Prorrogação

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Pílulas de um pouco do que abunda


Já afirmei aqui e repito que para este escrevinhador que vos fala o blog é mero canal para o desabafo de suas preocupações existenciais. Uma solução catártica para com as muitas raivas do dia-a-dia, normalmente vinculadas à canalhice abundante. Não tenho nada para vender ou promover. Nenhum projeto para compartilhar. E da minha vida pessoal nada há de relevante que mereça atenção. Apenas desejo me livrar dessa sensação de ser o único a se sentir sacaneado. E tem sido ótimo. O resultado em comentários e na leitura é melhor do que podia imaginar, purgando as dores ao descobrir alguns iguais nas mesmas aflições. Daí estranhei minha própria reação ao julgamento do habeas corpus de Daniel Dantas na quinta retrasada. Desenhei uma fotopotoca com a canalha do STF e calei. A vontade era a de esmurrar. Sair berrando pelas ruas, imaginando encontrar algum parceiro igualmente insano. Nenhuma palavra, nenhum desenho teria efeito. Manifestou-se em meus pensamentos um total pessimismo para com a importância da comunicação e com minha limitada capacidade de participação na república. Mas passou, passou... Continuo achando a democracia mauricinha uma enorme farsa, mas agora ao menos consigo voltar a desafogar esta amargura.

Ao longo dos últimos dias a mídia maurícia seguiu um roteirinho básico de desqualificação do delegado Protógenes e do juiz De Sanctis. O primeiro é criticado pela “edição” do texto do inquérito da operação Satiagraha, por ter vazado informações e ter chamado a Abin para participar. Do segundo, ainda não entendi a bronca. Gilmar Mendes e Cezar Peluso tentaram explicar. Do último, entendi que foi um desrespeito à suprema corte ao ter insistido em prisão quando havia decisão anterior. Ainda aguardo melhor entender, mas infelizmente não será pela mídia. Imagino a dificuldade de reproduzir ao longo de muitos dias o mesmo reduzido enredo. Tarefa complicada para o proletariado da imprensa. O resultado deveria ser estudado pelos nossos acadêmicos ou futuros historiadores deste imbróglio. Na última quarta a Folha demonstrou esta complicação técnica com a falta de assunto ao dar destaque para a “suspeita” escolha da suíte 555 do Hotel São Paulo Inn. Reportagem de Ana Flor descreve onde ficava tal local, quem freqüentava, quem era o arquiteto do hotel e para ilustrar uma foto do filme “O iluminado”. Para o jornal, a semelhança de 666 e 555 faz uma tese do interesse dos seus leitores. Coitados.

Surpreendentemente, só hoje li algo de novo na mídia que vale a pena sobre o assunto Satiagraha. No Valor, reportagem de Caio Junqueira esboça os desafios para o Juiz Fausto De Sanctis nesta próxima semana, quando haverá o julgamento no TRF do pedido de suspeição feito pela defesa de Daniel Dantas. O tribunal encontra-se em processo eleitoral, sendo disputado por dois grupos, onde o juiz mantém independência. Segundo o texto, há inúmeras nuances políticas onde De Sanctis enfrenta dificuldades, lembrando o caso da juíza Márcia Cunha, aqui já comentado, que foi afastada por ter dado decisão contrária ao grupo Opportunity quando em sua disputa pelo controle da Brasil Telecom. O texto lembra que nesta semana a sentença por corrupção contra Daniel Dantas, Hugo Chicaroni e Humberto Braz deve ser proferida, o que explica as críticas recentes contra De Sanctis.

De fato, a Kelly tem razão. O Valor Econômico passou a ser o jornal onde é possível existir alguma informação sem a panfletagem escancarada, da mais obtusa apuração dos fatos, nos comentários mais óbvios. O artigo do professor Wanderley Guilherme dos Santos sobre as expectativas de Obama é um primor de fina ironia. Crítica ferina, técnica, a um leque amplo que vai da direita a esquerda. Algo a ser lido e estudado.

E falando de democracia, o Mox faz um preciso, minimalista e provocador comentário sobre frase onde digo que a candidata Cynthia McKinney tem em Cuba um exemplo de democracia. Ela o disse em discurso ao defender o fim do embargo à ilha, justificando que os EUA têm o que aprender com os cubanos. A palavra democracia foi minha, talvez tenha incorrido em erro de algum manual de bom jornalismo. Como não o sou, não tenha o propósito de ser e menos ainda de ver tal prática sendo usada em nossa mídia, apenas justifico que fui passional em concluir com meus pensamentos. Acho que a democracia de lá dá banho na tão decantada do norte. Os motivos são muitos e rendem uma boa polêmica, infelizmente relegada ao plano dos anátemas usuais. Mas achei divertido ser observado por alguém que respeito, que pertence a uma geração bem mais nova que a minha, que está em polêmica acirrada sobre os caminhos do pós-modernismo.
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Jornais

Eu lia jornais. Adolescente, lia o JB diariamente e ansiava pelo caderno Idéias. Li até quando o jornal se tornou um reprodutor de releases picaretas e o Veríssimo parar de escrever em suas páginas. Assinei a Folha por anos, e honestamente, nada me parece mais adequado para definir aquilo que colunas e ruínas. Ganhei todos os brindes toscos e um dia, cansada com aquela papelada embololada, cancelei a assinatura. O Globo foi cancelado esta semana porque, honestamente, tudo tem limite. O Valor freqüentou minha casa por motivos profissionais, e apesar do alto preço do jornal, me apeguei, especialmente às edições de sexta feira. Passei um tempo esquecida disso, até reler o Wanderley Guilherme há semanas sobre a não política do Gabeira.
Hoje lendo o que ele escreveu sobre o Obama e a ingênua esperança de tantos, ô, me lembrei de quando eu gostava de ler jornais.
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Nova postagem, finalmente

Como meus milhares de fiéis leitores já devem ter percebido, o blog está sofrendo de um déficit estrutural de postagens. Na última semana, tive que viajar a trabalho. Depois disso, outros compromissos e a preguiça me impediram de postar algo novo. E, como meus milhares de fiéis leitores também já devem ter percebido, a nova postagem é uma empulha. Ao invés de uma charge nova ou um texto analisando a atual conjuntura, temos uma enrolação, como outras que já tivemos neste blog. A diferença, como vocês perceberão a seguir, é que esta será uma enrolação bem ilustrada, com ares de notícia e divulgação cultural.

No domingo, dia 9 de novembro, eu estive na feira do livro pintando uma ilustração de humor, em painel de 1,30 x 1,00 m, com o tema “livro”. O painel, ao final da tarde, foi colocado em um “livro” gigante, onde se encontravam as pinturas do Hals, Rodrigo Rosa, Edgar Vasques, Moa, Rafael Sica, Bier, Lancast e Eugênio Neves, artistas que me antecederam. A estas alturas, também já se encontram no livrão o desenho do Santiago e o do Uberti . O do Rafael está sendo pintado hoje (12/11) à tarde.


A pintura ao vivo dos painéis e o livrão fazem parte do evento O Riso é Livro, patrocinado pela Caixa Econômica Federal. Os visitantes da Feira do Livro poderão folhar o livrão, receber cartões postais com cartuns e interagir com o artista que estiver pintando no dia. E o felizardo artista poderá tomar alguns capuccinos, chás gelados, receber a visita dos amigos (como eu recebi do Guga e da Têmis, do Bier, do Uberti, do Pedro Alice, do Moa e do Zé Antônio) e dos curiosos visitantes da Feira. Eu aproveitei o copo do primeiro de vários capuccinos que tomei para fazer um desenho de aquecimento. Um menino que se interessou pela pintura, o Arthur, acabou ficando com o souvenir.


Mas não foi apenas o Arthur e outros visitantes que ganharam alguns mimos. Eu ganhei a camiseta do evento, alguns conjuntos de cartões postais e dois belíssimos livros patrocinados pela Caixa, Memória Viva de Porto Alegre, em parceria com o Museu Hipólito José da Costa, e Corpo e Alma, de Orlando Brito.


A última grande notícia do dia me foi dada pelo Moa, via celular: Palmeiras 0 x 1 Grêmio. Dá-lhe Tricolor!


E depois, ainda participei de um coquetel que contava com a presença do mestre Ziraldo. Durante o coquetel, combinou-se um encontro no tradicional Tutti Giorni, nos altos do Viaduto da Borges, onde eu e o Hals pudemos dar uma de papagaios-de-pirata ao lado do grande Zira, com o multimídia Cláudio Levitan ao fundo, enquanto degustávamos uma Mãe Joana dunkel. O que é a Mãe Joana? Bem, quando o blog estiver parado novamente, eu escrevo uma postagem-enrolação sobre ela...

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"O que muda na mudança" ou o que Tancredi Falconeri acharia da eleição de Barack Obama.

O que muda na mudança,
se tudo em volta é uma dança
no trajeto da esperança,
junto ao que nunca se alcança?

(Carlos Drummond de Andrade)

Uma das frases mais famosas da literatura mundial encontra-se em “O Leopardo”, obra-prima de Tomasi di Lampedusa (que, por sinal, originou um belo filme de Luchino Visconti, com Burt Lancaster e Alain Delon nos papéis principais): é aquela dita pelo personagem Tancredi Falconeri ao seu tio, o Príncipe Fabrizio Salina: “Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”. Tancredi, jovem impetuoso, havia se incorporado aos exércitos que lutavam pela unificação da Itália, enquanto seu velho tio mantinha-se fiel à dinastia Bourbon do Reino das Duas Sicílias. Apesar disto, Salina percebe e se orgulha da perspicácia de seu sobrinho: os tempos haviam mudado e a decadente aristocracia (“Nós”), se quisesse sobreviver, precisava se adaptar a eles, integrando-se com a ascendente burguesia (“Eles”). Ele mesmo não se vê com estrutura para participar desta integração, mas entende que o sobrinho seria a ponte entre os velhos e os novos tempos, garantindo a preservação dos interesses de sua classe.
O livro de Lampedusa me veio à lembrança em meio à euforia mundial pela vitória de Barack Obama (Sim, Obama é pop!! Até os porteiros de prédio e os garis brasileiros comemoraram sua eleição. Sem contar, a grande festa popular que tomou conta de várias cidades africanas) e, ao longo da última semana, o diálogo entre Tancredi e Salina ficou martelando em minha cabeça devido às incontáveis vezes que me perguntaram: o que o mundo pode esperar do governo Obama? Sem sombra de dúvidas, esta eleição tem um peso simbólico muito grande, principalmente quando se leva em conta a história de segregação racial que os Estados Unidos possuem. No entanto, se saímos do campo do simbólico e entramos no da Realpolitik, as coisas se tornam um pouco mais complicadas.
Tradicionalmente, os Democratas têm uma visão mais cosmopolita da política internacional e dão uma ênfase maior ao multilateralismo. Porém, não podemos esquecer que os governos existem para defender os interesses de seus Estados e que os interesses de uma potência imperial como os Estados Unidos estão em toda a parte e envolvem o mundo inteiro. Desta forma, convém lembrar que foi no governo do democrata John Kennedy que ocorreu a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba; que foi no governo de Lyndon Johnson – o mesmo que assinou a Lei dos Direitos Civis dos negros norte-americanos, em 1964 – que os EUA se afundaram de vez no atoleiro do Vietnã e que o outro lado do Soft Power da era Clinton traduziu-se em intervenções militares na Somália e no Sudão. Assim, será que as expectativas geradas pela eleição de Obama em lugares como o continente africano, por exemplo, se traduzirão em resultados concretos?
Já foi dito inúmeras vezes – inclusive pelos representantes do governo brasileiro em diversos fóruns internacionais – que uma efetiva liberalização do comércio mundial, com a conseqüente extinção dos subsídios agrícolas nos países centrais, faria mais pelos países pobres do que qualquer pacote de ajuda humanitária. É notório que os EUA são um dos Estados com mais barreiras comerciais – tarifárias e não tarifárias – no mundo. Um governo do Partido Democrata, tradicionalmente protecionista, estaria disposto a eliminar progressivamente tais barreiras em nome do bem-estar do mundo como um todo? O novo presidente assumirá o governo dos EUA em meio a uma enorme crise internacional e a história nos mostra que, em momentos como este, há uma tendência a um maior fechamento das economias nacionais. Pensando em questões que interessam a vários dentre os países chamados “emergentes”, em especial ao Brasil, num momento em que o desemprego atinge níveis preocupantes nos EUA, estaria Obama disposto a enfrentar os sindicatos de trabalhadores – tradicional base social de apoio do Partido Democrata – do decadente setor siderúrgico norte-americano e retirar as barreiras protecionistas contra o aço importado? Ou enfrentar os produtores agrícolas do “Corn Belt” e retirar os subsídios ao etanol de milho, abrindo espaço para o nosso etanol de cana? Sinceramente, parece-me muito difícil que isto ocorra. Assim, não creio que venhamos a ter mudanças muito significativas na política externa norte-americana no próximo governo, com exceção de algumas questões pontuais como a diminuição das tropas no Afeganistão e no Iraque e a busca de uma saída honrosa para os EUA nesses conflitos, mas nada que altere de forma mais contundente a maneira como se dá a inserção norte-americana no mundo.
No âmbito da política doméstica, creio ser um equívoco – ou, no mínimo, excesso de otimismo - acreditar que a eleição de Barack Obama vira a página dos conflitos raciais nos EUA e anuncia uma nova era “pós-racial”, leitura esta que tem sido feita por boa parte da mídia, inclusive a brasileira. Uma análise mais acurada do mapa eleitoral dos EUA nos mostra algumas questões que devem ser objetos de reflexões mais profundas: 1- Um dos fatores que contribuíram para a vitória de Obama foi a mudança do perfil demográfico do país, com o aumento considerável do número de negros e de hispânicos. A candidatura de um negro à presidência e o trabalho de milhares de voluntários convencendo esses setores a se alistarem para votar e a saírem de casa no dia das eleições para fazê-lo estimularam a participação eleitoral desses segmentos, em que a abstenção é tradicionalmente grande (o número de hispânicos que foram às urnas aumentou 25% em relação a 2004 e o de negros 14%); 2- Entre o eleitorado branco, Obama obteve 43% dos votos, com este índice aumentando para 54% entre os mais jovens. Assim, apesar da vitória obtida por Obama em alguns distritos eleitorais majoritariamente brancos, a tal da “América profunda” – a base social por excelência dos Republicanos -, branca, anglo-saxônica e conservadora continua a ter um peso bastante grande na política norte-americana e estes setores não deixaram e não vão deixar de lado a clivagem racial; 3- O conservadorismo de boa parte da sociedade norte-americana se fez sentir em alguns dos plebiscitos estaduais que ocorreram paralelamente às eleições presidenciais: na Califórnia, na Flórida (estados onde Obama venceu) e no Arizona, os eleitores optaram pela proibição da união civil dos homossexuais. Logo, parece que os “ventos da mudança” não se refletiram no posicionamento em relação à questões morais.
Por fim, é importante lembrar que Obama é o legítimo representante daquela classe média negra que se formou e se fortaleceu nos últimos anos, devido a algumas décadas de políticas de ação afirmativa. Os filhos e netos da geração que lutou pelos direitos civis na década de 1960 tiveram a oportunidade de estudar nas melhores universidades norte-americanas (Obama é de Harvard) e formaram uma espécie de elite negra que, hoje, reivindica a construção de uma “sociedade pós-racial”, em que os méritos individuais sejam levados em consideração ao invés da cor da pele. A vitória de Obama é a vitória destes setores. Mas será que é a vitória dos milhões de negros pobres dos EUA para quem a questão racial é uma barreira a mais, que se soma às barreiras de classe?
De fato, a imagem que os norte-americanos têm de si mesmos e a imagem que o mundo tem dos EUA mudou com a eleição de Obama. Mas será que a sociedade norte-americana realmente mudou? Obama é a nova versão do sonho americano. O sonho de que qualquer criança nascida naquele país pode ser o que quiser, inclusive presidente dos EUA. Mas será que este sonho pode, de fato, ser sonhado por todos? Ou a eleição de Obama é o equivalente político do mito liberal do self-made man, a exceção que legitima a regra? Não tem jeito: aquele diabinho que fica soprando coisas em meus ouvidos vem me dizendo nos últimos dias: “lembre de Tancredi, lembre de Tancredi!”. E eu penso em Tancredi e também nos versos de Drummond...
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