''Coalizão ao redor da Dilma tem hegemonia moral e intelectual fraca''
Ciro é contra a tese defendida por Lula, para quem seria melhor a disputa plebiscitária, restrita a PT e PSDB. "A política brasileira não se acomoda nos nossos planos, no plano do amigo Lula de estabelecer um plebiscito maniqueísta: dizer quem gosta de mim vota aqui, quem não gosta vota acolá."
Ex-ministro da Integração Nacional de Lula, ele questiona a relação do PT com o PMDB, partido cortejado pelo presidente para dar sustentação à campanha de sua pré-candidata, ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), a quem Ciro diz faltar "experiência política". "Agora a coalizão que se desenha ao redor da Dilma é essa coalizão cuja hegemonia moral e intelectual é frouxa e deriva do excesso de concessões que o PT está fazendo a um setor, fisiológico, clientelista e patrimonialista, de cuja caricatura o Brasil teve notícia recente na crise do Senado. Isso é só a casquinha da ferida."
Com fama de intempestivo, admite ter feito "bobagens inomináveis" em sua carreira. "Tenho o hábito da franqueza. A cultura política brasileira exige muito mais moderação."
Por que não atender a um pedido do presidente e entrar já na corrida pelo governo de São Paulo?
Por duas razões. Primeiro, ele nunca me pediu isso. O que ele faz é uma análise, que idealiza, que o bom para a nossa tropa seria juntar todo mundo e fazer um embate plebiscitário. Embora, se eu quisesse ser candidato, seria o último a fazer obstáculo. Eu disse: "Presidente, eu seria o último a criar constrangimento para um projeto que tem feito bem para o País. Mas, na minha compreensão, essa tática está errada. São necessárias, no mínimo, duas candidaturas." Combinamos, então, o seguinte: vamos seguir conversando, examinando o andar da carruagem e deliberaremos em fevereiro.
Mas antes tem a questão do domícílio eleitoral, que deve ser resolvida, pela legislação, até outubro.
Aí ele pondera: "Qual o problema de você transferir o seu domicílio para São Paulo, manter a sua candidatura para presidente e deixar as portas abertas para lá em fevereiro a gente decidir?" Eu disse: "Não desejo, nunca foi meu plano, acho estranho, porém me sinto extremamente honrado com essa lembrança e sei que não posso fazer o que quero." Eu deleguei ao partido a faculdade de amadurecer isso. E o Eduardo (Campos, presidente do PSB) pediu 30 dias, que expiram lá pelo 25 de setembro.
A decisão do STF de não acolher denúncia contra o deputado Antonio Palocci , cotado para a disputa pelo PT, influenciou sua decisão?
Não tem fundamento nenhum. Tudo o que eu puder fazer para não ser candidato a governador de São Paulo, eu farei. Voltando a repetir que me sinto extremamente honrado com a lembrança. Mas não é meu plano, não é meu projeto, eu considero estranho. Mas, se no fim for a vontade do coletivo a que pertenço, não vai ver ninguém com mais entusiasmo que eu.
A mudança do domicílio eleitoral será um passo pró-candidatura.
Não. Claro que vai criar um tumulto. Por isso estou pedindo para o partido examinar. No dia em que eventualmente tiver de mudar o domicílio, reafirmarei minha candidatura à Presidência. No mesmo dia. As pessoas perguntarão: "Então para que transferir o título?" Eu direi: "Boa pergunta. Remeta ao PSB."
A demora em decidir não prejudica a vida do PT, que não tem um candidato natural em São Paulo?
Sim. Mas, se quiserem ter, como não desejo, qual o problema? E se for o Palocci, melhor. Querido amigo, companheiro.
O sr. é a favor de outra candidatura para forçar o segundo turno ou por uma questão programática?
As duas coisas. A primeira é programática. É a coalizão, é a afirmação de um centro de hegemonia moral e intelectual mais dura na direção de um projeto para o País. A segunda é tática. Tenho dúvida se vale a pena correr o risco de um mano a mano em que o futuro do País é decidido sem a sociedade se afirmar. A presença da Marina no processo diz quanta razão eu tinha. A política brasileira não se acomoda nos nossos planos, no plano do amigo Lula de estabelecer um plebiscito maniqueísta: dizer quem gosta de mim vota aqui, quem não gosta vota acolá.
Na eleição passada, houve candidaturas, como as de Cristovam Buarque (PDT-DF) e de Heloísa Helena (PSOL-AL), que não quebraram o embate plebiscitário.
Antes tinha o Lula candidato.
Então o sr. acha que a Dilma é uma candidata pior do que Lula?
Nenhum brasileiro tem a exuberância popular do Lula. Portanto, nem comparação.
Se a questão também é programática, por que não se associa à candidatura governista?
Isso acontecerá com a mediação do povo. Já sou parceiro e estou perdendo. Perco todo dia. Outro dia denunciei um absurdo: R$ 180 bilhões de crédito de IPI para a exportação. Ilegal. Tive 160 votos contra 260. Quem comandou? A coalizão, relator do PT. Fui conversar com o presidente, ele vai vetar. É assim que as coisas estão. Você chega aqui, o cara quer mão de obra para todo serviço relevante. E não é o Paulo Renato, o Palocci. É o Eduardo Cunha (PMDB). E todo mundo ri. Fico só eu encarregado de dizer essas coisas.
O sr. é contra a aliança que dá sustentação política ao governo?
O problema não é aliança, que é legítima. É que tipo de hegemonia moral e intelectual a preside. A coalizão que se desenha ao redor da Dilma é essa coalizão cuja hegemonia moral e intelecutal é frouxa e deriva do excesso de concessões que o PT está fazendo a um setor, fisiológico, clientelista e patrimonialista, de cuja caricatura o Brasil teve notícia recente na crise do Senado. Isso é só a casquinha da ferida. Aqui na Câmara está do mesmo jeito. As coisas por aí afora do governo estão desse jeito. O País não aguenta. Só o Lula aguenta.
Então o presidente errou na construção dessa aliança?
Não, não errou. É ele e sua circunstância. O Lula no primeiro mandato não fez essa concessão. E quase o derrubaram com o escândalo do dito mensalão. Por causa do trauma, no segundo mandato faz isso.
À época, ele abrira mão do PMDB.
Isso não é só PMDB. O PMDB tem um problema. É uma grande frente de lideranças regionais, sem projeto para o País, com uma responsabilidade central na formação da vontade do País. Não se reúne, não tem proposta, não tem candidato. Isso é um legado insepulto da ditadura. E agora você vai conceder? Quer chamar o PMDB para conversar, chama o Simon. Converso com ele de olho fechado.
Lula prefere conversar com o Renan Calheiros (AL), José Sarney (AP), Jader Barbalho (PA)?
Isso você está dizendo. Acho que o Lula fez um cálculo. Ruim com eles, pior sem eles. Esse é um cálculo da circunstância do Lula.
O governo é moralmente frouxo?
Você está louca para eu falar mal do governo. A hegemonia moral e intelecutal que atualmente preside a relação do PT com o PMDB é frouxa. Lula está num cálculo compreensível: ruim assim, pior sem isso.
Esse cálculo passa pela eleição?
De forma crescente. O que agrava o equívoco.
O PMDB vai trair Lula?
Isso você é que está dizendo. A questão não é essa. Vamos entender o PMDB. O PMDB é meu aliado no Ceará. Sem nenhum problema. É um partido respeitabilíssimo. Não é essa a questão. A questão é: Quércia vai ser o vice da Dilma? Jader? No Rio, o chefe é o (Jorge) Picciani. O Newton Cardoso é chefe do PMDB de Minas. No Rio Grande do Sul, é o (deputado Eliseu) Padilha.
É erro negociar com eles?
O único erro é fazer aliança, seja com quem for, sem uma hegemonia moral e intelectual clara. Vou me juntar com alho, bugalho, gato, cachorro, diamante e passarinho. Uma contradição intrínseca, mas o objetivo é reformar o País.
Por esse argumento, aliança com qualquer um é justificável? O sr. foi criticado por se aliar com o Paulinho, da Força, investigado pela PF na Operação Santa Tereza.
Depende da hegemonia moral e intelectual. Por que o Paulinho já foi meu aliado e não me arrependo? Fiz aliança com o PDT, que o indicou para vice (em 2002). Não cabe a mim fazer juízo até porque, na data, não havia nada com ele, como não há. Vou pagar politicamente, faz parte do debate, mas comigo não tem vacilação.
O sr. apoia a política fiscal de Lula, acusada de aumento dos gastos?
Como se apura sanidade fiscal? Fluxo e estoque. Não há governo mais fiscalmente responsável na história moderna.
E a qualidade dos gastos?
É deplorável. Mas melhorou também. Hoje não há mais fome de massa. Isso é qualidade de gasto. Pelo menos, para os valores que eu cultivo. E essa gente torce o nariz para isso.
Como pré-candidato, o que o sr. acha que faltou no governo atual?
A não-institucionalização dos avanços é o mais grave. Política de salário mínimo, crédito, política da Petrobrás, dos bancos públicos, tudo isso é Lula contra o governo, contra o próprio governo. Os avanços são completamente dependentes do mané, do fulano do dia.
A Dilma é capaz de avançar nisso?
Perfeitamente. Na política, a questão é o homem e a circunstância. À Dilma só falta um atributo: experiência política.
Então ela não está preparada?
Você que está dizendo. Está preparada para qualquer tarefa, depende da circunstância.
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), é mais preparado?
Isso é você quem está dizendo. Não vai colocar frase na minha boca.
Quem é um candidato melhor: Serra ou Dilma?
Eu. Não é por nada, não. Sou o mais treinado. Evidentemente, tenho minhas debilidades também. Lamentavelmente, não há nenhum anjo disponível.
Quais são suas debilidades?
Tenho um partido médio. Tenho uma indignação que às vezes se traduz em gestos interpretados como intempestividade. A gente aprende. Comecei cedo. Fui prefeito de capital aos 29 anos. Fui o mais jovem governador do País, com 32 anos. Não tinha manual, fui fazendo. Tenho o hábito da franqueza. A cultura política brasileira exige muito mais moderação. Aprendi na luta, errando.
Na campanha de 2002, do que o sr. se arrepende?
Não me arrependo de nada. Eu fiz grandes bobagens, nenhuma delas moral.
Quais?
Sou eu que vou lembrar? Nem pensar... Já me purguei dramaticamente por isso. Foram bobagens inomináveis.
O sr. chamou um eleitor de burro.
Eleitor, olha como as pessoas chamam. Não foi um ouvinte que me agrediu pelo telefone, de uma entrevista fraudada de madrugada com a câmera da Globo e virando comercial do Serra na TV? Claro que dei minha contribuição, mas escapei de mais mil. Caí em duas.
Estadão