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Hiper-antipetismo dependente não, PPS independente sim!

A dura crítica que Raul Jungmann faz à atuação do próprio partido. O artigo dá pistas do modus operandi da oposição política brasileira, mesmo não concordando inteiramente com o teor do artigo.

Por Raul Jungmann, publicado no portal do PPS

O hiper-antipetismo é um mix de três atitudes. A crítica e negação permanente do PT e seu governo, a denúncia como método e a afirmação do fim próximo do lulopetismo como mantra. Por não ser autônomo, ele requer aquilo que nega para existir e dele depende.

Na sua origem, temos as razões pelas quais reagimos ao petismo e vice versa.

A principal delas é que eles surrupiaram o lugar que entendíamos nosso, enquanto a ditadura nos perseguia e esmagava.

Depois, dividiram a história da esquerda em duas, uma antes e outra depois deles.

Segundo a narrativa petista, no tempo do PCB vigiam os acordos de cúpula e o controle das massas pelas elites. Com o advento do PT, instala-se a era inaugural da verdadeira esquerda, independente e autônoma, não colaboracionista do capital. A esquerda que chegou ao poder.

Outra razão de disputa, menos visível, é que nós e eles sempre tivemos pretensão à hegemonia da esquerda e nisso somos parecidos.

Para nós, eles nunca aderiram de fato à democracia e às instituições. Para eles, somos vira-casacas e subalternos da direita representada pelos tucanos e demistas.

Se nós do PCB/PPS sempre colocamos o conjunto, as frentes democráticas e a política de alianças em primeiro lugar, eles, egoístas e estreitos, privilegiaram a construção do seu partido e projeto, sem concessões.

Esse caldo e disputa desandaram de vez quando deixamos o governo Lula em 2004, que queria, via Ciro Gomes, nos transformar em barriga de aluguel.

De lá para cá, fomos ficando mais e mais críticos, até que o antipetismo tornou-se a principal raison d’etre da nossa ação política.

Não que nos faltassem motivos, ao contrário.

Lula e o PT descambaram para um despudor nunca visto no uso e acobertamento da corrupção. Aparelharam o Estado até tornarem-no um quase apêndice do petismo. Ameaçaram amordaçar liberdades em nome da impunidade e da ojeriza as críticas.

Destroçaram e cooptaram a oposição. Rasgaram seu programa e roubaram as bandeiras dos seus antecessores. Engoliram ou cooptaram os movimentos, sindicatos e a sociedade civil.

A isto tudo respondemos radicalizando na ação e no discurso, até chegarmos ao “hiper-antipetismo” e dele nos tornarmos dependentes, com graves efeitos colaterais.

O primeiro deles é que fomos reduzindo nosso interesse por quaisquer outras preocupações e propostas. Deixamos de ter uma agenda própria e global para concentrar todas as nossas energias em negar, denunciar e combater o mal simbolizado pelo PT e seu demiurgo, Lula.

Assim, passo a passo, descolamos da política e mergulhamos num embate moral, do bem que representávamos, versus o mal personificado no lulopetismo.

Com isso, empobrecemos nosso discurso e prática. Descuidamos de nós mesmos, atados que fomos à nossa némesis.

O segundo dos efeitos negativos é que delegamos aos nossos aliados a construção de um projeto de poder próprio e de como chegar até ele, pois o nosso projeto era, e segue sendo, derrotar o PT. Donde resulta que pouco ou nada temos a anunciar, preocupados em denunciar que estávamos e estamos.

Terceiro, gradativamente abdicamos de elaborar políticas para o país. Aliás, deixamos de olhar as transformações positivas pelas quais o Brasil passa. Enquanto nós só vemos o que está errado, a grande maioria da população percebe e apóia o que está dando certo.

Diante dessa “ilusão” que se alastrava pelos campos e cidades, contagiando os ingênuos ou manipulados, apelamos ao milenarismo, passando a avistar o “juízo final” em cada esquina da conjuntura.

Num momento, o fim estava próximo porque os juros subiam a níveis insustentáveis; mais adiante, porque o endividamento das famílias ia explodir. Depois, batemos na tecla da crise global, que faria descer sua espada sobre os maus e os males do reino.

Hoje o mensalão; amanhã o último escândalo e o próximo, já engatilhado. Sem falar do retorno inexorável e descontrolado da inflação...

Trocamos a análise dos fatos e sua penosa interpretação pela paixão.

Nesse andar, tornamo-nos um “partido decente” não por escolha, mas por decantação. Se eles eram indecentes, não nos restava outra alternativa.

Ser decente não é um programa para o país, nem um projeto partidário. Sabemos disso. Mas, como decretamos a morte do comunismo, que a socialdemocracia está moribunda e sobre o socialismo nada temos a dizer, a “decência” foi preenchendo nosso vazio ideológico.

Fomos também ficando rígidos e isolados, no desconforto de conviver com adversários de ontem, parceiros de hoje.

Noutro nível, falhamos em entender o lulopetismo e dele extrair lições. Em analisar a razão de sua ascenção; as condições de formação do seu bloco de poder de ciclo longo e que ainda não apresenta sinais de entropia – algo que nos negamos terminantemente a reconhecer.

Em decorrência, sucumbimos também em desenvolver uma política de resistência e convívio de médio e longo prazo com o PT no poder, preparando o partido para essa lenta travessia.

Aferrados à negação deles, tropeçamos em (re)construir nossa identidade, abalada desde a passagem do PCB para PPS. Afinal, ser “anti” não basta ou é suficiente para afirmar uma identidade, dado que permanecemos presos e dependentes do outro, nosso oponente.

Nesse sentido, o hiper-antipetismo é uma prisão, pois nos deixa atados ao campo do lulopetismo, que detestamos. Psicologicamente, estacionamos no terreno da contra-dependência, sem nos alçarmos à independência plena, que é essencialmente afirmativa.

Presos à nossa paixão negativa pelo lulopetismo, esquecemos que a liberdade não passa apenas pela negação de outro, mas pela afirmação de nós mesmos.

Resultado: de 2004 para cá fomos estiolando. Não produzimos nada de envergadura e riqueza comparáveis aos nossos primeiros anos como PPS.

O corolário do hiper-antipetismo dependente, enterrada a 3ª via com Ciro Gomes, tem sido a gravitação em torno do projeto tucano. Estes crescem no desdém por nós, na mesma medida em que diminuímos eleitoralmente.

Nesse cenário, a proposta de candidatura própria a presidente em 2014 representa uma ruptura com a cultura da denúncia, cuja cristalização se dá no hiper-antipetismo. É o retorno a uma política de afirmação partidária e de anúncio de um novo tempo.

É passar da negação do outro, a sua “morte” (tanatos), para a nossa afirmação e vida (eros). É transitar da prisão e da dependência para a liberdade de se (re)criar.

Isso não implica deixar de ser oposição, de denunciar desvios, abandonar o nosso campo de alianças ou de dar duro combate ao lulopetismo.

Sem qualquer auto glorificação, posso afirmar que poucos o combateram tão dura e persistentemente como fiz . Mas não sou antipetista. Sou pepesista, com orgulho, alegria e confiança.

Orgulho, pela nossa história, altivez e ética partidárias. Alegria pela democracia interna que desfrutamos e valores que possuímos.

Confiança porque, como de tantas outras vezes, saberemos construir uma saída para a crise que passamos. Que não é apenas nossa, mas geral e ampla dos partidos e da política representativa.

Porém, temos convicção que não alcançaremos essa saída com base apenas na negação do outro, dissociada da afirmação de um projeto próprio, do resgate de uma agenda positiva e de poder do PPS.
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Um sopro de vida orgânica no PT

O documento aprovado no Congresso do PT é uma tentativa de resgatar a organicidade política do partido que, depois de oito anos de governo Lula (e oito meses de Dilma) acabou se conformando como uma mera unidade pró-governo. É uma tentativa de sair da arena da luta meramente institucional com os partidos aliados e ganhar a opinião pública para suas bandeiras.

Maria Inês Nassif, publicado na Revista Carta Maior

Não se recomenda reduzir o Congresso do PT, realizado no final de semana, a um mero jogo de cena. A ausência de debates acalorados ou a não explicitação de grandes divergências internas dizem mais do que isso. Ao longo de oito anos de governo, e no início de um terceiro mandato na Presidência, era inevitável que mudanças se produzissem num partido que sempre funcionou como uma frente de tendências de esquerda, setores sindicais e grupos ligados à Igreja Progressista. 

O PT passa por um processo de mudança que se iniciou em 1998, após a terceira derrota de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência. Ao longo do tempo, sofreu defecções próprias de um partido que se consolidou na oposição e como partido de esquerda que, uma vez no poder, não teria condições de governabilidade se não optasse por uma política de alianças mais ampla e maleável.

Muita água rolou debaixo da ponte desde a formação do PT, em 1980. Sofreu rachas que resultaram no PSTU e no PSol; não apenas perdeu setores ligados à Teologia da Libertação, como os que lá permaneceram vivem o ostracismo a eles imposto nos dois últimos papados (de João Paulo II e de Bento XVI); amargou as crises do chamado Mensalão e dos "Aloprados", que resultaram não apenas em desgaste popular, mas em perdas de quadros importantes para a dinâmica interna, sangria iniciada na formação do Ministério petista; foi de alguma forma redimido pelo sucesso dos governos Lula, mas para isso teve que pegar carona na popularidade de um líder carismático que detinha o poder do presidencialismo. 

O resultado foi um esvaziamento de quadros dirigentes, uma crise interna que se estendeu no tempo, inclusive pela falta de mediadores com o peso de Lula, e uma perda de peso relativo em relação aos demais partidos da base aliada, embora permaneça com uma grande bancada no Congresso.

Essa conjunção de desgraças poderia ter reduzido o partido a pó, à semelhança do que acontece com o desidratado DEM, ex-PFL. Não foi o que aconteceu. Primeiro, porque continua partido do governo - e num sistema presidencialista, isto não é pouco, nem para o PT (embora, por justiça, é preciso lembrar que o partido, desde a sua criação, teve um crescimento eleitoral contínuo, mesmo na oposição, e apenas sofreu uma queda eleitoral em 2006, quando era governo e apesar da reeleição de Lula). Em segundo lugar, porque a sangria de quadros não alterou a realidade de que o partido ainda é o único que dispõe de quadros, não apenas os nascidos de sua organização mas também os originários da esquerda pré-redemocratização. 

A vantagem disso é que, mesmo com a proliferação de grupos articulados em torno de líderes paroquiais (isso também existe no PT), prevalece, inclusive numericamente, a ideia de que a organicidade partidária é a grande vantagem de que desfruta em relação aos partidos da base aliada, nas contendas com o governo.

As dificuldades que o governo Lula e o PT enfrentaram a partir de 2005 também colocaram como questão eleitoral para o partido a atração dos movimentos sociais, afastados nos primeiros anos de governo petista, e a inclusão dos setores que ascenderam à sociedade de consumo nesse período graças às políticas de inclusão do governo petista. Se o partido não capitalizar esses setores agora, não conseguirá dividir esse legado com Lula. Ou o perderá para o PSDB, que investe na "nova classe média" partindo do conceito clássico de que esse setor social tem grande tendência ao conservadorismo. O PSDB quer conquistar os setores que emergiram no governo petista pela direita; o PT tenta fidelizá-lo com um discurso mais progressista, para não perder o apoio das classes mais baixas que, se não chegaram às classes médias, ascenderam à sociedade de consumo nos governos petistas.

A defecção de grupos de esquerda e a divisão das responsabilidades de governo com tendências que se desentendiam internamente permitiram o milagre da unidade, num momento de crise em que se apostaria na fatalidade da desunião. A saída de Lula do governo e uma aposta na incapacidade da presidenta Dilma Rousseff nas questões de natureza política reiteravam essa previsão. Não foi tão ruim assim. E, pensando bem, pode ser uma grande chance para o PT encontrar o equilíbrio entre os interesses do partido e as exigências do governo.

O documento do PT, aprovado no encontro, é uma tentativa de resgatar a organicidade política do partido que, depois de oito anos de governo Lula (mais oito meses de Dilma) acabou se conformando como uma mera unidade pró-governo. É uma tentativa de ter suas próprias bandeiras, no suposto de que o partido deve assumir o papel de abrir espaço, na sociedade, para medidas de caráter mais progressista. Entenda-se a manifestação política do Congresso do PT como uma tentativa de sair da arena da luta meramente institucional com os partidos aliados e ganhar a opinião pública para suas bandeiras. Por enquanto, o único mérito é tentar retomar o seu papel de intelectual orgânico. Será um grande mérito, contudo, se conseguir levar essa missão a bom termo.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

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Esterilidade e repetição na mídia de esquerda

Faz um bom tempo que parei de ler jornais e revistas de direita, pois eles escolheram o caminho da mentira na cara dura, e eu preciso de notícia de qualidade, além de opiniões que me ajudem a ver detalhes e aspectos importantes.

Daí parti para mídia de esquerda, e ganhei principalmente na apresentação de aspectos fundamentais para quem se importa com a justiça, a qual é o cimento da sociabilidade.

Até agora.

Pra falar a verdade, nos últimos meses alguns dos principais blogs e sites em língua portuguesa tem se mostrado estéreis e repetitivos.

A esterilidade vem do fato de que, muitas vezes, a resposta pré-fabricada é dada a todo e qualquer novo problema que apareça. Há dois moldes de respostas pré-fabricadas centrais:

  • O molde acusatório internacional, do tipo tire-os-EUA-pra-Judas
  • O molde apologético nacional, do tipo fulano-critica-o-governo-federal-mas-ele....
O molde acusatório internacional é fácil, basta preencher as lacunas aí embaixo:
No mundo ocorre agora a crise __________. As vítimas são __________. O culpado é EUA/Europa/Israel/corporações. O culpado do problema é EUA/Europa/Israel/corporações por ter feito __________ (ou por não ter feito __________).
Você mesmo pode fazer sua própria matéria de opinião, seguindo o molde acima. Não é preciso ir no site pra encontrá-la. 

O molde apologético nacional é assim:
O PSDB/mídia ataca o governo Lula/Dilma por __________. No entanto, eles o fazem porque têm interesse em __________. Esse interesse é suficiente para deixar claro que o PSDB/mídia é pérfido, muito ruim, e que o governo federal está certo. 
De novo, você pode criar seu artigo em casa, seguindo esse molde, no qual é notável que o assunto do ataque simplesmente some do mapa rapidinho, coisa que torna o artigo inútil para quem quer entendê-lo melhor. 

É claro que há várias exceções a tais moldes, mas é sacal abrir o site que costumava te informar e te fazer entender e encontrar tal tipo de produto pré-fabricado lá, de novo. 

A meu ver, os artigos que seguem tais modelos são estéreis. No caso acusatório internacional, não se preocupam em investigar detalhes, ou entender diferenças, pois basta apontar o culpado de sempre, e tudo está resolvido, ao menos no que diz respeito à cumplicidade entre autor acusador e leitor que curte malhar um Judas. Não é preciso pesquisa alguma, nem levantar do conforto da poltrona. Dá pra fazer um gerador automático de artigos assim, a cada nova crise que surge. 

A mesma esterilidade se dá no caso do modelo apologético nacional, pois o foco é a defesa do governo federal junto da acusação aos culpados de sempre, sendo o assunto em debate relegado ao segundo plano. 

Tudo isso é enjoativamente repetitivo, e seria ótimo se os editores da mídia de esquerda tentassem evitar isso, por mais que as vedetes das receitas de bolo rascunhadas acima deem ibope. 
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Seguir pessoas ou seguir ideias?

É curioso ver que muitas vezes nossa esquerda, tal como nossa direita, se prende a pessoas e países, não a ideias norteadoras, como as de justiça, de igualdade e de liberdade.

Daí a coisa vira um grenalzinho lamentável, onde um se opõe ao outro, mas ninguém sabe quem defende o quê.
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A oposição no divã

De Lúcia Avelar*, publicado na Carta Capital

As legendas de centro-direita terão de mudar a forma de recrutamento e de organização e apresentar seu programa de governo com mais clareza

A vitória de Dilma Rousseff tem bases mais sólidas do que parece à primeira vista. Não se deve apenas à popularidade de Lula e ao bom desempenho da economia. Há um realinhamento eleitoral que vem se desenhando desde 1994, o adensamento da sociedade civil organizada, a percepção de que há governos que fazem diferença – para melhor – na vida das pessoas, a emergência de um sentimento de identificação e solidariedade com a coletividade destituída, e de que é possível governar também para ela.

Quanto ao realinhamento eleitoral, principalmente nos municípios, a disputa entre PSDB, DEM/PP e PT se instalou e os partidos tradicionais vêm perdendo sua hegemonia histórica. O caso que mais expressa essa disputa é o confronto entre o DEM e o PT, o primeiro caindo vertiginosamente enquanto o segundo cresce e o sobrepuja. A disputa entre o PSDB e o PT nas eleições presidenciais reflete esse balanço de forças, com a ressalva de que o PT e outros partidos de esquerda, seus aliados, passaram por mudanças ideológicas e programáticas sem perder o horizonte da questão social brasileira.

A clivagem direita/esquerda é, mesmo se usada com reservas, parte do quadro atual. Ela é uma dimensão simbólica útil para organizar um conjunto de posições políticas de candidatos, partidos e eleitores. Em toda a América Latina a clivagem é por demais discutida como parte da emergência política de minorias e da relativa desconcentração do poder. É o caso de Chile, Argentina, Bolívia, Uruguai e Equador, por exemplo.

Nesse cenário regional é indiscutível a liderança de Lula. Seus críticos salientam os traços personalistas e populistas de sua liderança. Como mostra o economista argentino Ricardo Aronskind, o termo populismo é usada de modo depreciativo para todos os políticos da América Latina que tentam alguma estratégia de mudança dos beneficiados pela política. Além da liderança de Lula, outros aspectos devem ser levados em conta na vitória de Dilma, entre eles a organização e a coesão partidária do PT. Ao apontar sua candidata, Lula cuidou da coesão do partido; investiu e cedeu em alianças que revertessem em ganhos na corrida presidencial, como foi o caso de Minas Gerais.

Não foi o que ocorreu com o partido de oposição e seus aliados. O PSDB jamais foi um partido coeso, mas a negativa em realizar uma consulta interna numa eventual disputa entre os candidatos José Serra e Aécio Neves abriu uma trinca ainda maior. E o programa de Serra, favorável a um Estado enxuto e maior liberdade do mercado, funciona em São Paulo, quase o único exemplo onde o capitalismo liberal é bem-sucedido no País. A grande maioria dos estados depende do governo federal para impulsionar o desenvolvimento e combater a pobreza. Para o bloco tucano, em termos sucintos, as políticas sociais universalizantes conduzem à dependência dos assistidos, e os problemas de desigualdade estrutural devem ser solucionados no plano individual, pela ajuda humanitária, como a filantropia e o voluntariado. Na visão dos adeptos da cidadania, as políticas de bem-estar, mesmo que não modifiquem a forma como se redistribui a renda, atuam nos segmentos em condições extremas de pobreza, projetando melhoras para as gerações seguintes. Sem revolução ou reformas, sem o ethos estatista ou socialista, o governo Lula foi um governo de programas, principalmente no tratamento da questão social em sintonia com as lideranças socialmente avançadas do País.

Não há dúvidas de que neste governo entrou em cena a problemática da cidadania. Fábio W. Reis, citando George Armstrong Kelly, discute a ambiguidade desse conceito, ao distinguir entre a sua dimensão civil e sua dimensão cívica. Do ponto de vista civil, corresponde à afirmação dos direitos individuais garantidos constitucionalmente. A dimensão cívica está associada aos deveres e responsabilidades do cidadão com a sua coletividade. É a propensão ao comportamento solidário, a uma disposição de entregar ao Estado parte de seus recursos e autoridade para governar a favor dos destituídos. Os indivíduos recebem prestações sociais não como indivíduos, mas como membros de um corpo coletivo que por circunstâncias dos processos estruturais de distribuição da riqueza encontram-se em situação de extrema pobreza.

Sob tal perspectiva, há convergência quanto à ideia de não haver livre jogo das forças de mercado que dê conta de uma dívida social construída pelo modelo de desenvolvimento concentrador de renda e pelo passado escravocrata. “Governar a pobreza” é, portanto, uma decisão política com o objetivo de criar cidadãos, de execução administrativa e com o apoio da coletividade. Entramos neste caminho, ao que tudo indica.

Outra mudança foi a abertura de canais de interlocução do governo com a sociedade. A diferenciação democrática que presenciamos hoje, com um mosaico de participação da sociedade difícil de ser mapeado, é uma construção que vem do desencanto e do mal-estar com os partidos tradicionais, com a arrogância das elites, com seu distanciamento dos problemas sociais. O PT nasceu da sociedade organizada, depois dela, quando os movimentos das décadas de 1950 e 1960 amadureceram e se adensaram contra a ditadura. A interlocução com o sindicalismo urbano e rural, com as comunidades eclesiais de base, associações de bairro e de luta por moradias, ONGs ambientalistas, entidades de mulheres, de jovens, de defesa da igualdade racial, de direitos humanos e combate à homofobia não foi descartada durante o governo Lula.

“Ainda é pouco”, afirmam os adeptos da democracia participativa, numa expressão da mudança de valores das democracias contemporâneas, mudanças estas que não foram assimiladas ao contexto dos partidos tradicionais. Eles não se deram conta da emergência de comunidades críticas, do ativismo de mais de meio século e de ativistas que aprenderam a usar as regras eleitorais e partidárias para influenciar a escolha de candidatos.

Em 2002, ou seja, oito anos atrás, segundo os dados, havia 276 mil associações civis no País empregando 1,5 milhão de pessoas, 62% das quais foram constituídas a partir de 1991. A difusão das ideias de igualdade e de direitos são a seiva desses movimentos. Pouco sabemos a respeito do relacionamento entre associativismo e número de votos para este ou aquele partido, mas é plausível a hipótese de que o crescimento dos partidos de esquerda se relacione com o crescimento do associativismo político. Os movimentos formam uma base corporativa com influência no processo eleitoral, ao se declararem por este ou aquele candidato. Estaria a difusão das ideias de direitos e de igualdade na base da perda de poder político dos partidos de direita?

Outro aspecto a ser mencionado é a melhora da autoimagem do Brasil, mesmo que com muitas ambiguidades. Um líder de oposição chegar ao final de dois mandatos e eleger uma sucessora é um ganho institucional histórico indiscutível e tem a ver com um novo ciclo da política latino-americana. A autoimagem do País está fortalecida e, ao mesmo tempo, carrega muitas tensões. A percepção de que se pode construir uma história diferente, de que a miséria pode ser extirpada, de que há um horizonte de muitas possibilidades, convive com a visão dos universos de muitas necessidades que serão atendidas apenas com políticas de muito longo prazo. Os desafios de educar a população jovem para o mundo do trabalho, na hipótese da continuidade do desenvolvimento e para uma sociedade complexa, são evidentes. Estão aí os estudos do Ipea com projeções demográficas, alertando para as prementes e necessárias modificações no campo educacional. Ao lado disso a percepção de uma política menos subordinada à ordem internacional e a valorização de parceiros emergentes e dos países vizinhos têm a ver com o papel do Ministério das Relações Exteriores e que, para os opositores, não passa de devaneios. Sabemos que não são, pois basta consultar as análises da imprensa internacional.

Nesse quadro, o que esperar do futuro dos partidos de direita e centro-direita? De onde virá a oposição ao lulismo? Em documento publicado em 2007 pelo Transnational Institute chamado “No olho do furacão”, líderes de esquerda e antigos militantes do Partido dos Trabalhadores falavam de certo mal-estar diante do fortalecimento de Lula em relação às outras correntes do partido. Depois disso, e principalmente no decorrer do segundo governo Lula, o lulismo foi tomando conotações das mais diversas, recebendo o apoio geral, mas sobretudo da população alvo dos programas sociais e dos ascendentes da nova classe média. Do lado dos opositores, a pauta é identificar o lulismo com o populismo. É claro, o termo populismo continua sendo terreno de disputa política e ideológica, principalmente na América Latina.

Mas, caso se confirmem na próxima década políticas de bem-estar e melhora da vergonhosa desigualdade social, o lulismo desaparecerá na esteira do protagonismo de um Estado de contínua agenda positiva para o País. E há muitas personalidades com sensibilidade social, mesmo que discretas, para realizar essa agenda. Permanece a questão do futuro dos partidos de direita. Estes sim terão de mudar suas formas de recrutamento e de organização, apresentar com mais clareza seus programas e convencer o eleitorado popular de que suas propostas redundariam em melhora para a vida. Uma disputa antiga, de raízes filosóficas, que só agora chega até nós porque a oposição aos partidos tradicionais logrou governar pela primeira vez e, até agora, com sucesso.

* Lúcia Avelar é professora titular de Ciência Política/Instituto de Ciência Política/Universidade de Brasília. Pesquisadora do CNPq. Membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz
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Benicio veste o boné


O ator de Hollywood Benicio del Toro veste acessório fashion durante visita a uma escola do MST.
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A prosperidade, a esquerda

Trecho de um texto bem bacana do Francisco Viana:
A ideia da prosperidade, como a ideia de liberdade, é da esquerda. Surge no Renascimento e se projeta pelos séculos seguintes, sempre iluminada pelo propósito de democratizar os frutos do progresso. Democratizar a participação coletiva na construção do mundo. O marco dos novos tempos datados do renascimento é a ruptura com a ideia da felicidade na vida celestial, trazendo o paraíso do céu para a terra. A felicidade é aqui, agora, é a partida para o futuro modelado pela essência do presente. Tudo isso aconteceu muito antes de Marx. O capitalismo, inclusive, foi resultado desse sonho quando a burguesia revolucionária revelou-se contra o espartilho do feudalismo.
Achei este texto ótimo, pois coloca os pingos nos iis.

Em primeiro lugar, por trazer à tona o óbvio: frente ao mundo feudal, o mundo capitalista é o mundo progressista, isto é de esquerda. Isso, é claro, bem antes da ainda vaga ideia de socialismo.

Em segundo lugar, por colocar à frente a prosperidade como bandeira de esquerda. Grana nos bolsos, eis o que importa. Governar para que os bolsos mais vazios se encham proporcionalmente mais do que os outros, eis a política.
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Gen. Petraeus convoca a imprensa pró-guerra


Norman Solomon, Commondreans*

Já é história: em meados de agosto de 2010, o comandante do exército dos EUA no Afeganistão lançou gigantesca campanha de mídia, para impedir qualquer retirada significativa das forças militares, no próximo verão.

Na 2ª.-feira, imediatamente depois de o Gen. David Petraeus ter dado longa entrevista no domingo, ao programa “Meet the Press” [Encontro com a imprensa], da rede de televisão NBC, para promover o esforço de guerra, o jornal New York Times publicou, em primeira página, a entrevista que o general dera ao próprio jornal, e noticiou que o general “sugeriu que resistirá a qualquer tipo de retirada rápida ou em grande escala, das forças norte-americanas”.

De fato, o general apenas comentou que poderia vir a opor-se a qualquer redução no nível das tropas dos EUA que estão no Afeganistão no período de um ano. Sobre a entrevista à NBC, o Times comentou que “Petraeus pareceu estar deixando aberta a possibilidade de não recomendar qualquer tipo de retirada de soldados norte-americanos no próximo verão.”

Na mesma 2ª-feira, o Washington Post também publicou uma linha sibilina sobre Petraeus que, repentinamente, parece extraordinariamente empenhado em dar entrevistas; para o Post, “Petraeus continua a apoiar a decisão do presidente Obama de iniciar a retirada no próximo mês de julho, mas disse que é cedo demais para definir o tamanho da retirada”. O jornal observou que “a presença do general em Cabul, não no quartel-general do Comando Central dos EUA em Tampa, dá força extra à sua voz, para reduzir a retirada, se escolher essa via.”

“Reduzir a retirada” significa manter a máquina de guerra girando com força máxima.

Sejamos bem claros sobre o que está acontecendo. O alto comando do exército no Afeganistão – evidentemente com pleno apoio da Casa Branca – desencadeou feroz blitz pela imprensa, para detonar qualquer possibilidade política de qualquer retirada daqui a um ano. A pleno galope, montado na imagem de que seria um “militar civil”, Petraeus está no comando de um movimento estratégico, com a imprensa, para manipular o que deveria ser processo democrático para decidir questões de guerra e paz.

E quem é, em última instância, o responsável por esse movimento manipulatório e antidemocrático? O comandante-em-chefe.

Muito suspeita e perigosamente, a ofensiva de imprensa de Petraeus foi posta em andamento poucos dias depois de o porta-voz do presidente Robert Gibbs ter comprado briga contra a ala progressista do Partido Democrático – o grupo que tem feito empenhada oposição à guerra no Afeganistão.

Mais de quarenta anos depois de o presidente Johnson ter usado a expressão “nervous Nellies” [aprox. “as nervosinhas”; na cultura norte-americana, corresponde à imagem de mulheres superansiosas, assustadiças, excessivamente preocupadas com a família] para desmoralizar o número crescente de Democratas que se manifestavam contra a guerra do Vietnã, a Casa Branca de Obama agora obra para desmoralizar os dissidentes progressistas, com expressões como “a esquerda profissional”[1].

Semana após semana, o presidente Obama sacrifica incontáveis vidas e bilhões de dólares a serviço do que Martin Luther King Jr. chamou – noutro momento de enlouquecido e horrendo esforço de guerra dos EUA – de “a loucura do militarismo”. Naquele momento como hoje, a Casa Branca pôs lenha na máquina de guerra do Pentágono, na ânsia de parecer forte e escapar às acusações de fraqueza, dos Republicanos.

Embora a história não seja igual ontem e hoje, repete-se e rima. Como um réquiem.

Hoje, como nos tempos finais do Dr. King, a guerra está em franca escalada, enquanto as vozes que se calam coniventes, ou que gritam a favor da guerra são vistas como sábias, prudentes. Quem não concorda e se cala, como sempre, é cúmplice.

O problema mais imediato que o governo e o Pentágono enfrentam é obterem, para a guerra, o aval da opinião pública. Por isso é hora, agora, de falar contra os esforços de um general comandante para fazer de uma nação, rebanho de ovelhas, e nos arrastar, todos, para mais guerra. Não importa quem trabalhe para persistir na loucura do militarismo. Temos de resistir.

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[1] Sobre isso, ver “Casa Branca desabafa contra ‘a esquerda profissional


* Norman Solomon é jornalista, historiador e ativista pacifista. Membro do grupo Fairness & Accuracy In Reporting (FAIR), em http://www.fair.org/index.php?page=100 .
Tradução Vila Vudu
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Casa Branca desabafa contra a “esquerda profissional”


Tradução: Caia Fittipaldi

10/8/2010, Sam Youngman, The Hill
http://thehill.com/homenews/administration/113431-white-house-unloads-on-professional-left

A Casa Branca está furiosa com as críticas que tem recebido da esquerda norte-americana, para a qual o presidente Obama estaria mais preocupado com os negócios do que com a pureza ideológica.

Em entrevista a “The Hill”, em sua sala na Ala Oeste, o secretário de imprensa da Casa Branca Robert Gibbs criticou duramente os militantes da esquerda-do-contra, os quais, disse ele, jamais estão satisfeitos com o que o presidente faça.

“Ouço esse pessoal dizer que o presidente é igual a George Bush. Parecem drogados”, disse Gibbs. “Parecem doidos.”

O secretário de Imprensa usou, contra a “esquerda profissional”, termos muito semelhantes aos usados pelos adversários de Obama na direita ideológica. Disse que “Só estarão satisfeitos, quando tivermos nos EUA o sistema público de saúde do Canadá, e quando o Pentágono tiver sido extinto. Não trabalham com dados de realidade.”

Dos que reclamam que Obama bajula os centristas em questões como a reforma da Saúde, Gibbs disse: “Não parariam de reclamar, nem se Dennis Kucinich fosse presidente.”

A Casa Branca, sob fogo constante dos inesperados inimigos de esquerda, tem-se sentido frustrada pelas opiniões, nos noticiários noturnos da televisão a cabo que reúnem vozes da esquerda, e nos quais Obama e seus principais assessores, como Rahm Emanuel, são diariamente execrados por não ter optado por um sistema público de saúde; por ainda não ter fechado a prisão de Guantánamo; e por, até agora, não ter posto fim à proibição de homossexuais assumidos nas Forças Armadas.

A esquerda norte-americana tem criticado Obama e sua equipe por se aproximarem cada vez mais do centro e por ter barganhado na negociação política da reforma do sistema de saúde, pelo resgate dos grandes bancos, pela regulação financeira pouco exigente e pelo pacote de $787 billhões de estímulo à economia, o qual, para algumas dessas vozes de esquerda, deveria ter sido maior.

Semana passada, Rachel Maddow, da rede MSNBC, descreveu David Axelrod, conselheiro político de Obama, como um “pretzel humano”, pelo modo como explicou a posição do governo sobre o casamento de homossexuais. Axelrod explicou que Obama opõe-se ao casamento de pessoas do mesmo sexo, mas apóia benefícios iguais para parceiros homossexuais.

A Casa Branca também está frustrada por estar sendo atacada por grupos políticos de esquerda, como o Progressive Change Campaign Committee (PCCC), que arrecada dinheiro para campanhas de candidatos e causas de esquerda.

Adam Green, um dos fundadores do PCCC, já criticou Obama por ter manifestado “mentalidade de perdedor” no debate sobre a reforma da saúde; e tem criticado o presidente e Emanuel por não se terem empenhado mais para incluir a opção pela saúde pública, na legislação final aprovada. O grupo tem publicado matéria paga em jornais, acusando Obama de ignorar o desejo dos milhões que o elegeram, em troca do apoio da senadora Olympia Snowe, Republicana do Maine.

Atualmente, o PCCC pressiona Obama para que indique Elizabeth Warren, heroína da esquerda dos EUA, como primeira presidente da nova agência de proteção ao consumidor criada pela “Reforma de Wall Street”.

Apesar de visivelmente decepcionado, Gibbs não citou nenhum nome dos detratores da Casa Branca.

Green escreveu em declaração distribuída por e-mail, na 2ª-feira à tarde: “Quando os Republicanos opuseram-se ao pacote de estímulo e quando Joe Lieberman opôs-se a opção pela saúde pública, que eram, de longe, as opções mais populares, o presidente deveria ter partido em caravana pelos estados, pedindo apoio para as políticas que os eleitores desejavam. Em vez disso, rendeu-se sem luta.”

Os duros comentários de Gibbs refletem frustração e perplexidade, da Casa Branca, que acredita ter feito muito na linha das teses que a esquerda sempre defendeu.

Em 18 meses de governo, Obama já aprovou a reforma da saúde, a reforma financeira e a legislação que garante pagamento equivalente para homens e mulheres em funções idênticas, dentre outras leis sempre desejadas pela esquerda norte-americana.

Obama prepara o fim da guerra do Iraque, e o fim das operações de combate está previsto para o final de agosto.

Aumentou a representação feminina na Suprema Corte, com a nomeação de duas juízas, uma das quais, a primeira hispânica. Mesmo assim, vários grupos de esquerda criticam-no por não ser suficientemente de esquerda.

“Fizemos 1001 coisas”, disse Gibbs, que então lembrou-se de incluir o Iraque e a reforma da saúde.

Para Gibbs, a “esquerda profissional” não representa os cidadãos norte-americanos progressistas que se organizaram, fizeram campanha, arrecadaram dinheiro e, por tudo isso, conseguiram eleger Obama.

Os verdadeiros progressistas, disse Gibbs, não são os esquerdistas de Washington, e “vivem na América profunda”. Esses são gratos pelo que Obama já conseguiu, num país com a economia destroçada, sob cerrada oposição do Partido Republicano e em pouco tempo.

No início do verão, Obama procurou contato com a esquerda – inclusive, convidou Maddow e outros jornalistas e blogueiros de esquerda para um almoço privado.

No final de julho, Obama fez uma aparição surpresa, por vídeo, com a ajuda de Maddow, na convenção dos “NetRoots” em Las Vegas, onde a esquerda profissional reunira-se para coordenar seus discursos de desapontamento com o presidente.

“Espero que vocês dediquem um momento e considerem o que já conseguimos”, disse Obama, a um público que dava sinais de impaciência. “E ainda não terminamos.”

A falta de compreensão, ou de reconhecimento, pelos feitos do governo Obama tem levado Gibbs e outros a uma espécie de desilusão irada.

Larry Berman, professor de ciência política da University of California-Davis e especializado em análise do desempenho presidencial, disse que também o surpreende que a esquerda dos EUA não entenda o quanto custou a Obama a aprovação das reformas, até aqui, nem reconheça como mérito a ação pragmática do presidente.

“Mas a ironia disso tudo”, continuou Berman, “é que a frustração de Gibbs apenas comprova que a oposição conservadora foi muito bem-sucedida na operação para minar a aprovação popular do presidente”, disse Berman. “Do ponto de vista de Gibbs, e do ponto de vista da Casa Branca, eles deveriam estar mais empenhados agora, isso sim, em reconquistar a confiança das pessoas que, supõem eles, teriam alguma obrigação de ser compreensivas, gratas e elogiosas.”

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Idelber, NPTO e Cuba: desdobramento do debate

O Celso, do blog Na Prática a Teoria É Outra, publicou as "atas" do meu papo com o Idelber, no Facebook, sobre seu texto na revista Fórum. Tá na postagem Idelber e Cuba: a grande pirateada do Facebook.

O papo em questão foi material para minha postagem sobre o texto do Ibelber na revista Fórum.

Gostei disso que o Celso fez, de publicar o printscreen de um bom papo. Temos que fazer essas coisas mais vezes.
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O texto do Idelber na revista Fórum

Sempre pertinente, Idelber Avelar publicou no dia 30 de março um texto na sua coluna na revista Fórum intitulado "Direitos humanos e hipocrisia humanitária". O foco do texto são as críticas que se fizeram ao governo Lula por não se pronunciar, em Cuba, sobre as violações dos direitos humanos pelo Estado cubano. O texto traz (1) informações precisas sobre diversos países onde há violações dos direitos humanos, incluindo Arábia Saudita, Colômbia e Cuba. O texto apresenta (2) o modo como EUA e Brasil estabelecem relações com tais países, e o que se cobra em cada caso, e também (3) a diferença no tratamento de cada caso, tendo como destaque que no caso de Cuba se faz demandas que não são feitas nos outros casos.

Sobre estes três pontos, o texto é exemplar, pois em relação a (1) respeita os fatos e nos informa de violações pouco noticiadas, em relação a (2) nos lembra que há países que se importam muito com certas violações enquanto aceitam outras (é só pensar em como a fusão econômico-produtiva entre China e EUA se apoia na aceitação da realidade interna da China), e em relação a (3) nos traz o fato que há bastante gritaria de certos setores da sociedade quando se trata de alguns casos, mas silêncio quando se trata de outros (de novo: há grande auê sobre o iPad, o qual foi feito em um país que censura o Google, pra começo de conversa, mas isso não é assunto). O texto também chama de "hipócrita" a quem se apresenta como defensor de certo princípio, mas só o aplica quando é conveniente. Isto também é exato.

No entanto, o texto tem dois problemas, um pequeno, outro grande. Começo com o problema pequeno, para deixar para o final a grande divergência, de modo a, de certa forma, minimizar minha divergência com o Idelber, cara que eu respeito pacas.

O problema pequeno é o seguinte: não é uma boa ideia chamar de "dondoca humanitária" àqueles que se apresentam como defensores dos direitos humanos só quando é conveniente, pois isso acaba ligando o adjetivo "humanitário" a hipocrisia, o que é apenas mais uma maneira de espancar um adjetivo já não muito apreciado por aqui. Digo isso porque, ao menos no RS, alguns radialistas de AM já fazem o trabalho de desconstruir os direitos humanos, dizendo que suspeitos de crimes bárbaros devem receber tratamento cruel, ao invés de direitos exigidos por... "dondocas" (ou palavras piores). Se agora vamos ligar humanitarismo a dondoquice, tal como fazem os radialistas que querem sangue, ao invés de simplesmente dizer claramente que há hipocrisia, daí vamos fazer outro desserviço à causa humanitária.

Agora, o problema grande. Idelber não diz apenas que os hipócritas estão aplicando de maneira seletiva os direitos humanos, o que estaria ok. Ele também diz que ninguém pode exigir de Estado algum o respeito a qualquer princípio moral, o que inclui princípios humanitários, pelo simples motivos que Estados não seriam seres morais. Ele diz:
Os blogueiros de esquerda [...] deveriam ler [...] algumas lições [...]. A primeira delas é clara: seres humanos podem ser sujeitos morais. Os Estados, não. Os Estados sempre farão política externa segundo seus interesses. [...]

Esperar que um Estado faça política externa movido por considerações morais — e, pior ainda, “decepcionar-se” quando um governo de esquerda não o faz — representa uma confusão entre moral e política, inaceitável para alguém que se diz de esquerda.
Isso tá mal. Se Estados se guiam pelos seus interesses, então Estados são seres morais, pois só seres morais se guiam por interesses, visto que um objeto de interesse é algo que parece bom para alguém.

Assim, Idelber erra ao dizer que Estados não são seres morais. Esse erro o leva a, erroneamente, dizer que quem espera respeito a princípios morais de um governo está confundindo as coisas.

Mas tentemos uma outra leitura. Talvez Idelber aceite que Estados estão no interior da esfera moral, mas esteja dizendo que os princípios morais que guiam e devem guiar os Estados são as vantagens para seus cidadãos, não o certo e o bem. Ele diz:
O dever do presidente do Brasil é zelar pelos cidadãos brasileiros, fortalecer o país, cuidar da enorme dívida social legada pela história, reduzir a desigualdade e conduzir a política externa de forma a facilitar a conquista desses objetivos.
Nessa leitura, tudo o que podemos exigir do presidente é que ele nos fortaleça. Todo o resto não diz respeito ao seu cargo.

Confesso que acho esta visão falha, se o requerido para entendê-la for a aceitação de um certo friedmanismo. Nessa leitura, a visão acima seria friedmaniana, por ser análoga à visão do economista neoliberal Milton Friedman sobre a responsabilidade das empresas. Para Friedman, a única responsabilidade do CEO da Apple ou da Coca-Cola é dar lucro aos acionistas - e foda-se o resto! Isso quer dizer que, para Friedman, falar em responsabilidade social de uma empresa é fazer uma confusão. Talvez Idelber raciocine de maneira análoga para o caso da responsabilidade dos chefes-de-Estado. Não sei.

É claro, Friedman e Idelber estão falando de coisas diferentes: empresas e Estados. Mas essas coisas diferentes têm algo em comum: são instituições. E há algo em comum nas discussões de Friedman e de Idelber: a responsabilidade de certas instituições. É daqui que vem minha analogia entre Friedman e Idelber.

Além de estarem falando de coisas diferentes, ainda que estejam falando da moralidade das instituições, há uma diferença fundamental entre Friedman e Idelber. Friedman diz explicitamente que o único interesse dos acionistas de uma instituição-empresa é o lucro, enquanto Idelber está longe de reduzir os interesses dos cidadão da instituição-Estado à renda, como se vê pelo trecho citado acima. Mas há um elemento em comum: o papel do CEO/presidente é fortalecer a instituição, para que mais de alguma coisa seja distribuído aos membros que a compõe. Ou seja, o esquema de pensamento é o mesmo, a tarefa do condutor é a mesma, mas o objetivo em cada caso é diferente, ainda que não totalmente desvinculado, dado que no mundo real mais dinheiro em caixa é um modo de melhor realizar os fins estatais listados.

Assim, para Friedman a única coisa que um CEO pode fazer é dar mais lucro aos acionistas, enquanto a tarefa do presidente, para Idelber, é zelar pelos cidadãos. Bem, aqui cabe perguntar se não é do maior interesse dos cidadãos de um Estado que seu chefe-de-Estado se manifeste em favor das garantias da humanidade em geral, sempre que tal manifestação pese em favor da aplicação de tais garantias. Por que seria do interesse dos cidadãos? Se não por outros motivos, ao menos porque essa pode ser uma promissória resgatável no futuro, como diz o NPTO:
A crítica de esquerda ao regime cubano, portanto, não é só defesa dos caras que estão apodrecendo na cadeia, ou da totalidade dos cubanos que não podem votar ou se candidatar livremente, mas é também uma defesa de nós mesmos, que não queremos nem ser vítimas futuras nem, suponho, carrascos.
Ou seja, em um mundo onde as garantias humanitárias são frágeis, e nosso futuro é incerto, nossa ação externa presente pode ser um caso de ingerências externas que nos aliviem no futuro.

Em resumo, digo duas coisas, na minha crítica ao problema grande do texto do Idelber. Primeiro, que a crítica dele à hipocrisia daqueles que se passam por defensores dos direitos humanos está em boa ordem. Segundo, que a própria aceitação da visão do Idelber sobre o papel do chefe-de-Estado, de zelar pelos interesses dos cidadãos, requer certo ativismo humanitário, pois isso é do máximo interesse dos cidadãos.
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PT paulista, economia

A Nova Esquerda, o Estado e a Economia – Na Pr�tica a Teoria �Outra:
"Quem viu o PT abandonando o programa econômico em 2002 com a maior desenvoltura nem sempre se tocou que, como notou o Fiori no texto acima, esse programa era bem novo no partido. Grande parte da base não se identificava com o desenvolvimentismo mais do que com o liberalismo. Muito mais importante era aumentar o salário mínimo e redistribuir renda."
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Maio de '68? Lute hoje

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Por que defender liberdade para os dissidentes cubanos?

Já que é um dos assuntos do momento, vamos falar sobre o caso dos presos políticos de Cuba. Minha posição é parecida com a do NPTO. Acho que Lula deve pedir liberdade para os presos políticos cubanos. Acho que nós com simpatias de esquerda perdemos, visto que não convencemos Lula disso. Acho importante insistir com Lula sobre o ponto.

Por quê? Por três motivos.

Primeiro, porque é isso o que nós fazemos: defendemos o direito das pessoas de pensar e de se organizar livremente. A limitação desse direito sempre ofende, seja nos trópicos, seja onde for.


Terceiro, e mais importante, porque o argumento mais em voga entre o pessoal que se diz de esquerda e defende a posição do governo cubano é algo do tipo "nós só precisamos fazer o que é certo se os críticos também fizerem", e este argumento é fraco. Esse tipo de argumento está por trás de todas as respostas que simplesmente justapõem a repressão avalizada pelos críticos de Cuba à repressão cubana. Isso é simples de se fazer, e posso até dar mais material não usado. Tipo, indo para outra querela atual, EUA versus Irã: "Que moral têm os EUA para falar contra o regime repressivo do Irã, visto que todo o sistema econômico dos EUA está em total simbiose com o sistema econômico da China, sendo que a China é muito mais autoritária e truculenta do que o Irã?"

O problema desse tipo de argumento é que ele erra o alvo. Ao invés de falar do que estava em discussão, no caso o tratamendo de Cuba aos dissidentes, o argumento ataca o interlocutor. Além da lógica, tal tipo de resposta abre espaço pra vários problemas, dentre os quais a possibilidade da desconsideração daquilo que preocupava inicialmente, no caso a liberdade e a igualdade. Pois imagine o seguinte diálogo:
Embaixador A: Vocês Bs precisam libertar os dissidentes!
Embaixador B: Só se vocês As reconhecerem que sustentam a repressão aos Bs em Tal-Lugar.
Embaixador A: Tem razão. Mas não queremos fazer tal coisa. Então façamos o seguinte: cada um reprime os seus, e não se fala mais nisso!
A meu ver, tal efeito seria a derrota da liberdade e da igualdade de pessoas concretas. E é por tais prerrogativas dessas pessoas reais que nós lutamos, certo?

É claro que, muitas vezes, argumentamos da maneira falaciosa indicada acima: quando alguém nos acusa de cometer uma barbaridade, respondemos que o interlocutor faz o mesmo. Essa é uma maneira muito comum de argumentar, mas, apesar do autoengano, sabemos muito bem, em tais ocasiões, que estamos agindo mal.

Esse tipo de argumento tem uma variação em circulação, a qual pode (1) comparar o relativamente bom tratamento dado aos dissidentes cubanos nas prisões ao tratamento absolutamente brutal dado aos "suspeitos de terrorismo" nos calabouços egípcios patrocinados pelos EUA e pela Inglaterra, e (2) alegar que os opositores em geral só podem se queixar caso o outro lado se aprume. Novamente, aqui se erra o alvo, pois não é isso o que se discute. Mas também há outro problema: talvez o crítico não seja um burocrata do governo federal dos EUA ou do reino da Inglaterra. Nesse caso a generalização precipitada colocaria no mesmo saco os defensores das práticas dos EUA/Inglaterra e os defensores dos direitos humanos da Anistia Internacional, o que seria falacioso.

No fundo, se bem entendo, o ponto do NPTO é que temos que defender que se faça o que é certo em boas bases. Acho, também, que essa é uma das coisas boas que as esquerdas em geral podem dar ao debate público sobre esse e outros assuntos, mantendo os princípios, isto é defendendo a igualdade e a liberdade das pessoas que fazem parte deste mundo, não importando origem, etnia, credo, cor ou gênero. Esta seria uma contribuição bem melhor do que a dos caras engraçados e bem-pagos que vociferam contra Cuba em fóruns e jornais, não não estão de fato preocupados com a repressão política por exemplo em Honduras. Nós estamos, e devemos estar.

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América do Sul e Brasil por Bruce Sterling (Igualdade e liberdade)

O escritor Bruce Sterling fez comentários sobre a América do Sul e o Brasil no seu blog na revista Wired. Sobre a esquerda governante do nosso subcontinente, ele escreveu:
Estes esquerdistas se revelaram como grandes democratas que trouxeram estabilidade e prosperidade às suas sofridas populações, ao invés de comunistas sanguinários inclinados à destruição da propriedde privada.
Ele se espanta com o fato do Brasil, com tanto potencial a tanto tempo, só ter se tornado uma potência mundial nas mãos de um torneiro mecânico. Como é do seu costume, o texto de Sterling trata do que é sério de maneira leve:
[...] não entendo como o Brasil de alguma maneira evitou se tornar uma superpotência até que um sindicalista fosse eleito. Afinal de contas, um colosso como esse ter um perfil global tão discreto por tantos séculos, sem ter perdido uma grande guerra territorial, nem nada... Os brasileiros devem ser seus próprios piores inimigos. Ou isso, ou as caipirinhas, admito.
Também não entendo muito bem como isso aconteceu, sr. Sterling, e acho que você está na pista certa. Não todos, mas alguns brasileiros, aqueles que se adonam de recursos públicos, e são bem ricos, são nossos piores inimigos. A relação dos bens declarados e não declarados desses brasileiros, e a história de como foram adquiridos, ajuda a entender como o Brasil evitou, por tanto tempo, vir a ser a potência que agora é.

A história de usurpação de recursos e concentração da renda começa a mudar, e também começa a mudar o perfir global do Brasil. Com mais justiça, o Brasil está vindo a ser o que deve ser, para a população e para o mundo.
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A Crise da Extrema Esquerda

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo "risco Lula" -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.
O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.

Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.

Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do "mensalão". Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos. A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade.

Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a "assistencialismo", mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do "asisistencialismo" do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por "alguns centavos", mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

Emir Sader é sociólogo e professor.

Publicado originalmente no Blog do Emir

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