O Primeiro Voto Feminino, de Celina Guimarães, em 1928
Senhoras e senhores, o Brasil pirou de vez
Sulamita em seu blog a Tal Mineira
Para início de conversa, quero saudar todas as mulheres, guerreiras, que honram as tradições seculares de, sem muito estardalhaço, administrar o tempo, a família e os afazeres, sejam eles de que natureza for – e aos homens que as valorizam. Mulheres que se esmeram em distribuir afagos e semear entendimento, mas que sabem endurecer na hora certa e dar um murro na mesa, se preciso for. Mulheres que driblam preconceitos, superam limitações e seguem em frente, tendo ou não com quem contar. Mulheres que dão a volta ao Mundo, fazem-no girar, mas sabem retornar ao aconchego da casa, armadura despida, coração aberto, colo disponível. Ou não. Porque ninguém, nem mesmo uma mulher, é de ferro. Euzinha, mesma, não o sou.
As mulheres estão em moda. São notícias de primeira página – para o bem e para o mal. Ainda encabeçam estatísticas de violências, múltiplas: espancamento, abuso e assédios sexual, moral, discriminação, morte. Chefiam grande parte dos domicílios brasileiros: estão na sala de aula, no escritório, no chão de fábrica, no banco, palco, canteiro de obras; nas redações, aos volantes, na faxina, no fogão, no tanque. Ainda ganham menos que os homens, companheiros de trabalho e função. Ainda reclamam parceria na dupla, tripla jornada. São minoria nos postos executivos, públicos e privados, legislativos, judiciários, sindicais, religiosos. Não obstante, vão chegar à Presidência da República, mais cedo do que há pouco se ousava imaginar. Deixam muito Zé – e Marias também, infelizmente! – a ver a banda passar.
Por aqui, na terra brasilis, chegam tarde, isso sim. Desde o primeiro sufrágio feminino, no final dos anos 20, já se vão três quartos de século! Uma potiguar e uma mineira foram as pioneiras. Tornaram-se eleitoras invocando a Constituição Brasileira em vigor, de 1891, que não amparava o veto ao exercício de seus direitos políticos e de cidadãs: Celina Guimarães Viana, de Mossoró, no final de 1927, e Maria Ernestina Carneiro Santiago de Souza, em 1928. Mietta deu a si o primeiro voto para deputada federal. Não foi eleita, mas causou assombro e ganhou poema, de Carlos Drummond de Andrade. Transcrevo:
“MIETTA SANTIAGO/ loura poeta bacharel/ Conquista, por sentença de Juiz,/ direito de votar e ser votada/ para vereador, deputado, senador,/ e até Presidente da República,/ Mulher votando?/ Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?/ O escândalo abafa a Mantiqueira,/ faz tremerem os trilhos da Central/ e acende no Bairro dos Funcionários,/ melhor: na cidade inteira funcionária,/ a suspeita de que Minas endoidece,/ já endoideceu: o mundo acaba.
Como se vê, mulheres fazem o pão desde sempre e, no mais das vezes amassam a substância com a cauda do diabo. Mas os poetas, além de cronistas, são visionários. Que extraordinário poema escreveria agora, O Poeta, diante da probabilidade de se ter a primeira mulher Presidente da República? E num embate onde dois dos candidatos vestem saia, por direito genético e convenção sóciocultural! Certamente, versaria o estranhamento em torno do bombardeio a que está submetida a líder das pesquisas de intenção de voto,: uma “prenda”, mineira – registre-se. Não se fazem mais café com leite como antigamente.
Pode, um país onde a mulher ocupa a maioria das vagas nas universidades, admitir tamanha vilania!?, talvez se perguntasse O Poeta. Meus botões se questionam, não vou mentir, qual veículo da mídia de antanho abrigaria prosa ou verso em torno do disparate que se assiste, se ouve ou se lê. Se é que alguém ainda lê, ouve ou assiste tais arautos-do-ontem-que-engatinha. Em que plagas se perdeu o senso, o prumo, o norte, a elegância? A chafúrdia é própria de quem se considera acima do povo, da Nação e suas circunstâncias, quiçá do Universo!?
O Poeta há de perdoar-me, não resisto à livre paródia: Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?/ O escândalo abafa o sul da Mantiqueira,/ faz tremerem os trilhos do Metrô/ e acende nos bairros centenários,/ melhor: na cidade inteira centenária,/ a suspeita de que O Brasil, uma vez mais, endoidece,/ já endoideceu: o mundo acaba.