Do Pentágono aos soldados:
“Os Talibã podem ler WikiLeaks. Vocês, não!”
6/8/2010, Noah Shachtman, Blog “Danger Room”, revista Wired
http://www.wired.com/dangerroom/2010/08/pentagon-to-troops-taliban-can-read-wikileaks- you-cant/
Todos os civis, todos os espiões estrangeiros, todos os Talibã e todos os terroristas podem visitar a página WikiLeaks e baixar informações detalhadas sobre onde estavam, o que faziam os soldados dos EUA, como o fizeram e o que fizeram e não fizeram na Guerra do Afeganistão de 2004 a 2009. Mas os próprios soldados dos EUA estão proibidos de conhecer detalhes daqueles mesmos documentos militares. “Quem visitar aquelas páginas estará introduzindo informação potencialmente secreta em redes não protegidas”, como se lê em documentos com instruções emitido pelas forças armadas dos EUA para os soldados.
Ouviram um grito lancinante? É o bom-senso sendo espancado, berrando de dor.
Tempo houve, há apenas poucos meses, em que o Pentágono dava a impressão de estar começando a não se dar tão mal na emergente paisagem da mídia digital. Os soldados eram livres para manter blogs e tuitar, desde que usassem os miolos e não revelassem segredos. Podiam usar pendrives [ing. thumb drives] e DVDs, desde que não contivessem nem vírus nem segredos de Estado. Mas depois do vazamento de informações secretas pela página WikiLeaks – dezenas de milhares de documentos secretos –, todos os avanços parecem ter sumido e o Pentágono regrediu à estaca zero.
A Marinha acaba de distribuir memorando aos fuzileiros e empregados civis, no qual se lê:
“Acesso voluntário e deliberado à página WIKILEAKS para o propósito de ver o material secreto lá postado implica procedimento não autorizado de processar, ver e baixar informação secreta em computador NÃO-AUTORIZADO e não aprovado para armazenar informação secreta. [Quem o faça] estará VOLUNTARIAMENTE cometendo VIOLAÇÃO DE SEGURANÇA.”
Outros ramos das Forças Armadas divulgaram memorandos de teor semelhante. O Washington Times foi o primeiro a noticiar a proibição. Mas a matéria já foi retirada do website do jornal.
Sumit Agarwal, ex-gerente da Google e atualmente empregado na função de czar dos contatos com a mídia no Departamento de Defesa, explicou a lógica do Pentágono em e-mail enviado a esse “Danger Room”.
“Penso na coisa como se se tratasse de MP3s ou de romance com copyrighs para distribuição online — a distribuição não apaga o que digam as leis sobre o uso daqueles materiais” – escreveu ele. “Se Avatar aparecesse disponível online, seria legal que todos baixassem o filme? Na prática, muitas pessoas baixariam. Mas também na prática, é muito provável que James Cameron processasse as páginas e as pessoas que estivessem distribuindo ou facilitando a distribuição. Mas mesmo que não processasse ninguém, ainda assim seria distribuição ilegal e seria ilegal tornar Avatar disponível, mesmo que num desses websites tipo torrent, ou equivalentes.”
“Com pequenas modificações quanto ao que seja legal/ilegal, entre material secreto e filme protegido por copyrights, a analogia é boa, não lhe parece?” – pergunta Argawal. “Uma pessoa que distribua o que é proibido distribuir não muda a lei sobre material secreto. Nossa posição é simples: os soldados e agentes civis que trabalham para o exército não podem usar computadores do governo para fazer algo que é completamente ilegal (tráfico de material secreto).”
No mínimo, a analogia é imperfeita. Cameron ainda poderá argumentar que cada cópia pirata de Avatar diminui o público interessado em comprar as versões legais (embora já se saiba que acontece exatamente o contrário). Mas proibir os soldados de ler os arquivos de guerra publicados na página WikiLeaks de modo algum prejudicará as expectativas de lucro, nem ensinará ‘o público’ a mais piratear filmes do que a desejar pagar por eles. A analogia só estaria correta, se Cameron resolvesse proibir que toda a equipe do filme assistisse a Avatar — fosse onde fosse, depois de o filme ter sido pirateado, e exclusivamente porque tivesse sido pirateado.
Ao mesmo tempo, o secretário de imprensa do Pentágono Geoff Morrell exigiu, semana passada, que WikiLeaks “entregue todas as versões de todos os documentos do governo dos EUA e as delete permanentemente de seu website, computadores e registros.”
E imediatamente acrescentou: “Não sei se todos confiamos muito em que eles mudarão substancialmente de posição. Até agora não deram qualquer sinal de perceber a gravidade, a seriedade da situação que causaram, as vidas que puseram em risco, as operações que podem ter obrigado a abortar, as pessoas inocentes cujas vidas puseram em risco, como resultado do que fizeram. Portanto, duvido que isso – esse pedido, essa exigência, só ela, os preocupe muito.”
Todos os oficiais militares – e muitos dos alistados – tem um credencial básica, de acesso a documentos “secretos”. São centenas de milhares de fontes potenciais para WikiLeaks. Em minha opinião, a única explicação plausível para a ordem do Pentágono é lembrar os soldados de que não devem vazar segredos. A questão, portanto, é: “Será que a obediência a regulamentos militares que não fazem qualquer sentido e que espancam o bom senso estimularia algum soldado a respeitar a política de sigilo do Pentágono – ou só serve para tornar ainda mais absurdo o regime dos segredos?
Atualização: “Tirem a palavra “wikileaks’ de circulação” – diz msg por e-mail de uma das empresas contratadas pelo Exército, a esse blog Danger Room. Os filtros foram atualizados para bloquear qualquer coisa que contenha “wikileaks” na URL[1].”
“Oh, yeah, agora, jogaram o bom senso pela janela” – conclui o empresário.
[1] Uniform Resource Locator, em português Localizador-Padrão de Recursos. URL é um endereço virtual. Não é rua, nem CEP, nem bairro ou tampouco uma imagem do Google Maps. Um endereço virtual é um caminho que indica onde está um arquivo, uma máquina, uma página, um site, uma pasta. Simplificando ainda mais, URL é normalmente o link, o endereço de uma página ou conteúdo da página (em http://www.putsgrilo.com/internet/o-que-e-url/).