EM PREPARO UMA HERANÇA MALDITA

EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
6/9/2009

O Brasil vive a era das contrarreformas, com o governo empenhado em desfazer alguns dos mais importantes avanços institucionais dos anos 90 e do início desta década, diz o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola em artigo publicado no Estado da última segunda-feira. Há uma contrarreforma fiscal, uma previdenciária e outra do Estado. Já se delineia uma quarta, trabalhista, proposta pelas centrais sindicais e apoiada publicamente pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, com o beneplácito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente do BC sintetizou numa palavra a tendência dominante no governo e já apontada em mais de um comentário nesta página: promover um retrocesso histórico, desfazendo alguns dos principais fatores da modernização recente do País. Sem esses fatores, a economia brasileira não teria alcançado o vigor necessário para resistir sem danos muito importantes à crise internacional iniciada há dois anos.

O governo federal tem sido elogiado pelas medidas de estímulo econômico adotadas a partir do ano passado quando a crise nos atingiu. As únicas medidas sérias foram aquelas tomadas pelo BC - para aumentar o crédito bancário e as operações de apoio aos exportadores - e a redução de impostos para alguns setores. O espaço para o alívio tributário teria sido muito menor, se o governo federal não houvesse mantido, embora com empenho cada vez menor, a política de metas fiscais inaugurada pela administração anterior. A relativa estabilidade de preços é uma conquista consolidada pelo regime de metas de inflação. Também o fortalecimento do setor externo é o resultado de longo prazo de estratégias adotadas há muito tempo, como privatização de grandes empresas exportadoras, a modernização agrícola, a abertura da economia brasileira e o câmbio flexível.

Mas esse governo, beneficiário das ações de modernização empreendidas em gestões anteriores, se mostra empenhado, cada vez mais claramente, em desenterrar os vícios do passado. A maior parte da expansão fiscal dos últimos 12 meses - e dos últimos anos - foi causada não pelo investimento crescente, mas pelo continuado aumento das despesas de custeio, especialmente dos gastos com a folha de pessoal. Passada a crise, não haverá como interromper a expansão do gasto ocorrida neste período, porque a elevação das despesas foi concentrada nas despesas permanentes.

Em 2010 o Orçamento federal será mais inflexível que nos anos anteriores, porque não se cortam facilmente a folha de salários e os encargos trabalhistas. Da mesma forma, os gastos previdenciários terão muito mais que um crescimento vegetativo, não só pelo aumento do salário mínimo, mas também pelas vantagens prometidas a aposentados com rendimentos superiores ao mínimo. Mas as mudanças negociadas pelo governo com as centrais sindicais são mais amplas e deverão resultar, se concretizadas, no enfraquecimento do chamado fator previdenciário, criado para desestimular as aposentadorias precoces. O mesmo acordo envolveu a prorrogação, até 2023, da fórmula de aumento do salário básico. Da parte do governo, foi mais uma notável demonstração de irresponsabilidade e demagogia.

Também no sentido do retrocesso vão os esforços, iniciados na primeira gestão petista, para sujeitar as agências de regulação aos interesses partidários e eleitorais dos grupos no governo e para restabelecer os níveis de intervenção estatal observados até o começo dos anos 90.

Nesse sentido, a divulgação das normas para o pré-sal completa de forma ominosa o quadro do retrocesso com a adoção, pelo governo, de um projeto nacional-estatizante de exploração do petróleo que, segundo declarações do ministro de Minas e Energia, deverá ser seguido por outro do mesmo tipo para a área de mineração. Preferimos acreditar que não se trata de uma adesão "ideológica" ao modelo autoritário bolivariano, do caudilho venezuelano Hugo Chávez, mas de um mero e lamentável "erro de cálculo" do presidente Lula, que acreditou que o nacional-estatismo tem maiores possibilidades de salvar a insossa candidatura Dilma Rousseff do que a continuação com as políticas que lhe granjearam a popularidade que desfruta hoje.


Mas, seja como for, seu sucessor pode ir se preparando para receber pesada herança maldita.
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O enterro da restrição à Net



Se era para restringir a liberdade de expressão, regulamentar o uso do caixa 2, livrar os partidos da responsabilidade por dívidas de campanha, reiterar o registro de candidatos processados e ainda cair no ridículo tentando controlar o que se passa na internet, teria sido melhor o Congresso não mexer na Lei Eleitoral.

Indolente no que tange à reforma política há quase duas décadas na agenda das providências inadiáveis, Câmara e Senado são diligentes em relação a adaptações da legislação eleitoral aos seus interesses de ocasião.

É praxe: toda eleição nacional é precedida de modificações que visam a atender as conveniências dos partidos, em geral buscando sanar dificuldades enfrentadas no pleito anterior.

Com tanto a ser melhorado no sistema político-partidário, com tanto a ser corrigido nas normas que regem a relação entre representantes e representados, o Parlamento neste ano escolheu criar novos e gravíssimos defeitos. Perdeu excelente oportunidade de ficar calado.

Sua habitual tendência à omissão desta vez teria sido excelente conselheira.

Consta que a ideia dos parlamentares seria a de se antecipar a possíveis ações da Justiça Eleitoral, legislando preventivamente contra o rigor do Tribunal Superior Eleitoral, em 2010 presidido pelo imprevisível ministro Joaquim Barbosa.

Seja qual tenha sido a intenção, o resultado saiu bem pior que a encomenda.

O ponto mais discutido é a imposição de restrições a manifestações pela internet, estendendo ao ambiente da rede mundial já absurda regra local que proíbe a emissão de opiniões sobre candidatos no rádio e na televisão e obriga as emissoras a concederem a todos os concorrentes o mesmo espaço. Independentemente de serem competitivos ou meramente decorativos na disputa.

A Câmara aprovou, o Senado corroborou a posição na Comissão de Constituição e Justiça, mas senadores prometem corrigir a distorção na votação em plenário na semana que vem.

As outras permanecerão intactas, por aceitas pela maioria. Por exemplo, as doações de dinheiro feitas aos partidos podem ser repassadas aos candidatos sem a obrigação da divulgação do nome do doador.

As chamadas "doações ocultas" são defendidas sob o argumento de que atendem ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual os mandatos pertencem aos partidos e não aos candidatos.

Uma incongruência, pois a norma seguinte livra os partidos de punições por dívidas de candidatos ou de seções regionais das legendas. Ora, num caso vale a regra da responsabilidade dos partidos e no outro aplica-se o conceito oposto. Na hora de receber dinheiro, o partido prevalece. Na hora de arcar com eventuais danos, transfere-se o ônus.

Em relação ao uso da internet há várias propostas. A mais marota - pior, portanto - é a do relator Eduardo Azeredo, um defensor aguerrido da imposição de controle ao incontrolável. Ele sugere sanar o problema introduzindo no texto uma referência "explícita" à liberdade de expressão.

Chove no molhado, pois com ela ou sem ela, se provocado o STF obviamente derrubará o dispositivo por inconstitucional. Exatamente por ferir o direito da livre manifestação.

A proposta menos pior é a do líder do PT, Aloizio Mercadante, que simplesmente retira do projeto quaisquer restrições. A sugestão seria a melhor se estendesse a revogação às emissoras de rádio e televisão. Por serem concessões do Estado entende-se que devem ser submetidas a controle.

Ora, e desde quando o Estado está autorizado a controlar informações e opiniões? É uma forma aberta e oficializada de censura prévia.

Surpreendidos pelas críticas, os senadores quebram a cabeça para encontrar uma forma de sair dessa sinuca que, na verdade, não tem saída a não ser a desistência pura e simples de qualquer proibição.

Se mantiverem, serão desmoralizados pela Justiça e principalmente pela impossibilidade prática de construir barreiras num universo sem fronteiras.

Na prática

Antes de o PT conferir alguma viabilidade a projetos eleitorais para o deputado e ex-ministro Antonio Palocci, é preciso combinar o jogo com a opinião pública e a lógica dos fatos.

Palocci livrou-se de um processo no Supremo. Mas não se livrou da votação apertada em que todos os ministros reiteraram que houve realmente a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos.

Não se livrou da evidência de que pode até não ter sido o mandante, mas foi usuário comprovado do crime.

Tampouco está livre da condição de cúmplice da transgressão, uma vez que recebeu o produto da quebra do sigilo, mas não denunciou - e, portanto, prevaricou - o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, a quem o STF atribui o ilícito.

Com esse passivo nas costas, são grandes as chances de a saída de uma campanha eleitoral ser ainda mais traumática e danosa, em termos de imagem, que a entrada.
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Um ogro perdido,,,


''Coalizão ao redor da Dilma tem hegemonia moral e intelectual fraca''

Cotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes em 2010, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) afirma que fará "tudo o que puder" para não ser candidato a governador de São Paulo. "Não é meu plano, não é meu projeto, eu considero estranho", declarou o parlamentar, que disse pretender concorrer à Presidência na próxima eleição.

Ciro é contra a tese defendida por Lula, para quem seria melhor a disputa plebiscitária, restrita a PT e PSDB. "A política brasileira não se acomoda nos nossos planos, no plano do amigo Lula de estabelecer um plebiscito maniqueísta: dizer quem gosta de mim vota aqui, quem não gosta vota acolá."

Ex-ministro da Integração Nacional de Lula, ele questiona a relação do PT com o PMDB, partido cortejado pelo presidente para dar sustentação à campanha de sua pré-candidata, ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), a quem Ciro diz faltar "experiência política". "Agora a coalizão que se desenha ao redor da Dilma é essa coalizão cuja hegemonia moral e intelectual é frouxa e deriva do excesso de concessões que o PT está fazendo a um setor, fisiológico, clientelista e patrimonialista, de cuja caricatura o Brasil teve notícia recente na crise do Senado. Isso é só a casquinha da ferida."

Com fama de intempestivo, admite ter feito "bobagens inomináveis" em sua carreira. "Tenho o hábito da franqueza. A cultura política brasileira exige muito mais moderação."

Por que não atender a um pedido do presidente e entrar já na corrida pelo governo de São Paulo?

Por duas razões. Primeiro, ele nunca me pediu isso. O que ele faz é uma análise, que idealiza, que o bom para a nossa tropa seria juntar todo mundo e fazer um embate plebiscitário. Embora, se eu quisesse ser candidato, seria o último a fazer obstáculo. Eu disse: "Presidente, eu seria o último a criar constrangimento para um projeto que tem feito bem para o País. Mas, na minha compreensão, essa tática está errada. São necessárias, no mínimo, duas candidaturas." Combinamos, então, o seguinte: vamos seguir conversando, examinando o andar da carruagem e deliberaremos em fevereiro.

Mas antes tem a questão do domícílio eleitoral, que deve ser resolvida, pela legislação, até outubro.

Aí ele pondera: "Qual o problema de você transferir o seu domicílio para São Paulo, manter a sua candidatura para presidente e deixar as portas abertas para lá em fevereiro a gente decidir?" Eu disse: "Não desejo, nunca foi meu plano, acho estranho, porém me sinto extremamente honrado com essa lembrança e sei que não posso fazer o que quero." Eu deleguei ao partido a faculdade de amadurecer isso. E o Eduardo (Campos, presidente do PSB) pediu 30 dias, que expiram lá pelo 25 de setembro.

A decisão do STF de não acolher denúncia contra o deputado Antonio Palocci , cotado para a disputa pelo PT, influenciou sua decisão?

Não tem fundamento nenhum. Tudo o que eu puder fazer para não ser candidato a governador de São Paulo, eu farei. Voltando a repetir que me sinto extremamente honrado com a lembrança. Mas não é meu plano, não é meu projeto, eu considero estranho. Mas, se no fim for a vontade do coletivo a que pertenço, não vai ver ninguém com mais entusiasmo que eu.

A mudança do domicílio eleitoral será um passo pró-candidatura.

Não. Claro que vai criar um tumulto. Por isso estou pedindo para o partido examinar. No dia em que eventualmente tiver de mudar o domicílio, reafirmarei minha candidatura à Presidência. No mesmo dia. As pessoas perguntarão: "Então para que transferir o título?" Eu direi: "Boa pergunta. Remeta ao PSB."

A demora em decidir não prejudica a vida do PT, que não tem um candidato natural em São Paulo?

Sim. Mas, se quiserem ter, como não desejo, qual o problema? E se for o Palocci, melhor. Querido amigo, companheiro.

O sr. é a favor de outra candidatura para forçar o segundo turno ou por uma questão programática?

As duas coisas. A primeira é programática. É a coalizão, é a afirmação de um centro de hegemonia moral e intelectual mais dura na direção de um projeto para o País. A segunda é tática. Tenho dúvida se vale a pena correr o risco de um mano a mano em que o futuro do País é decidido sem a sociedade se afirmar. A presença da Marina no processo diz quanta razão eu tinha. A política brasileira não se acomoda nos nossos planos, no plano do amigo Lula de estabelecer um plebiscito maniqueísta: dizer quem gosta de mim vota aqui, quem não gosta vota acolá.

Na eleição passada, houve candidaturas, como as de Cristovam Buarque (PDT-DF) e de Heloísa Helena (PSOL-AL), que não quebraram o embate plebiscitário.

Antes tinha o Lula candidato.

Então o sr. acha que a Dilma é uma candidata pior do que Lula?

Nenhum brasileiro tem a exuberância popular do Lula. Portanto, nem comparação.

Se a questão também é programática, por que não se associa à candidatura governista?

Isso acontecerá com a mediação do povo. Já sou parceiro e estou perdendo. Perco todo dia. Outro dia denunciei um absurdo: R$ 180 bilhões de crédito de IPI para a exportação. Ilegal. Tive 160 votos contra 260. Quem comandou? A coalizão, relator do PT. Fui conversar com o presidente, ele vai vetar. É assim que as coisas estão. Você chega aqui, o cara quer mão de obra para todo serviço relevante. E não é o Paulo Renato, o Palocci. É o Eduardo Cunha (PMDB). E todo mundo ri. Fico só eu encarregado de dizer essas coisas.

O sr. é contra a aliança que dá sustentação política ao governo?


O problema não é aliança, que é legítima. É que tipo de hegemonia moral e intelectual a preside. A coalizão que se desenha ao redor da Dilma é essa coalizão cuja hegemonia moral e intelecutal é frouxa e deriva do excesso de concessões que o PT está fazendo a um setor, fisiológico, clientelista e patrimonialista, de cuja caricatura o Brasil teve notícia recente na crise do Senado. Isso é só a casquinha da ferida. Aqui na Câmara está do mesmo jeito. As coisas por aí afora do governo estão desse jeito. O País não aguenta. Só o Lula aguenta.

Então o presidente errou na construção dessa aliança?


Não, não errou. É ele e sua circunstância. O Lula no primeiro mandato não fez essa concessão. E quase o derrubaram com o escândalo do dito mensalão. Por causa do trauma, no segundo mandato faz isso.

À época, ele abrira mão do PMDB.

Isso não é só PMDB. O PMDB tem um problema. É uma grande frente de lideranças regionais, sem projeto para o País, com uma responsabilidade central na formação da vontade do País. Não se reúne, não tem proposta, não tem candidato. Isso é um legado insepulto da ditadura. E agora você vai conceder? Quer chamar o PMDB para conversar, chama o Simon. Converso com ele de olho fechado.

Lula prefere conversar com o Renan Calheiros (AL), José Sarney (AP), Jader Barbalho (PA)?

Isso você está dizendo. Acho que o Lula fez um cálculo. Ruim com eles, pior sem eles. Esse é um cálculo da circunstância do Lula.

O governo é moralmente frouxo?

Você está louca para eu falar mal do governo. A hegemonia moral e intelecutal que atualmente preside a relação do PT com o PMDB é frouxa. Lula está num cálculo compreensível: ruim assim, pior sem isso.

Esse cálculo passa pela eleição?

De forma crescente. O que agrava o equívoco.

O PMDB vai trair Lula?

Isso você é que está dizendo. A questão não é essa. Vamos entender o PMDB. O PMDB é meu aliado no Ceará. Sem nenhum problema. É um partido respeitabilíssimo. Não é essa a questão. A questão é: Quércia vai ser o vice da Dilma? Jader? No Rio, o chefe é o (Jorge) Picciani. O Newton Cardoso é chefe do PMDB de Minas. No Rio Grande do Sul, é o (deputado Eliseu) Padilha.

É erro negociar com eles?

O único erro é fazer aliança, seja com quem for, sem uma hegemonia moral e intelectual clara. Vou me juntar com alho, bugalho, gato, cachorro, diamante e passarinho. Uma contradição intrínseca, mas o objetivo é reformar o País.

Por esse argumento, aliança com qualquer um é justificável? O sr. foi criticado por se aliar com o Paulinho, da Força, investigado pela PF na Operação Santa Tereza.

Depende da hegemonia moral e intelectual. Por que o Paulinho já foi meu aliado e não me arrependo? Fiz aliança com o PDT, que o indicou para vice (em 2002). Não cabe a mim fazer juízo até porque, na data, não havia nada com ele, como não há. Vou pagar politicamente, faz parte do debate, mas comigo não tem vacilação.

O sr. apoia a política fiscal de Lula, acusada de aumento dos gastos?


Como se apura sanidade fiscal? Fluxo e estoque. Não há governo mais fiscalmente responsável na história moderna.

E a qualidade dos gastos?


É deplorável. Mas melhorou também. Hoje não há mais fome de massa. Isso é qualidade de gasto. Pelo menos, para os valores que eu cultivo. E essa gente torce o nariz para isso.

Como pré-candidato, o que o sr. acha que faltou no governo atual?

A não-institucionalização dos avanços é o mais grave. Política de salário mínimo, crédito, política da Petrobrás, dos bancos públicos, tudo isso é Lula contra o governo, contra o próprio governo. Os avanços são completamente dependentes do mané, do fulano do dia.

A Dilma é capaz de avançar nisso?

Perfeitamente. Na política, a questão é o homem e a circunstância. À Dilma só falta um atributo: experiência política.

Então ela não está preparada?

Você que está dizendo. Está preparada para qualquer tarefa, depende da circunstância.

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), é mais preparado?

Isso é você quem está dizendo. Não vai colocar frase na minha boca.

Quem é um candidato melhor: Serra ou Dilma?

Eu. Não é por nada, não. Sou o mais treinado. Evidentemente, tenho minhas debilidades também. Lamentavelmente, não há nenhum anjo disponível.

Quais são suas debilidades?

Tenho um partido médio. Tenho uma indignação que às vezes se traduz em gestos interpretados como intempestividade. A gente aprende. Comecei cedo. Fui prefeito de capital aos 29 anos. Fui o mais jovem governador do País, com 32 anos. Não tinha manual, fui fazendo. Tenho o hábito da franqueza. A cultura política brasileira exige muito mais moderação. Aprendi na luta, errando.

Na campanha de 2002, do que o sr. se arrepende?

Não me arrependo de nada. Eu fiz grandes bobagens, nenhuma delas moral.

Quais?

Sou eu que vou lembrar? Nem pensar... Já me purguei dramaticamente por isso. Foram bobagens inomináveis.

O sr. chamou um eleitor de burro.

Eleitor, olha como as pessoas chamam. Não foi um ouvinte que me agrediu pelo telefone, de uma entrevista fraudada de madrugada com a câmera da Globo e virando comercial do Serra na TV? Claro que dei minha contribuição, mas escapei de mais mil. Caí em duas.

Estadão
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O Sete de Setembro, Marina Silva e Outras Abobrinhas Bem (?) Temperadas.

Amanhã comemora-se o Sete de Setembro. Sem entrar em um longo e cansativo debate historiográfico sobre o caráter conservador e excludente de nossa independência, vocês sabem o que de fato me incomoda nesta data? É perceber que uma parcela significativa da população não tem a menor noção do porquê deste feriado. E pior: não necessariamente é aquela parcela com menor escolaridade...

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E por falar na Independência do Brasil, uma figura ímpar da nossa História que não pode ser esquecida é a de José Bonifácio de Andrada e Silva. Embora conservador em política, Bonifácio defendia o fim do trabalho escravo, o confisco das propriedades improdutivas e o fim dos privilégios concedidos aos comerciantes estrangeiros. Ou seja, um dia o Brasil já teve conservadores lúcidos. Porém, atualmente, quando olhamos para nosso parlamento, os conservadores que vemos são figuras do porte de um Demóstenes Torres, de um Ronaldo Caiado, de um Heráclito Fortes, de um ACM Neto e de outros nomes que pessoas bem-educadas devem evitar pronunciar... Décadence sans élégance.

Em tempo: quem quiser saber um pouco mais sobre a vida e a obra de um dos mais interessantes personagens da História do Brasil, não pode deixar de visitar o site José Bonifácio - Obra Completa, coordenado pelo jornalista e historiador Jorge Caldeira, que pretende vir a ser o maior acervo de documentos sobre este estadista oitocentista. Atualmente, ele já reúne uma quantidade de material suficiente para a edição de quase quatro dezenas de livros de mais de 300 páginas cada um.

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Em entrevista publicada em “O Globo” de hoje (05/09), foi perguntado à nova queridinha da mídia, a Senadora Marina Silva, se era incômodo para ela ter o Deputado Zequinha Sarney como um destacado membro do PV. A resposta da brava tribuna acreana foi a seguinte:

O fato de ser filho do presidente Sarney não significa que tenha que se responsabilizar por algo. Se eu cometer um erro, não quero que meus filhos sejam tratados com preconceito. Minha posição em relação ao Deputado Zequinha Sarney tem a ver com a trajetória dele no Ministério do Meio Ambiente. Dei continuidade a muitas políticas que encontrei. Ele goza do respeito da comunidade ambientalista.

Das duas uma: ou a nobre senadora, de fato, tem “Pollyana” e “Pollyana Moça” como livros de cabeceira (além de “O Menino do Dedo Verde”, é claro!) ou ela - que sempre cultivou a imagem de combativa, idealista e intransigente na defesa de seus princípios – está aprendendo de forma bastante rápida as artimanhas da realpolitik...
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Para quem não o conhece, André Dahmer é um dos melhores quadrinistas brasileiros da atualidade. Politicamente incorretas, na maioria das vezes (Graças a Deus! Ainda há cabeças pensantes neste mundo!), suas tirinhas - como a que reproduzo abaixo - vão direto na ferida.

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Tá bom. Dou o braço a torcer: o Dunga está fazendo um bom trabalho na seleção. Não há dinheiro que pague a cara do Maradona depois de mais uma derrota para o Brasil. E é em homenagem a Dom Diego que compartilho com vocês o tango “Cambalache”, de Enrique Santos Discépolo, na voz de Carlos Gardel. Seus versos iniciais são perfeitos: Que el mundo fue y será una porquería, ya lo sé,/en el quinientos seis y en el dos mil también;/que siempre ha habido chorros,/maquiávelos y estafáos,/contentos y amargaos, valores y dublé (...)


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Reflexão...

Diz um filósofo que toda morte de uma criança é a refutação da existência de Deus. Eu acho que cada morte de uma criança enfatiza o mistério no qual estamos mergulhados, e que não é silencioso: ele fala alto. Então nos atordoamos para não ouvir, fugimos dele para não o perceber, recorremos a mil atividades e distrações numa agitação insana – horários, compromissos e prazeres, buscamos e perdemos, corremos e não chegamos nunca, nem sabemos aonde queremos ir.

Eu nunca tinha visto uma criancinha morta. Nunca tinha ido ao velório de uma, e quase me acovardei, quase não fui. Mas o carinho pela família, e por essa menininha que tantas vezes vi correndo e brincando, com a qual tive alguns diálogos deliciosos, me deu coragem. E fui. Alguém murmurou: parece uma boneca numa caixinha. Ela, a pequena, serenada do sofrimento que ocupou quase todo o espaço dos seus poucos anos, dormia o seu sono enigmático. Nós, adultos de todas as idades, chorávamos. Uns pela perda da pessoazinha amada, outros condoídos pela dor dos amigos, outros, ainda, esmagados pela fragilidade que a doença, o sofrimento e a morte nos fazem sentir.

Amor e devoção imensos iluminaram a vida dessa criança e a todos ao redor. Esse foi talvez o legado maior que a menininha que partiu nos deixou: ao lado da dor e da aniquilação, do desespero e do medo, também existem o bom, o belo, o forte, o amoroso, a devoção e a lealdade – mesmo que tanta coisa fora de nós, de nossa casa e nossas amizades nos pareça decadente ou ameaçadora. Pois todo dia ao acordar somos assaltados por notícias que causam melancolia ou indignação, visões de cinismo, conchavos perversos, desprezo pela honra e falta de modelos positivos. Pouco se faz. Nada se faz. Vivemos ao ritmo desse triste refrão: "as coisas são assim mesmo", "é a vida", "política é isso", "impossível administrar a violência", "o narcotráfico manda em toda parte", "uma maconhazinha só não faz mal", "ninguém tem nada a ver com minha vida", "não adianta querer mudar", e assim por diante.

Por toda parte, famílias em crise. Pais omissos ou ocupados demais não sabem o que fazem filhas de 10 anos em festinhas sem o cuidado de adultos; pré-adolescentes transam, curtem bebida, maconha ou drogas pesadas, depois que o primeiro cigarrinho abriu as portas. Numa grande festa, jovenzinhos bêbados ou drogados vomitam ou dormem nos banheiros de um clube elegante. Adultos passam cuidando para não sujar os sapatos. Só acontece algo quando uma dessas crianças passa realmente mal, e é preciso chamar a ambulância. Onde estão os pais? Vão me achar rigorosa demais, mas eu insisto: onde estão os pais? Sabem onde andam os filhos, com quem convivem nas longas horas fora de casa, têm consciência do quanto são responsáveis? Este é um dos dramas da maternidade e paternidade: teve filho, é responsável. Quem ama cuida. E que seja com alegria, ou não vale. Não funciona. É de mentira.

Escrevo essas coisas rudes, pelo seu contraste com meu verdadeiro assunto: uma criança, enferma a maior parte de sua vida, e sua família provaram que neste mundo também existe verdadeiro amor, que é dedicação. Sem saber, ela ensinou os outros a ser ainda mais unidos e mais amorosos, eles que tudo dariam para preservar a luz daquele seu tesouro, mas tiveram de se render ao destino, à enfermidade, à morte – não importa o nome. Junto com o sofrimento, ficaram para sempre a claridade, a doçura e a força que vão continuar emanando dessa dura experiência transformadora, e daquela figura travessa, inquieta, corajosa, de grandes olhos escuros que me fitaram tão sérios quando lhe perguntei brincando:

– Você não quer um dia desses dar uma volta comigo na minha vassoura de bruxa?

Sem traço de dúvida ou hesitação, ela disse:

– Eu quero!

Menininha que iluminou este mundo tantas vezes feio e cruel, você vai continuar entre nós, na memória de sua passagem breve como a de uma lanterna mágica que vara o céu. Mas esse passeio eu fiquei te devendo. Um dia, quem sabe, quando todos formos poeira de estrelas.

Lya Luft
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