Vladimir Safatle
Em Paris, neste final de semana, houve uma passeata contra o projeto do governo de permitir o casamento entre homossexuais. Depois de agressões a grupos feministas e a jornalistas, alguns manifestantes se voltaram contra a "ditadura do politicamente correto".
Há alguns meses, na época da Olimpíada, uma atleta grega foi suspensa da equipe de seu país por comentários racistas em sua conta do Facebook. À notícia na imprensa europeia, seguiam-se necessariamente centenas de posts denunciando a "ditadura do politicamente correto" que impedia a atleta de enunciar suas opiniões sobre a quantidade de imigrantes em seu país.
No Brasil, discussões sobre o conteúdo racista de um livro de Monteiro Lobato degeneraram, por sua vez, em denúncias violentas contra a mesma "ditadura do politicamente correto" que, ao que parece, deve ser o resultado de um grande complô mundial contra livres pensadores travestidos de atletas gregas, manifestantes que gostam de agredir feministas e defensores da clarividência política de Lobato.
Na verdade, por trás da defesa de tal modalidade de "livre expressão" há o desejo mal escondido de continuar repetindo os mesmos velhos preconceitos e a mesma violência contra os grupos vulneráveis de sempre.
Por trás da atitude do adolescente que parece se deleitar com a descoberta de que é capaz de enunciar, à mesa do jantar, comentários "chocantes" que fazem seus pais liberais revirarem-se, há a tentativa de travestir desprezo social com a maquiagem da revolta do homem comum contra a ditadura dos intelectuais. Não por acaso, essa era uma estratégia clássica para dar direito de cidade a comentários antissemitas.
No entanto, é bom lembrar que uma democracia sabe separar a opinião do preconceito. Uma opinião é aquilo que é, por definição, indiferente. Ela abre um espaço de indiferença a respeito de enunciados e discursos. Mas há enunciações que não podem ser recebidas em indiferença, já que trazem, atrás de si, as marcas da violência que produziram ao serem enunciados. Uma sociedade tem a obrigação moral de defender-se deles.
Colocar uma advertência em um livro por ter conteúdo que pode ser sentido por minorias raciais como violência, impedir que pessoas escarneçam de grupos socialmente vulneráveis é condição para um vínculo social mínimo.
Claro, tais pessoas que julgam normal fazer piadas com negros nunca mudarão de ideia. Mas elas devem saber que há certas coisas que não se diz impunemente.
A falsa revolta é apenas mais uma arma daqueles que querem continuar com as exclusões de sempre.