Uma entrevista de Luiz Werneck Vianna, professor titular do IUPERJ, deve sempre ser saudada e lida com atenção. Imagino que muitas pessoas tenham feito isso ao abrir o caderno Aliás, do Estadão de domingo passado, dia 23/08/2009. Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, porém, dou o link para ela aqui. Vale muito a pena.
Werneck reitera os pontos de resistência de sua análise da política brasileira recente, fortemente ancorada numa visão abrangente da história do país. Passa a limpo a trajetória errática do PT que chegou ao governo, com seus acertos e erros. O diagnóstico é duro: "2010 é para o PT de hoje questão de sobrevivência. (...) Como eu digo sempre, partidos não morrem, mas podem diminuir, se apequenar. Aquele PT pré-2002 já é um capítulo do passado". Um capítulo do passado que, na visão de Werneck, dialoga cada vez mais com o passado. Não somente porque levou ao limite a aliança com o PMDB mais oligárquico, mas porque "incorporou a arquitetura getuliana que antes criticava". Voltou-se todo para o governo, desistiu de ser autônomo em relação a ele e, pior, entregou-se por completo à presença dominante de Lula, que fez do partido um seu instrumento. É o que Werneck chama de "o Estado novo do PT".
A entrevista explora os cenários que estão a se construir para 2010. Vai fundo na análise das oportunidades e das circunstâncias com que os atores terão de lidar. Reitera o instigante convite à reflexão que tem marcado sua obra: terá o Brasil moderno força suficiente para se afirmar sem o apoio da tradição? Terá condições de comandar e dirigir a tradição?
A entrevista está aqui. Ela completa uma outra, longa e excelente, feita por Caetano Araujo e Luiz Sergio Henriques para a revista Política Democrática e reproduzida em Gramsci e o Brasil. As duas compõem um perfil precioso.
A arquitetura getuliana do PT
Clássicos da Literatura, do Cinema e da Música.
Nesta pungente história, o professor de Estudos Sociais Eugene Simonet não espera que sua turma daquele ano seja diferente das anteriores. Por isso, ele sugere o mesmo trabalho de sempre no primeiro dia de aula, sem maiores expectativas quanto aos resultados: os alunos têm de pensar num jeito de mudar o mundo e colocar isto em prática.
Porém, um dos alunos, Trevor, resolve levar o trabalho a sério. Com 11 anos de idade e praticamente abandonado pelo pai, ele mora em um bairro pobre de Las Vegas com a mãe, Arlene, uma garçonete que durante dia trabalha em um cassino e, à noite, em uma boate de strip-tease. A partir da idéia de seu professor, Trevor cria a “corrente do bem”, que é baseada em três premissas: fazer por alguém algo que este não pode fazer por si mesmo; fazer isso para três pessoas; e cada pessoa ajudada fazer isso por outras três. Assim, a corrente cresceria em progressão geométrica: de três para nove, daí para 27 e assim sucessivamente.
Com um desfecho extremamente sensível, esta obra-prima do cinema americano consegue mexer profundamente com os corações mais empedernidos.
O dia de amanhã
Seja qual for o desfecho da crise que atingiu a medula do Senado brasileiro e se esparramou pelo Planalto, ela ao menos prestou para nos lançar numa situação paradoxal.
Não é de se esperar que a solução que se consiga alcançar tenha potência suficiente para expelir por completo as toxinas que contaminaram a casa, algumas das quais produzidas ao longo de um tempo histórico dilatado e, portanto, enraizadas nas profundezas da experiência social e das práticas políticas. Não haverá potência sequer para que uma eventual “bancada do bem” – cuja existência, de resto, terá de ser explicitada – cresça como liderança e imponha, no curto prazo, o reerguimento ético e institucional de que tanto se necessita.
Exacerbemos essa impotência e veremos que o único desfecho possível tem muito mais a forma de um armistício do que de uma solução verdadeira e própria.
Mas, por outro lado, o desgaste do Senado – e, por extensão, do Legislativo, do Executivo, dos parlamentares e dos partidos – mostrou ser tão profundo, chegou tão perto do osso, que terminou por produzir uma saturação e criar um ponto de inflexão. Mesmo que não estejam presentes todas as evidências, dá para admitir que uma nova agenda está a se anunciar em meio aos escombros que se acumulam.
Muitas vezes, como se sabe, as sociedades precisam chegar à beira do precipício para reunir forças, curar suas feridas e voltar a construir o futuro. A história brasileira recente é bastante rica a esse respeito. Foi preciso, por exemplo, que a ditadura de 1964 chegasse aos extremos selvagens e arbitrários de 1975 para que se começasse a falar em distensão e a redemocratização ganhasse fôlego para aos poucos empolgar a sociedade. Foi preciso que se atingissem os 230% de inflação anual em 1985 para que tivesse início, com o Plano Cruzado, todo um esforço técnico e político dedicado à estabilização monetária, que finalmente obteria sucesso alguns anos depois. Foi preciso que a lama da corrupção, das negociatas e das camarilhas escorresse pelas frestas do Palácio do Planalto para que se delineasse o caminho do impeachment do Presidente em 1992 e se desse a largada para a inauguração de outro ciclo político no país.
Reconhecer isso não significa aceitar a existência de uma lei férrea, que se manifestaria com força inflexível,. Trata-se somente de admitir a presença de uma tendência inscrita na lógica dos fatos, de uma probabilidade. Houve momentos graves na história recente em que a ultrapassagem não ocorreu, como sabemos. Seria fácil lembrar da crise do mensalão, em 2005, por exemplo. Apesar de ter feito tremer as estruturas da Presidência e do sistema político, ela não impediu que Lula se reelegesse em 2006 nem possibilitou a eliminação dos maus hábitos que impregnam e atropelam as relações entre o Executivo e o Legislativo. Mesmo naquela circunstância, porém, não se saiu com as mãos abanando nem tudo terminou em pizza: uma certa magia se desfez e pelo menos um partido teve de enveredar por uma trilha árdua e desgastante para tentar se reencontrar com a própria história.
Na crise atual, há ingredientes explosivos e o nível do debate desceu tão baixo que dá para aceitar que alguma reação fundada no bom senso e na inteligência política se manifeste no dia de amanhã. Afinal, não estamos num barco inteiramente à deriva, nem se pode dizer que o país consumiu todas as suas reservas de iniciativa, lucidez e criatividade.
Esse, porém, não é o fator mais importante. O combustível principal está em outra parte do mapa. A crise coincide com uma fase aguda de desinteresse social pela política tal como organizada e instituída. A sociedade está se convencendo de que a vida pode ser vivida sem um sistema político ativo. Olha para o sistema atual e percebe que quando ele funciona somente aborrece e cria problemas, e quando não funciona não faz a mínima diferença. Havendo um “pouco” de Estado para prover alguns serviços básicos de segurança, saúde e educação, especialmente para os mais pobres, acredita-se que a vida até melhore.
Tal sentimento avança na sociedade. Perigosamente, aliás, pois pressiona em favor de uma vida menos coesa e solidária, mais dependente do esforço e da iniciativa de cada um, incapacitada para produzir igualdade e garantir direitos para todos, dominada por lógicas administrativas “racionais”, pouco argumentativas e refratárias ao contraditório. Uma vida onde haveria “governabilidade”, mas não democracia. Se a sociedade chegar mesmo a se soltar da política – ou seja, se a política nada fizer para voltar a dialogar de modo positivo com as pessoas e a opinião pública –, então será realmente o caso de prever que nuvens carregadas despontarão nos céus do amanhã.
A crise atual, portanto, coincide com uma extensão sem precedentes da distância entre a política e a sociedade, que ameaça chegar ao divórcio e à ruptura. Esse é o sinal de alerta, a luz vermelha que está a piscar em Brasília.
Como o cenário que se pode vislumbrar não é razoável, nem desejável, como os políticos podem ser ruins o quanto queiram mas não rasgam dinheiro nem dispensam votos, como as pessoas que vivem em sociedade precisam de política e de sistema político do mesmo modo que os corpos vivos precisam de oxigênio, dá para sustentar a hipótese de que estão sendo criadas as condições para um reencontro mais virtuoso entre o político e o social.
Contra essa hipótese pesa sobremaneira o fato de que estão ausentes os protagonistas, os sujeitos dessa transformação, aqueles que colocarão o guizo no gato. O aparecimento deles, porém, é uma questão de vontade política, de determinação, de empenho existencial. É também, evidentemente, uma questão de tempo, de maturação.
A favor dela, porém, pesa o fato de que vivemos em tempos velozes e conectados, em que articulações e movimentos surpreendentes podem irromper à cena num belo dia de amanhã como se nascessem do nada. É algo para se observar. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/09/2009, p. A2].
A mentira sobre a destruição de imagens
A última tentativa de manter o assunto Lina-Dilma na mídia passa pela tese da oposição de que a presença de Lina Vieira no Planalto foi filmada, e o material destruído. O obediente cartel da mídia segue atrás, como advogados da promotoria, tentando provar o delito. Para esta patetice até Elio Gaspari foi convocado, e deu seus pitacos em último artigo, na quarta-feira, dia 26, em vários jornais:
O GSI tem dezenas de câmeras espalhadas pelo Planalto. Supondo-se que elas sejam acionadas ao detectar movimentos e gravem 15 quadros por segundo, sua memória, comprimida, armazena 156 gigabytes por mês, ou 1,8 terabyte por ano.
O jornalista é peremptório em seus cálculos, e segue em devaneio para explicar que o custo de um HD hoje é baixíssimo, investimento que o governo não fez por incompetência ou está mentindo sobre o seu sistema. Deveria ouvir um melhor especialista. Existe no Brasil o Guia do Circuito Fechado de Televisão, onde estão reunidos os que fabricam estes equipamentos e os usam. Seu fórum tem respostas mais precisas para a elucubração do jornalista. Lá, um comerciante pergunta sobre o tamanho do HD para seu sistema. O usuário Yogi dá uma resposta bastante técnica:
Vejamos um cálculo aproximado com apenas uma câmera como este que tenho no salão comercial:
-mini camera Topway 420L color ccd Day/Night
Média de consumo por 1 min.= varia de 7 ~ 11 MB ( considerando média 9 MB)
9 MB x 60min. = 540 MB/ h como expediente tem 12 horas:
540 MB x 12 = 6480MB /12h ou seja aprox.= 6,5GB /dia
Se optar gravação contínua ainda tem 160KB/min (média) na gravação de “escuro”, aqui considerando que após fechamento o ambiente fique escuro. No meu caso ao amanhecer ambiente fica um pouco claro devido a existência de janelas, isto consumiria mais.
Se optar por detecção de mov. este gasto não terá desde que não ocorra nenhum movimento na área.
Em resumo: com apenas uma câmera ,em questão tenho no mínimo 6,5Gb por dia e tenho 4 câmeras com iguais condições teríamos:
26Gb por dia!
E se tem espaço de 250Gb no HD caberia pouco menos de 10 dias de gravação!
Uma aritmética simples mostra que 6,5 gigabytes ao dia é 2,4 terabytes ao ano. Se o Planalto usar 50 câmeras como imagina Gaspari (certamente seriam mais), chegamos a 118,6 terabytes. Agora vem a questão: como plugar mais de cem HDs em um sistema, falando com programa que busque e indexe todo este material? E isso é vendido facilmente no mercado?
Para o jornal O Globo é. Estampou em manchete interna em sua edição de terça-feira, dia 25: “Destruição de imagens após 30 dias é criticada”. Por quem? Pelo DEM, Agripino principalmente e pelo filhote de César Maia, que todos os dias aparece na TV lendo a pauta para os jornais. A reportagem tentava justificar o título, talvez já pronto. Quem entrevistam e dão destaque? Um tal de Victor Saeta, vice-presidente do Sesvesp, o Sindicato das Empresas de Segurança Privada e Eletrônica do Estado de São Paulo, que diz que “30 dias é o prazo de retenção de uma padaria”. Este é o “técnico” que o Globo achou mais relevante. Outro, o especialista em segurança predial do Sindicato de Habitação do Rio, Raimundo Castro, ficou para o pé da reportagem, certamente por dizer algo que impediria a manchete: “Os equipamentos modernos guardam as imagens por até 45 dias”.
Se o jornal desejasse fazer jornalismo, e conhecer melhor como funciona um desses sistemas, poderia pesquisar um que foi montado recentemente, o do Ministério Público da União. O contrato está na internet. O sistema, de 48 câmaras, tem vários recursos modernos, como ser acessado remotamente via TCP/IP. No contrato, o prazo de gravação é de 30 dias!
Até quando vão conseguir sustentar esta farsa?