhados agora, isso sim, em reconquistar a confiança das pessoas que, supõem eles, teriam alguma obrigação de ser compreensivas, gratas e elogiosas.”
Idelber, NPTO e Cuba: desdobramento do debate
O texto do Idelber na revista Fórum
Os blogueiros de esquerda [...] deveriam ler [...] algumas lições [...]. A primeira delas é clara: seres humanos podem ser sujeitos morais. Os Estados, não. Os Estados sempre farão política externa segundo seus interesses. [...]Esperar que um Estado faça política externa movido por considerações morais — e, pior ainda, “decepcionar-se” quando um governo de esquerda não o faz — representa uma confusão entre moral e política, inaceitável para alguém que se diz de esquerda.
O dever do presidente do Brasil é zelar pelos cidadãos brasileiros, fortalecer o país, cuidar da enorme dívida social legada pela história, reduzir a desigualdade e conduzir a política externa de forma a facilitar a conquista desses objetivos.
A crítica de esquerda ao regime cubano, portanto, não é só defesa dos caras que estão apodrecendo na cadeia, ou da totalidade dos cubanos que não podem votar ou se candidatar livremente, mas é também uma defesa de nós mesmos, que não queremos nem ser vítimas futuras nem, suponho, carrascos.
PT paulista, economia
"Quem viu o PT abandonando o programa econômico em 2002 com a maior desenvoltura nem sempre se tocou que, como notou o Fiori no texto acima, esse programa era bem novo no partido. Grande parte da base não se identificava com o desenvolvimentismo mais do que com o liberalismo. Muito mais importante era aumentar o salário mínimo e redistribuir renda."
Por que defender liberdade para os dissidentes cubanos?
Embaixador A: Vocês Bs precisam libertar os dissidentes!Embaixador B: Só se vocês As reconhecerem que sustentam a repressão aos Bs em Tal-Lugar.Embaixador A: Tem razão. Mas não queremos fazer tal coisa. Então façamos o seguinte: cada um reprime os seus, e não se fala mais nisso!
América do Sul e Brasil por Bruce Sterling (Igualdade e liberdade)
Estes esquerdistas se revelaram como grandes democratas que trouxeram estabilidade e prosperidade às suas sofridas populações, ao invés de comunistas sanguinários inclinados à destruição da propriedde privada.
[...] não entendo como o Brasil de alguma maneira evitou se tornar uma superpotência até que um sindicalista fosse eleito. Afinal de contas, um colosso como esse ter um perfil global tão discreto por tantos séculos, sem ter perdido uma grande guerra territorial, nem nada... Os brasileiros devem ser seus próprios piores inimigos. Ou isso, ou as caipirinhas, admito.
A Crise da Extrema Esquerda
A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo "risco Lula" -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.
O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.
Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.
Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do "mensalão". Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)
Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.
Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade.
Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a "assistencialismo", mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.
O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do "asisistencialismo" do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por "alguns centavos", mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.
Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)
Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.
Emir Sader é sociólogo e professor.
Publicado originalmente no Blog do Emir