Mostrando postagens com marcador afeganistão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador afeganistão. Mostrar todas as postagens

Terrorismo

Clique para ver...

É Tarok Kolache, Afeganistão, mas parece Dresden, Alemanha

Clique para ver...

Imperialismo

Clique para ver...

Como será o Afeganistão em 2050?

Se for como o Afeganistão de 1950, será um grande avanço.
Clique para ver...

“COM PEDAÇOS DE PAU E PEDRAS”


Laerte Braga

O presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad disse em discurso na inauguração da usina nuclear de Bushehr, em presença de autoridades russas e de seu país (a usina tem tecnologia russa e se destina à produção de energia) que a defesa da revolução islâmica no caso de um ataque norte-americano ou por parte de Israel, que “nossas opções não terão limites, envolverão todo o planeta”.

Documentos liberados pelo site WikiLeaks e criados pela unidade especial da CIA – CENTRAL INTELIGENCY AGENCY – apontam casos em que cidadãos norte-americanos financiaram atividades terroristas. [1]

Em documentos anteriores o mesmo site, perto de noventa e dois mil documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão, mostra que o governo dos Estados Unidos exporta terrorismo na forma de seqüestros, assassinatos seletivos, prisões indiscriminadas em qualquer parte do mundo, práticas acentuadas no governo de George Bush como reação ao ataque às torres gêmeas do World Trade Center.

Uma das grandes dificuldades do atual presidente dos EUA Barack Obama é desmontar esse aparato repressivo, bárbaro, que, no todo, acaba se vendo presa fácil de quadrilhas de grande porte no tráfico de drogas, de mulheres e agora tráfico de petróleo a partir do México.

As políticas de terceirização de atividades de inteligência e militares postas em curso por Bush geraram distorções de tal ordem que nem a Casa Branca sabe mais a real extensão de todo o conjunto de insensatez do governo anterior.

Essas dificuldades se apresentam visíveis na reação de republicanos comandados agora pelo senador John McCain, derrotado nas eleições presidenciais por Obama e deixam claros os novos contornos do que era uma nação e hoje é um conglomerado de interesses privados de bancos, corporações do petróleo, das armas, com tentáculos capazes de paralisar o Estado e transformar a maior nação do mundo numa grande empresa voltada para o terrorismo.

Obama até agora não conseguiu entrar no salão oval.

A guerra global é uma realidade e pode ser entendida na afirmação feita por Hans Blinx, mês passado, sobre as advertências feitas a Bush que não existiam provas da presença de armas químicas e biológicas no Iraque. Blinx fala que os norte-americanos estavam “em estado de embriaguez pelo poder do arsenal que dispunham”. E continuam a dispor. Blinx foi um dos inspetores da ONU no Iraque à época que precedeu a invasão daquele país pelos EUA, à revelia do Conselho de Segurança da ONU.

Só que agora boa parte do que se convencionou chamar de forças armadas é controlada por empresas privadas e muitas ações pertinentes àquelas forças, são executadas por essas empresas. Generais norte-americanos são fachadas para executivos de companhias que tanto operam contra os Talibãs no Afeganistão, como traficam drogas, mulheres, armas, petróleo, lavam dinheiro, toda a sorte de operações criminosas de grande porte e possíveis.

A união de todas as máfias sonhada e desejada por cada chefe mafioso na história dessas organizações criminosas. Chegaram ao topo. Vendem democracia, drogas, mulheres, lavam dinheiro e têm milhares de ogivas nucleares capazes de destruir o planeta pelo menos cem vezes.

A vala com corpos de cidadãos latino-americanos que foi encontrada no México exibe o estado de caos que permeia aquele país. Ou “ex-país”. Colônia dos EUA desde a assinatura do NAFTA (tratado de livre comércio entre EUA, Canadá e México).

Uma das conseqüências ou exigências para que o conglomerado terrorista formado pelos EUA e por Israel opere é a presença de governantes dóceis e isso se consegue com corrupção. Foi o caso de FHC no Brasil, Menem na Argentina, Uribe na Colômbia e é agora com Calderón no México. Para citar apenas latino-americanos.

O chamado mundo institucional é a face visível em cor laranja dos operadores do terrorismo de estado.

No Brasil trabalham a partir do PSDB, DEM, PPS, mídia privada (GLOBO, FOLHA DE SÃO PAULO, RBS, VEJA, ÉPOCA, etc) e corporações de banqueiros, empresas nacionais e multinacionais e latifúndio. Se abrigam simbólica e realmente na sigla FIESP/DASLU.

O golpe militar em Honduras e a farsa democrática montada com o governo terrorista de Pepe Lobo (mais um jornalista foi assassinado hoje, quinta-feira, dia 26 de agosto, o nono neste ano), não difere de ações na Colômbia a partir do governo central, ou no México, tanto quanto o massacre de palestinos por Israel e as guerras do Iraque e do Afeganistão.

Despejam seus dejetos em containers democráticos no mar da Somália, ou em navios que enviam ao Brasil.

São perto de quinhentas bases militares dos EUA em todo o mundo e uma série de operações em todo o planeta para manter intato o poder dos grupos que controlam a mega empresa EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A.

Ahmadinejad não disse nada diferente do que acontece na prática, disfarçada de democracia cristã e ocidental. Quis apenas mostrar que seu país está pronto para reagir a esse terrorismo e tem condições militares de fazê-lo.

O Irã detém a terceira maior reserva de petróleo do mundo. Ao transformar-se numa potência coloca em risco os “negócios” das grandes corporações que detêm o controle acionário de EUA/ISRAEL TERRORISMO S/A.

São assassinatos de civis no México, na Colômbia, em Honduras, no Iraque, no Afeganistão, ou de líderes de movimentos de resistência por agentes de Israel com documentos oficiais, mas nomes falsos, de países controlados pelos EUA (Grã Bretanha, Itália e Alemanha) e tudo isso mostrado ao mundo em forma de torta de maçã com canela pela mídia privada e corrompida.

Ou como disse a um grupo de professores e alunos de uma universidade paulista em visita à redação do JORNAL NACIONAL, o apresentador do dito cujo, sobre determinada notícia. “Esta não, pois contraria os nossos amigos americanos”.

Um dos fatos mais significativos desse estado de terrorismo oficial está no último discurso do presidente Lula ao referir-se ao diretor da FOLHA DE SÃO PAULO como alguém que queria saber se ele falava inglês. Se não fala, como vai governar o País? É que a FOLHA pensa em inglês, e empresta caminhões para que mortos por tortura sejam desovados em pontos de São Paulo. Preconceito puro, estampado em cores vivas na imbecilidade dos subordinados ávidos de poder.

O que tem uma coisa a ver com a outra? O discurso de Lula, o Irã, a guerra global?

Todos os fatos se encadeiam num projeto terrorista gerado em Washington desde o fim da guerra fria, para controle do resto do mundo, o que Fidel Castro chamou de “governo mundial”.

Quem acha que Hitler perdeu está equivocado. Por enquanto, em boa parte do mundo está ganhando e levando. Só mudou de bandeira. Tem as estrelas do Tio Sam e a de Davi.

E de nome.
Quem tiver boa memória vai se lembrar dos momentos que antecederam ao anúncio da invasão do Iraque. O terrorista George Bush apareceu em rede mundial de tevê sendo maquiado. Transformado por pós e cremes em anjo de guarda da democracia. Dias depois, quando ainda era viva a resistência iraquiana à invasão, proclamou que se necessário fosse “para evitar a destruição em massa do planeta, os EUA usarão armas atômicas no Iraque”.

Essa destruição em massa está acontecendo desde que Ronald Reagan assumiu o governo dos EUA. O papel de presidente bonzinho vivido por Jimmy Carter terminou com o próprio.

No filme DOCTOR STRANGELOVE, do extraordinário cineasta Stanley Kulbrick, um general comandante de uma base nuclear norte-americana decide por conta própria atacar a ex-URSS. Afirma que o comunismo está chegando ao seu país “pela água”.

O terrorismo norte-americano/sionista chega por bases militares (a Europa Ocidental hoje é colônia dos EUA), por golpes de estado, pela mídia privada vendendo idéias e factóides montados para transformar o ser humano em mero objeto.

Reduzir o Irã, a Venezuela, a Coréia do Norte, a Bolívia, Cuba, Nicarágua e alguns outros países a classificação de “ditaduras” é parte desse jogo de dominação, é a guerra global em curso.

Assassinar civis latino-americanos e jogá-los em covas rasas (México, Colômbia e Honduras) é apenas construir outras formas de muros para que o genocídio de palestinos se transforme em algo corriqueiro.

E palestinos restamos sendo todos nós.

Comemorar a morte de civis iraquianos com expressões como “matamos os bastardos”, quer dizer apenas que boçais fardados tomaram o petróleo do Iraque. Que os “negócios” vão continuar prosperando.

Sustentar governos de fachada como na Colômbia, no México, em Honduras, Costa Rica (“sem a polícia, sem a milícia...” A canção cantada por Milton Nascimento já não tem mais sentido, só saudades, uma base militar dos EUA já está sendo montada em San José), Afeganistão, Iraque, etc, controlar os países europeus, avançar sobre a América Latina, matar a África de fome, isso é a guerra global.

A barbárie capitalista. Tem sede em Washington e em Tel Aviv e filiais em todos os cantos do mundo.

No Brasil a mídia privada vende vinte e quatro horas por dia a idéia que Hollywood é o paraíso.

Se você conseguir pular o muro e escapar dos “grupos organizados de extermínio”.

A não ser que seu nome seja William Bonner, Boris Casoy, ou outros menores como Miriam Leitão, Lúcia Hipólito, Pedro Bial, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, um monte. E lógico, o tal Frias da FOLHA da ditabranda.

Com sorte, consegue virar ex-BBB e escapar para as cavernas, pois a próxima guerra, a quarta, a terceira está em curso, como dizia Einstein, será travada “com pedaços de pau e pedras”.

O que Ahmadinejad disse foi apenas que seu povo resistirá. E está pronto para isso.



[1] Leia também o Ficha Corrida: VEJA quem defende o terrorismo de estado no Brasil

Clique para ver...

A Força-tarefa 373, no Afeganistão


19/8/2010, Pratap Chatterjee, TomDispatch

A partir dos relatórios secretos vazados por WikiLeaks
EUA: o programa de “assassinatos seletivos”


Pratap Chatterjee recomenda que os interessados em conhecer o conteúdo dos arquivos WikiLeaks Afghan War Diary
visitem o blog DiaryDig[1], para entender melhor aquele banco de dados e facilitar a pesquisa.
O autor recebe e-mails sobre problemas relacionados à leitura daqueles arq uivos em pchatterjee@igc.org
.
Caso você deseje apoiar o trabalho de distribuir informação independente pela rede, faça uma doação em dinheiro
para a página Wikileaks, em
http://www.wikileaks.org/wiki/Special:Support
ou para o Fundo criado para pagar os advogados que defendem o soldado Bradley Manning
http://www.bradleymanning.org/


“Localizar, deter, eliminar e impedir que recomece” [ing. “Find, fix, finish, and follow-up”] é como o Pentágono descreve a missão das equipes militares clandestinas que operam no Afeganistão na perseguição de todos os que se suspeite que sejam membros dos Talibã ou da al-Qaeda, onde quer que estejam. Outros falam de operações de “caça humana”, e de equipes cuja missão é “capturar/matar”.

Seja qual for a terminologia, os detalhes de dúzias dessas operações – e de como deram errado repetidas vezes – foram afinal revelados pela primeira vez, na massa de documentos secretos, dos militares e da inteligência dos EUA, que a página Wikileaks[2] vazou em julho, e que foi objeto de uma tempestade de protestos oficiais.

Agentes de um tipo de guerra clandestina que os EUA praticam cada dia mais amplamente, essas equipes militares fazem sempre muito mais inimigos que amigos e destroem todo o sentimento de boa-vontade em relação aos EUA que resulte dos projetos de reconstrução e ajuda econômica.

Quando Danny Hall e Gordon Phillips, respectivamente diretores civil e militar da equipe norte-americana que trabalha na reconstrução, na província de Nangarhar, Afeganistão, chegaram para uma reunião com Gul Agha Sherzai, governador local, em meados de junho de 2007, sabiam que tinham muito o que explicar e do que pedir desculpas. Caberia a Philips explicar por que uma equipe militar clandestina norte-americana de “capturar/matar”, designada como “Força-tarefa [ing. task force] 373”, à caça de Qari Ur-Rahman, suposto comandante Talibã, codinome “Carbon”, aparecera de repente, a bordo de um helicóptero armado AC-130 Spectre, e matara sete oficiais da polícia afegã, no meio da noite.

O incidente mostra claramente o conflito absoluto entre duas doutrinas que regem a guerra dos EUA no Afeganistão: de um lado, a doutrina da contraguerrilha [ing. counterinsurgency], que visa a “proteger a população”; de outro lado, a doutrina do contraterrorismo, que visa a exterminar terroristas e supostos terroristas. Apesar de o governo Obama ter-se empenhado, nos discursos, a favor da doutrina da contraguerrilha, o contraterrorismo foi, é e continua a ser a principal doutrina que orienta sua [de Obama] guerra no Afeganistão.

Para Hall, funcionário do Serviço Diplomático, que deixara há menos de dois meses um posto em Londres, o serviço associado aos militares provou-se muito mais difícil do que havia esperado. Em artigo publicado na revista Foreign Service Journal poucos meses antes daquela reunião, Hall escrevera, “Sentia-me como se nunca soubesse, de fato, o que estava acontecendo, onde eu deveria estar, o que deveria fazer, qual o meu papel; de fato, sem nem saber se havia algum papel para mim. Para piorar, eu não falava nem a língua pashtun nem a língua militar, as duas únicas que circulavam por ali.”

Para Phillips, a situação não era menos espinhosa. Um mês antes, entregara pessoalmente os pagamentos solatia – indenização, prevista na legislação militar, paga no caso de morte de civis provocada por erro das Forças norte-americanas – em presença do governador Sherzai, ao mesmo tempo em que condenara o ato de um homem-bomba Talibã que matara 19 civis, com o que se deu por encerrado o incidente. “Vimos agora como convidados à sua casa”, disse Phillips aos parentes dos mortos, “convidados para ajudar a reconstruir, com melhores condições de segurança e governança, a sua província de Nangarhar, para oferecer-lhes vida melhor e futuro mais luminoso, aos senhores e seus filhos. Hoje, choro com os senhores a morte de seus entes queridos.”

Hall e Phillips tinham sob sua responsabilidade um portfólio de 33 projetos ativos de reconstrução coordenados pelos EUA, no valor total de $11 milhões, em Nangarhar, de construção de estradas, fornecimento de equipamento escolar e um programa agrícola orientado para a exportação, pela província, de frutas e legumes.

Apesar disso, a missão da “equipe de reconstrução provincial” de Hall e Phillips (constituída de especialistas civis, funcionários do Departamento do Estado e soldados) parecia estar em conflito direto com a equipe de operações especiais encarregada dos serviços de “capturar/matar” (Seals da Marinha, Rangers do Exército e os “Boinas Verdes”, associados a agentes da Divisão de Atividades Especiais da CIA), cujo trabalho era caçar afegãos suspeitos de serem terroristas e líderes guerrilheiros. Essa equipe deixava uma trilha de cadáveres de civis e de ódio contra os norte-americanos, por onde passasse.

Detalhes de algumas das missões da Força-tarefa 373 vieram a público, pela primeira vez, como resultado da divulgação de mais de 76 mil relatórios de incidentes, vazados pela página Wikileaks – que recebe e divulga pela internet, material que lhe seja enviado para divulgação sem identificar fontes. – Alguns daqueles documentos foram analisados pelos jornais Guardian[3] e New York Times e pela revista Der Spiegel. E relatório completo de todas as depredações e assassinatos praticados pela Força-tarefa 373 pode ainda vir a público.

Simultaneamente, o governo Obama recusa-se a comentar as missões de assassinatos autorizados, que continuam em andamento no Afeganistão e no Paquistão. Pode-se, contudo, desde já, extrair, da leitura cuidadosa dos documentos já vazados pela página WikiLeaks, uma breve história daquela força-tarefa, que se pode complementar com o que já se sabia, de relatórios não-secretos da atividade do exército dos EUA no Afeganistão.

Segundo os dados que se leem na página Wikileaks, havia 2.058 nomes, numa lista secreta chamada “Joint Prioritized Effects List” (JPEL), de alvos para “capturar/matar” no Afeganistão. Em dezembro de 2009, havia um total de 757 prisioneiros – provavelmente nomes que aparecem naquela lista secreta – na Bagram Theater Internment Facility (BTIF), prisão norte-americana incluída no complexo conhecido como “Base Aérea de Bagram”.

Operações “capturar/matar”

A ideia de equipes “mistas”, formadas de membros de diferentes ramos da organização militar, em colaboração com membros da CIA, foi concebida em 1980, depois da desastrada Operation Eagle Claw [Operação Garra de Águia], quando Força Aérea, Exército e Marinha uniram-se numa muito mal planejada e mal-sucedida operação para resgatar reféns norte-americanos no Irã, com a ajuda da CIA. Morreram oito soldados, quando dois helicópteros colidiram sobre o deserto iraniano. Depois, uma comissão de alto nível, de seis membros, sob a coordenação do almirante James L. Holloway III recomendou que se criasse um comando para operações especiais conjuntas [ing. Joint Special Forces], forças armadas e CIA, de modo a garantir melhor coordenação de planejamento e execução nas operações futuras.

Depois do 11/9, o processo foi acelerado. Naquele mês, uma equipe da CIA chamada “Quebra-queixo” [ing. Jawbreaker] partiu para o Afeganistão, para planejar no local a invasão liderada pelos EUA. Pouco depois, uma equipe de Boinas Verdes, do Exército, criou a Força-tarefa Dagger, com idêntico objetivo. Apesar da rivalidade inicial entre os comandantes das duas equipes, acabaram por integrar-se num único grupo.

A primeira equipe clandestina “mista” da qual participaram a CIA e várias forças especiais militares, para operações no Afeganistão foi a Força-tarefa 5, para a missão de capturar ou matar “alvos de alto valor”, como Osama bin Laden e outros altos comandantes da al-Qaeda, e Mullah Mohammed Omar, chefe dos Talibã. Uma organização gêmea, criada para operar no Iraque, recebeu o nome de Força-tarefa 20. As duas acabaram por unir-se e constituíram a Força-tarefa 121, comandada pelo general General John Abizaid, então comandante do Comando Central dos EUA.

Em livro a ser lançado ainda nesse mês de setembro de 2010 – Operation Darkheart [Operação Coração Escuro], o tenente-coronel Anthony Shaffer narra as atividades dessa Força-tarefa 121 em 2003, quando o autor foi membro de uma subequipe chamada Jedi Knights [Cavaleiros Jedi]. Trabalhando sob o codinome Major Christopher Stryker, Shaffer participou de operações conduzidas pela Agência de Inteligência da Defesa (equivalente militar da CIA), fora da base aérea de Bagram.

Numa noite de outubro, Shaffer desceu de um helicóptero MH-47 Chinook sobre uma vila próxima de Asadabad, na província de Kunar, para integrar-se a uma equipe “mista”, composta de Rangers do Exército (divisão das forças especiais) e soldados da 10ª Divisão de Montanhas. A missão: capturar um dos subcomandantes do grupo de Gulbuddin Hekmatyar, conhecido senhor-da-guerra aliado dos Talibã. A missão fora organizada a partir de informações oferecidas pela CIA.

Não foi fácil. “O trabalho daquela equipe deu certo, mas só enquanto puderam atacar o coração dos Talibã e um de seus paraísos seguros do outro lado da fronteira do Paquistão. Por um momento, Shaffer anteviu o que poderia ser a vitória dos EUA, naquela guerra” – lê-se no material de divulgação do livro. “Mas, então, os altos escalões militares intrometeram-se na operação. A política à qual servem as altas patentes militares não era nem realista nem racional. Shaffer e sua equipe foram obrigados a parar e a assistir, sentados, o crescimento da guerrilha – bem ali, do outro lado da fronteira do Paquistão.”

Quase 25 anos depois da Operação Garra de Águia, Shaffer, que foi membro do grupo Able Danger que caçou a Al-Qaeda nos anos 1990s, descreve a dura, amarga disputa, a guerra interna, subterrânea, entre as equipes da CIA e das Forças Especiais militares, sobre como gerir o sombrio mundo dos assassinos norte-americanos autorizados a matar clandestinamente no Afeganistão e no Paquistão.

A Força-tarefa 373

Avancemos fast forward, até 2007, ano da primeira referência à Força-tarefa 373, nos documentos vazados por Wikileaks.

Não se sabe se o número que identifica essa Força-tarefa teria algum outro significado; por coincidência ou não, o capítulo nº 373 do “Código 10 dos EUA” – a lei aprovada no Congresso, que estabelece as competências dos militares norte-americanos – é o capítulo que estabelece a competência do secretário da Defesa para “autorizar qualquer empregado civil” que preste serviços ao exército, a “executar mandatos judiciais e a efetuar prisões sem mandato”. Seja ou não essa a inspiração para o nome que recebeu a Força-tarefa 373, tudo que diga respeito a ela foi absoluta e totalmente classificado como material de alta segurança e protegido por segredo total. Foi assim e ainda é assim. Apenas que, hoje, depois de Wikileaks ter vazado aqueles documentos, já se sabe, com certeza, que o grupo existe, ou, pelo menos, que exi stiu.

Analistas dizem que a Força-tarefa 373 complementa a Força-tarefa 121 usando “forças brancas”, como os Rangers e os Boinas Verdes, diferentes da força mais secreta Delta Force. A Força-tarefa 373, conforme o pouco que se sabe, é comandada a partir de três bases militares – em Cabul, capital do Afeganistão; em Candahar, segunda maior cidade do país; e na cidade de Khost, próxima das áreas tribais no Paquistão. É possível que algumas de suas operações partam de Camp Marmal, base alemã ao norte, na cidade de Mazar-e-Sharif. Fontes familiarizadas com o programa dizem que a Força-tarefa tem seus próprios helicópteros e aviões, dentre os quais os helicópteros armados AC-130 Spectre, usados exclusivamente por ela.

Tudo leva a crer que tenha sido comandada pelo general-brigadeiro Raymond Palumbo, e que esteja baseada no Comando Especial de Operações Especiais em Fort Bragg, Carolina do Norte. Mas Palumbo deixou Fort Bragg em meados de julho, logo depois de o general Stanley McChrystal ser substituído por Obama no comando geral da guerra no Afeganistão. E não se conhece o nome do novo comandante da Força-tarefa 373.

Em mais de 100 relatórios de eventos que se leem nos arquivos Wikileaks, descreve-se a Força-tarefa 373 como ativa em numerosas operações de “capturar/matar”, sobretudo nas províncias de Khost, Paktika e Nangarhar, todas na região da fronteira com o Paquistão, nas Áreas Tribais sob Administração Federal. Há alguns relatórios de capturas bem-sucedidas; outros, de eventos em que morreram oficiais da polícia afegã e até crianças pequenas, que enfureceram os moradores da região e levaram a atos de protesto e a alguns ataques contra as forças militares lideradas pelos EUA.

Em abril de 2007, David Adams, comandante da equipe de reconstrução provincial da província de Khost, foi convocado para uma reunião com os anciãos da vila de Gurbuz, na província de Khost, indignados com as operações conduzidas, naquelas comunidades, pela Força-tarefa 373. O relatório que se pode ler nos arquivos vazados por Wikileaks não diz o que a Força-tarefa 373 havia feito, que tanto indignou os anciãos de Gurbuz. Mas o governador da província de Khost, Arsala Jamal, já havia protestado, em dezembro de 2006, contra das operações das Forças Especiais em sua província, que haviam deixado vários civis mortos. Naquela ocasião, foram mortos cinco civis, em ataque contra a vila de Darnami.

“Essa é nossa terra”, dissera então o governador. “Há tempos venho convidando com insistência: temos de sentar juntos e discutir. Nós conhecemos nossos irmãos afegãos, conhecemos nossa cultura. Essas operações não foram planejadas para criar novos inimigos. Temos meios para fazer diminuir o número de operações erradas.”

Como Adams lembraria depois, em coluna publicada no Wall Street Journal, “O número sempre crescente de ataques contra famílias afegãs afastou de nós a maioria dos anciãos das áreas tribais de Khost.”

Dia 12/6/2007, Danny Hall e Gordon Philips, trabalhando na província de Nangarhar, a nordeste e em área próxima de Khost, foi convocado para uma reunião como governador Sherzai, para dar explicações sobre a morte daqueles sete oficiais de polícia afegãos, resultado de uma operação da Força-tarefa 373. Como Jamal, Sherzai declarou, diretamente a Hall e Philips, que “considera absolutamente indispensável melhor coordenação (...)” e que “de modo algum deseja ver repetidos os mesmos erros.”

Menos de uma semana depois, a equipe da Força-tarefa 373 atacou, com cinco mísseis, uma construção em Nangar Khel, na província de Paktika, ao sul de Khost, em atentado para matar Abu Laith al-Libi, líbio, suposto membro da al-Qaeda. Quando os soldados dos EUA chegaram à vila, descobriram que a Força-tarefa 373 havia destruído uma madrassa (escola islâmica), matado seis crianças e ferido gravemente uma sétima, a qual, apesar dos esforços de uma equipe médico-militar dos EUA, morreu pouco depois. (No final de janeiro de 2008, circularam notícias de que al-Libi teria sido morto por um míssil Hellfire lançado de um avião-robô Predator, numa vila próxima de Mir Ali, no Waziristão Norte, no Paquistão.)

Akram Khapalwak, governador da província de Paktika, reuniu-se com militares dos EUA, um dia depois do ataque à madrassa. Diferente dos outros governadores provinciais em Khost e Nangarhar, Khapalwak aceitou apoiar os “itens para discussão” preparados para que a Força-tarefa 373 explicasse – à mídia – o incidente. Segundo os relatórios sobre esse incidente que se leem em Wikileaks, o governador então “reforçou os comentários sobre a tragédia que vitimara as crianças; e ainda acrescentou que a tragédia poderia ter sido evitada, se os moradores da vila tivessem informado sobre a presença de guerrilheiros na área.”

Apesar de tudo, nenhuma espécie de “itens para discussão”, não importa quem os tenha repetido para os jornais, conseguiu fazer diminuir o número de civis mortos, enquanto continuaram os raids da Força-tarefa 373.

Dia 4/10/2007, a Força-tarefa 373 despejou 500 bombas Paveway de 500 pound sobre uma casa na vila de Laswanday, a menos de 10 km de Nangar Khel na província de Paktika (a mesma província onde já haviam sido mortas sete crianças). Dessa vez, morreram quatro homens, uma mulher e uma menina – civis – além de uma mula, um cachorro e várias galinhas. Foram feridos uma dúzia de soldados dos EUA, os quais relataram que “nenhum inimigo foi capturado ou morto”.

A história afegã que ninguém conta

Nem todos os raids resultaram em mortes de civis. Os relatórios militares vazados por Wikileaks sugerem que aquela Força-tarefa 373 teve melhor sorte ao capturar “alvos” vivos e sem mortes de civis, dia 14/12/2007. O 503º Regimento (aerotransportado) da Infantaria foi convocado para dar cobertura à Força-tarefa 373 numa incursão à província de Paktika, à caça de Bitonai e Nadr, dois supostos líderes da Al-Qaeda cujos nomes aparecem na lista JPEL. A operação aconteceu nos arredores da cidade de Orgun, próxima à Base Avançada de Operações dos EUA Harriman [ing. U.S. Forward Operating Base (FOB) Harriman]. Localizada a 7 mil pés de altitude e cercada por montanhas, vivem nessa base cerca de 300 soldados e uma pequena equipe da CIA, e a base é frequentemente visitada por barulhentos helicópteros e cáfilas de sonolentos camelos que pertencem aos pashtuns locais.

Uma equipe de assalto aéreo (codinome “Operation Spartan”) desceu sobre o local onde se supunha que Bitonai and Nadr vivessem, mas não os encontrou. Um informante afegão disse aos soldados das Forças Especiais que suspeitava de que os procurados estivessem escondidos a poucas milhas daquele local; a Força-tarefa 373 encontrou-os e prendeu-os, além de outros 33 homens que os acompanhavam; todos foram levados para a Base Avançada Harriman para interrogatório e possível transferência para a prisão na Base de Bagram.

Mas quando a Força-tarefa 373 estava no comando da operação, todos os civis, pelo que se vê, corriam risco. E, embora houvesse soldados norte-americanos ansiosos por relatar o que viam – como o demonstram os documentos vazados por Wikileaks –, jamais se ouvem as vozes afegãs e a versão afegã dos acontecimentos. Por exemplo, numa 2ª-feira à noite, em meados de novembro de 2009, a Força-tarefa 373 executou operação para prender ou matar um suposto guerrilheiro (codinome “Ballentine”) na província de Ghazni. Um relatório tenso informa que foram mortos uma mulher afegã e quatro “insurgentes”. Na manhã seguinte, uma Força-tarefa “White Eagle” [Águia Branca], unidade de soldados poloneses sob o comando da 82ª Divisão (aerotransportada) dos EUA, relatou que cerca de 80 pessoas reuniram-se em ato de protesto contra as mort es. A janela de um dos veículos blindados foi danificada pelos manifestantes afegãos, mas não há, nos relatórios, qualquer opinião que tivesse sido colhida entre os afegãos, sobre o mesmo incidente.

Ironicamente, um dos últimos incidentes em que houve participação da Força-tarefa 373, dos que se leem nos documentos de Wikileaks, foi praticamente reprise da Operação Garra de Águia original, desastre que levou à criação das equipes “conjuntas” de capturar/matar. Na madrugada de 26/10/2009, dois helicópteros norte-americanos, um UH-1 Huey e um AH-1 Cobra, colidiram perto da cidade de Garmsir, na província de Helmand, ao sul; quatro fuzileiros da Marinha [ing. Marines] morreram.

Aliada muito próxima da Força-tarefa 373 é a unidade britânica Força-tarefa 42, reunião de comandos do Serviço Especial da Força Aérea, Serviço Especial Embarcado e Regimento Especial de Reconhecimento, que operam na província de Helmand e são mencionados em vários relatórios dos que se leem nos documentos Wikileaks.

Caça humana

“Capturar/matar” é elemento chave de uma nova ‘doutrina’ militar desenvolvida pelo comando das Forças Especiais fixada depois do fracasso da “Operação Garra de Águia”. Sob a liderança do general Bryan D. Brown, que assumiu o Comando das Forças Especiais em setembro de 2003, a ‘doutrina’ passou a ser conhecida como “4F” [da expressão “find, fix, finish, and follow-up”, em português, aproximadamente “Localizar, deter, eliminar e impedir que recomece”], mensagem eufemística[4]< /a>, mas fácil de entender, sobre o modo prescrito para lidar com os supostos terroristas e guerrilheiros.

Nos anos Bush-Rumsfeld (secretário da Defesa), Brown começou a organizar equipes de “forças especiais ‘mistas’” para essas missões 4F fora das zonas de guerra. Receberam o nome anódino de “Elementos de Ligação Militar” [ing. Military Liaison Elements]. Os repórteres Scott Shane e Thom Shanker, do New York Times, relataram pelo menos um assassinato cometido por essa equipe no Paraguai (de um assaltante armado, cujo nome não aparecia em nenhuma lista de ‘procurados’). A equipe norte-americana, cuja presença no Paraguai não fora comunicada ao embaixador dos EUA, recebeu ordens para deixar imediatamente o país.

“A exigência número um é defender a pátria. Às vezes, há ordens para localizar e capturar ou matar em todo o mundo terroristas que tentem agredir essa nação,” disse Brown à Comissão das Forças Armadas da Câmara de Deputados, em março de 2006. “Nossos parceiros estrangeiros (...) são nações bem-intencionadas mas incapazes, que querem ajuda para construir suas próprias competências para defender suas fronteiras e eliminar o terrorismo em seus países ou regiões.” Em abril de 2007, o presidente Bush, como prêmio ao trabalho de planejamento de Brown, criou um cargo especial de alto nível no Pentágono, de secretário-assistente de Defesa para operações e conflitos de baixa-intensidade e competências interdependentes.

Michael G. Vickers, que se tornou conhecido no livro e filme Charlie Wilson's War (2007, port. Jogos do poder[5]), como arquiteto das operações secretas de fornecimento de armas e dinheiro para os mujaheedin na campanha da CIA contra o Afeganistão soviético nos anos 1980s, foi indicado para aquele cargo. Sob sua liderança, reformularam-se as linhas de atuação, em de zembro de 2008, para “desenvolver capacidades para ampliar o alcance dos EUA em áreas nas quais não sejam admitidos, para operar com e mediante forças estrangeiras nativas, ou para conduzir operações de baixa visibilidade”. E assim o programa “capturar/matar” foi institucionalizado em Washington.

“A guerra ao terror é fundamentalmente guerra indireta (...) É guerra de parceiros (...) mas é também em certo sentido guerra nas sombras, seja pela sensibilidade política seja pelo problema de localizar terroristas”, disse Vickers ao Washington Post no final de 2007. “Porisso a CIA é tão importante (...) e nossas forças para Operações Especiais desempenham grande papel.”

A partida de George W. Bush da Casa Branca não diminuiu o entusiasmo geral pelas operações 4F. Aconteceu o contrário: a fórmula 4F foi maquiada, à típica maneira dos militares, e é hoje “find, fix, finish, exploit, and analyze” ou F3EA [port. “Localizar, deter, eliminar, impedir que recomece e análise”], e o presidente Obama, em todos os sentidos, ampliou o alcance das operações militares ‘mistas’ e dos programas “capturar/matar” em todo o mundo – ampliação que acompanha perfeitamente a escalada dos ataques por aviões-robôs comandados pela CIA.

Há bem poucos que apoiem publicamente a ‘doutrina’ do “capturar/matar”. Mas o professor Austin Long, da Columbia University, abraçou a causa dos projetos F3EA. Observando semelhanças entre um programa de assassinatos “Phoenix”, responsável por dezenas de milhares de assassinatos durante a guerra do Vietnã (programa que o professor defende), o professor Austin recomendou que se reduzam “as pegadas” que os militares estão deixando no Afeganistão; para isso, sugere que as Forças Especiais sejam reduzidas para no máximo 13 mil soldados, que se concentrariam exclusivamente em operações de contraterrorismo, especificamente em assassinatos. “Phoenix sugere que a coordenação da inteligência e a integração da inteligência com um braço armado pode ter efeito poderoso inclusive contra grupos extremamente grandes e armados” – escreveram Long e seu co-autor William Rose nau, em monografia publicada em julho de 2009 pelo Rand Institute, intitulado “The Phoenix Program and Contemporary Counterinsurgency” [port. O Programa Phoenix e a contraguerrilha contemporânea].

E há outros, até mais agressivamente empenhados. O tenente George Crawford, que se aposentou no cargo de “estrategista chefe” do Comando das Forças Especiais e passou a trabalhar para a Archimedes Global, Inc., empresa de consultoria em Washington, sugeriu que a sigla F3EA fosse substituída por apenas duas palavras: “Caça humana” [ing. Manhunting]. Em monografia publicada pela Joint Special Operations University [aprox. “Universidade das Operações Especiais Mistas] em setembro de 2009, sob o título “Caça humana: Organização de contrarrede para guerra irregular” [orig. “Manhunting: Counter-Network Organization for Irregular Warfare]” Crawford ensina “como dar conta da missão de desenvolver habilidades para caça humana, entendida como habilidade relevante para a segurança na cional dos EUA.”

“Estamos matando ‘os caras’ errados”

A estranha evolução desses conceitos, a criação de equipes cada vez mais globais de ‘caçadores-assassinos’, cujo trabalho em tempo integral, sete dias por semana é assassinar, e os muitos civis que essas equipes “de Forças Especiais mistas” assassinam regularmente em suas ações contra ‘alvos’ que ninguém sabe quem define têm perturbado até vários especialistas militares.

Por exemplo, Christopher Lamb, atual diretor do Instituto de Estudos Nacionais Estratégicos na Universidade de Defesa Nacional [ing. Institute for National Strategic Studies at the National Defense University, e Martin Cinnamond, ex-funcionário da ONU que serviu no Afeganistão, assinaram estudo para a edição da primavera-2010 da revista Joint Forces Quarterly no qual escreveram: “Há ampla concordância em torno da ideia de que a abordagem indireta da contraguerrilha deve preceder quaisquer operações de matar/capturar. Mas tem ocorrido exatamente o contrário.”

Outros militares têm dito que a abordagem do caçador-matador é precária e contraproducente. “Para mim, a Força-tarefa 373 e outras forças-tarefas assemelhadas tem alguma utilidade, porque mantêm o inimigo sob pressão. Mas essa abordagem não vai às raízes do conflito, de por que a população civil apoia os Talibã,” disse Matthew Hoh, ex-empresário contratado pela Marinha e pelo Departamento de Estado, que renunciou em setembro ao cargo que exercia no governo. Hoh, que várias vezes trabalhou com a Força-tarefa 373, além de outros programas de “capturar/matar” no Afeganistão e no Iraque, acrescenta: “Estamos matando ‘os caras’ errados, gente de nível intermediário no comando dos Talibã, que só nos veem como inimigos porque estamos lá, atacando-os nas terras deles. Se não estivéssemos lá, eles não estariam fazendo guerra contra os EUA.”

A Força-tarefa 373 talvez seja um pesadelo para os afegãos. Para o resto do mundo – agora que Wikileaks nos deu acesso àqueles documentos –, pode ser vista como evidência de desastres políticos muito mais profundos. Em todos os casos, a pergunta que vem à cabeça de quem saiba da atividade dessa Força-tarefa 373 é tão horrível quanto básica: os EUA estarão, mesmo, a caminho de converter-se em alguma espécie de Caçadores de Homens & Cia., empresa global?


[1] DiaryDig.org é um blog independente criado para facilitar a pesquisa nos arquivos do Afghan War Diaries vazados pela página Wikileaks dia 25/7/2010. São m ais de 76 mil relatórios (e outros serão divulgados em breve) de cinco anos (2004-2009) da guerra do Afeganistão.
A partir de DiaryDig.org leem-se todos os documentos vazados, organizados por tipo, categoria, data, número de mortos e várias outras classificações. A partir da página de qquer documento, clica-se no texto verde sublinhado para ter acesso a outros documentos que contenham a mesma expressão ou a mesma frase; já há várias conexões criadas entre termos considerados mais importantes, e que poderiam passar despercebidas por leitor menos habituado àquele tipo de discurso.
Esperamos que essa ferramenta seja útil a analistas, jornalistas e ao público em geral interessados em conhecer a atuação dos EUA na guerra do Afeganistão e dar bom uso a esse raro e importante banco de dados que WikiLeaks distribuiu.
Caso você deseje apoiar esse trabalho, faça uma doação em dinheiro para a página Wikileaks ou para o Fundo criado para pagar os advogados que defendem o soldado Bradley Manning (em http://www.diarydig.org/).

[3] Para conhecer a história do vazamento pela página WikiLeaks e a parte do material que foi analisado na primeira publicação, pelo jornal Guardian, ver o blog “Outras Palavras”, 27/7/2010, em http://www.ponto.outraspalavras.net/category/afeganistao/

[4] Há aqui um traço semântico de tradução impossível, em que ficam fortemente sugeridas várias expressões de baixo calão (‘f-words’, ‘4 letters-words’, ‘fuck-words’ dentre outras).

[5] Sinopse e ficha técnica em http://www.imdb.com/title/tt0472062/

Tradução: Vila Vudu
Clique para ver...

“Ladrões durante o dia, terroristas à noite”


Hoda Abdel-Hamid, Al-Jazeera, Qatar

Por todos os lados para onde se olhe, em Cabul, capital do Afeganistão, só se veem paredes derrubadas, ruínas e grupos de guardas de segurança armados: são os funcionários das empresas privadas contratadas pelos EUA para fazer a segurança dos prédios onde circulam diplomatas, representantes de organizações não-governamentais e funcionários de grandes empresas norte-americanas.

Os mesmos guardas têm acompanhado comboios militares em deslocamento – quase sempre dirigindo em alta velocidade, causando pânico e gerando caos nas estradas. De fato, esses guardas privados armados, sejam afegãos, norte-americanos ou quaisquer outros, são odiados no Afeganistão. Vários deles têm-se envolvido em acidentes e outros eventos violentos, sempre com mortes de civis inocentes. O último desses casos envolveu funcionários da empresa Dyncorps (EUA), na estrada do aeroporto, em Cabul: quatro civis afegãos foram mortos num acidente de carro; os funcionários da Dyncorps fugiram do local do acidente, e uma multidão enfurecida incendiou os carros e atacou policiais afegãos.

O comportamento desses soldados mercenários há tempos preocupa o presidente afegão Hamid Karzai que, recentemente, se referiu a eles como “ladrões durante o dia, terroristas à noite”. Agora, ao que parece, Karzai decidiu fechar o cerco contra as empresas de segurança privada.

Decreto de Karzai

Decreto do presidente Karzai, dessa semana, exige que todas as empresas de segurança que contratam guardas armados no país sejam extintas, no prazo de quatro meses. Para o governo afegão, esses mercenários agem como exército paralelo e são causa de instabilidade no país.

Até o início do próximo ano, esses “geradores de confusão e instabilidade” deverão ser desmobilizados. Todos os vistos para permanência no país serão revogados.

Poucas horas depois de o decreto ser divulgado, conversei com um dos empresários estrangeiros encarregados daqueles funcionários – para saber se estavam preocupados com o risco de perderem os empregos em poucos meses.

A resposta foi um claro “Não”. E acrescentou: “Se sairmos, esse país mergulhará no caos completo”. É possível que tenha alguma razão.

O que dizem os militares

Há cerca de 40 mil guardas privados armados em operação no Afeganistão. Mais da metade, empregados por empresas contratadas pelo exército e pelo Departamento de Estado dos EUA.

Para os militares, são indispensáveis, porque liberam os soldados regulares para as missões de combate. As empresas de segurança privada cumprem várias das tarefas que, sem eles, caberiam aos soldados – segurança das bases, prédios e instalações, segurança pessoal e, sobretudo, a proteção armada aos comboios militares nas rotas de suprimento das bases e acampamentos militares. E é nas estradas que ocorrem a maioria dos confrontos que sempre fazem grande número de vítimas civis.

Recentemente, o governo decidiu que a segurança dos comboios passará a ser feita por soldados do exército afegão – empreitada difícil, se se considera que os soldados afegãos ainda estão pouco treinados, não dispõem de armas adequadas e não têm experiência.

Os comboios de suprimento são alvos preferenciais dos Talibã e de outros grupos de guerrilheiros e milícias armadas que proliferam no país, e não se acredita que os militares norte-americanos aceitem entregar a segurança de seus comboios aos afegãos. Para dificultar ainda mais, aumentam as notícias de que o exército afegão já estaria infiltrado de militantes da resistência afegã. E, isso, ainda sem considerar que as estradas que cortam o país são controladas por diferentes senhores-da-guerra locais, e acredita-se que as empresas privadas de segurança pagam regularmente a vários desses senhores-da-guerra, em troca do direito de circular pelas estradas – recurso ao qual nem o exército dos EUA nem o exército afegão podem recorrer diretamente, pelo menos em teoria.

Os contatos de Karzai

Outro motivo pelo qual o empresário com quem conversei não acredita que as empresas privadas de segurança armada venham a ser de fato expulsas do Afeganistão é que várias delas pertencem, totalmente ou em parte, a famílias influentes no país.

“Será que o irmão do presidente fechará sua empresa?”, perguntou ele, referindo-se a Ahmed Wali Karzai, meio-irmão de Hamid Karzai e temido governador da província de Candahar.

O que se diz no país é que Wali Karzai controlaria várias das empresas privadas de segurança na área crucial de Candahar, apesar de jamais se haver provado qualquer conexão financeira entre ele e as empresas de segurança.

Os mais cínicos – muitos, nas ruas em torno do Capitólio – garantem que o decreto servirá apenas para entregar à família do próprio Karzai o monopólio da segurança privada no país, depois de expulsas as empresas estrangeiras, quase todas norte-americanas. Para outros, seria golpe de propaganda que Karzai estaria tentando, em busca de maior apoio popular, com vistas às eleições previstas para meados de setembro.

Num ponto, todos concordam: os mercenários armados são força de desestabilização ativa no Afeganistão – ideia que se encontra até no último relatório do Congresso dos EUA.

De fato, vai-se firmando a ideia de que as milícias mercenárias constituem hoje uma ameaça ao sucesso da estratégia dos EUA no Afeganistão, exatamente como aconteceu no Iraque, antes. Mas não se sabe se a expulsão seria a melhor solução com vistas ao futuro do Afeganistão.

Há quem diga que a expulsão das milícias privadas mercenárias criaria um vácuo de segurança, que os militares dos EUA – já sobrecarregados –, dificilmente conseguiriam preencher.



Tradução Vila Vudu
Clique para ver...

Gen. Petraeus convoca a imprensa pró-guerra


Norman Solomon, Commondreans*

Já é história: em meados de agosto de 2010, o comandante do exército dos EUA no Afeganistão lançou gigantesca campanha de mídia, para impedir qualquer retirada significativa das forças militares, no próximo verão.

Na 2ª.-feira, imediatamente depois de o Gen. David Petraeus ter dado longa entrevista no domingo, ao programa “Meet the Press” [Encontro com a imprensa], da rede de televisão NBC, para promover o esforço de guerra, o jornal New York Times publicou, em primeira página, a entrevista que o general dera ao próprio jornal, e noticiou que o general “sugeriu que resistirá a qualquer tipo de retirada rápida ou em grande escala, das forças norte-americanas”.

De fato, o general apenas comentou que poderia vir a opor-se a qualquer redução no nível das tropas dos EUA que estão no Afeganistão no período de um ano. Sobre a entrevista à NBC, o Times comentou que “Petraeus pareceu estar deixando aberta a possibilidade de não recomendar qualquer tipo de retirada de soldados norte-americanos no próximo verão.”

Na mesma 2ª-feira, o Washington Post também publicou uma linha sibilina sobre Petraeus que, repentinamente, parece extraordinariamente empenhado em dar entrevistas; para o Post, “Petraeus continua a apoiar a decisão do presidente Obama de iniciar a retirada no próximo mês de julho, mas disse que é cedo demais para definir o tamanho da retirada”. O jornal observou que “a presença do general em Cabul, não no quartel-general do Comando Central dos EUA em Tampa, dá força extra à sua voz, para reduzir a retirada, se escolher essa via.”

“Reduzir a retirada” significa manter a máquina de guerra girando com força máxima.

Sejamos bem claros sobre o que está acontecendo. O alto comando do exército no Afeganistão – evidentemente com pleno apoio da Casa Branca – desencadeou feroz blitz pela imprensa, para detonar qualquer possibilidade política de qualquer retirada daqui a um ano. A pleno galope, montado na imagem de que seria um “militar civil”, Petraeus está no comando de um movimento estratégico, com a imprensa, para manipular o que deveria ser processo democrático para decidir questões de guerra e paz.

E quem é, em última instância, o responsável por esse movimento manipulatório e antidemocrático? O comandante-em-chefe.

Muito suspeita e perigosamente, a ofensiva de imprensa de Petraeus foi posta em andamento poucos dias depois de o porta-voz do presidente Robert Gibbs ter comprado briga contra a ala progressista do Partido Democrático – o grupo que tem feito empenhada oposição à guerra no Afeganistão.

Mais de quarenta anos depois de o presidente Johnson ter usado a expressão “nervous Nellies” [aprox. “as nervosinhas”; na cultura norte-americana, corresponde à imagem de mulheres superansiosas, assustadiças, excessivamente preocupadas com a família] para desmoralizar o número crescente de Democratas que se manifestavam contra a guerra do Vietnã, a Casa Branca de Obama agora obra para desmoralizar os dissidentes progressistas, com expressões como “a esquerda profissional”[1].

Semana após semana, o presidente Obama sacrifica incontáveis vidas e bilhões de dólares a serviço do que Martin Luther King Jr. chamou – noutro momento de enlouquecido e horrendo esforço de guerra dos EUA – de “a loucura do militarismo”. Naquele momento como hoje, a Casa Branca pôs lenha na máquina de guerra do Pentágono, na ânsia de parecer forte e escapar às acusações de fraqueza, dos Republicanos.

Embora a história não seja igual ontem e hoje, repete-se e rima. Como um réquiem.

Hoje, como nos tempos finais do Dr. King, a guerra está em franca escalada, enquanto as vozes que se calam coniventes, ou que gritam a favor da guerra são vistas como sábias, prudentes. Quem não concorda e se cala, como sempre, é cúmplice.

O problema mais imediato que o governo e o Pentágono enfrentam é obterem, para a guerra, o aval da opinião pública. Por isso é hora, agora, de falar contra os esforços de um general comandante para fazer de uma nação, rebanho de ovelhas, e nos arrastar, todos, para mais guerra. Não importa quem trabalhe para persistir na loucura do militarismo. Temos de resistir.

-----------------------------------

[1] Sobre isso, ver “Casa Branca desabafa contra ‘a esquerda profissional


* Norman Solomon é jornalista, historiador e ativista pacifista. Membro do grupo Fairness & Accuracy In Reporting (FAIR), em http://www.fair.org/index.php?page=100 .
Tradução Vila Vudu
Clique para ver...

Afeganistão, antes do imperialismo dos EUA


David Coimbra, cronista de Zero Hora, leu uma reportagem na revista Time, a qual defende a continuidade da invasão estadunidense aos EUA, pois isso seria um meio de defender as afegãs dos abusos dos talibãs. Partindo dessa leitura, ele disse: "Viva o imperialismo". Foi uma das coisas mais crueis que li nos últimos dias.

Deixando de lado se tal intervenção em país alheio é um meio para tal fim, e também se é o melhor meio, ou o único, o fato é que o cronista concluiu, dessa leitura, que o imperialismo é uma boa coisa. Esta conclusão é grotesca, quase cômica, se não fosse de mau gosto. E é de mau gosto, pois é de mau gosto sugerir que o imperialismo salva as afegãs, sendo que o imperialismo as escravizou e as mutilou.

Vamos aos fatos: a barbárie contra as mulheres afegãs é fruto do imperialismo, como sabe qualquer um que não é ingênuo ou safado ante o que dizem as Vejas e porcarias similares da vida.

Caso você ainda não saiba disso, leia o ótimo livrinho 11 de setembro, do professor Noam Chomsky. Ele explica, claramente, que hoje o Afeganistão é um lugar de barbárie contra as mulheres e contra as luzes em geral por causa dos EUA, visto que os EUA treinaram a milícia talibã. Hoje o talibã oprime duramente as mulheres, mas antes da intervenção dos EUA elas tinham uma vida bem mais livre, e também ocidentalizada.

Quer saber como era a vida das mulheres afegãs antes dos EUA treinarem os talibãs? Olhe a foto acima. Nesta foto, mulheres estão de saia, com pernas e rostos de fora, em uma bela loja de discos de Cabul, olhando LPs ocidentalizados de rock'n'roll e gêneros similares. Isto era o que havia no Afeganistão antes do imperialismo dos EUA entrarem em cena.

Olhe as outras fotos de como viviam as mulheres afegãs antes dos EUA terem treinado os fanáticos do talibã. Veja que todas elas estão com os narizes nos lugares, como podemos ver pelos seus rostos descobertos.

Olhe, nas fotos, as mulheres afegãs andando de saias curtas e justas pela rua, antes dos EUA treinarem a milícia talibã.

Olhe que, antes dos EUA treinarem os talibãs, as mulheres afegãs estudavam, pesquisavam e trabalhavam, junto com os homens.

Depois de olhar tudo isso, você seria cruel a ponto de dizer "Viva o imperialismo", como fez David Coimbra?

Eu acho que não. Afinal de contas, com tais informações, você certamente lamentaria que os EUA, em sua sanha imperialista, tenham destruído o antigo e livre modo de vida das mulheres afegãs, ao dar poder aos fanáticos religiosos do talibã.

Você lamentaria, como eu, o fato das afegãs de hoje não poderem circular com as roupas de sua escolha em lojinhas de CDs, por causa do imperialismo estadunidense. Sabendo de tudo isso, você nunca diria "Viva o imperialismo".

Cabe ao sr. David Coimbra se informar, e pedir desculpas às mulheres, e também aos leitores.
Clique para ver...

O "jornalismo" sórdido da Time

Por Chico Villela em NovaE

O governo BHObama estimula campanha antiTaleban na mídia grande dos EUA para compensar os estragos das revelações do coletivo WikiLeaks.

Tudo indica que as revelações do Diário da Guerra Afegã, do coletivo de ativistas políticos WikiLeaks, continua fazendo estragos sem conta. A revista Time deu a partida da reação do governo BHObama com uma capa de rara indignidade: uma moça afegã bonita, 18 anos, de véu, com o nariz semidecepado e a orelha (oculta) mutilada, obra de seu marido apoiado por líder taleban em reação a sua vontade de deixar o lar após abusos e ofensas.

A apelação foi e vem sendo questionada da parte de críticos e analistas até mesmo afinados com as posições da revista. Mas a indignidade está mais no título, algo como: é o que acontece se os EUA saírem do Afeganistão.

E o assassinato pelo Taleban de uma dozena de médicos e assessores ocidentais deflagrou uma onda de notícias repetitivas sem fim. Há vários subtextos nestas demonstrações da capacidade da grande imprensa de superar recordes de canalhice.

A moça de nariz mutilado acha-se nos EUA para ganhar plástica facial. Pena que milhões de mutilados pelas armas aliadas em suas guerras sem fim não tenham a mesma compensação.

1 O primeiro subtexto é o racismo e a manifestação de superioridade: se os EUA saírem do Afeganistão, o país voltará a mergulhar na barbárie mais abjeta. Ou seja: a presença das tropas invasoras é garantia de civilização e outras banalidades afins.

Idéia 1 Substituir a moça da capa por uma grande foto de um casamento que uniu há uns quatro anos duas aldeias e duas famílias tradicionais. Uma festa rara no Afeganistão, em que os clãs se fecham em suas tradições e pouco se abrem para outros clãs, inda mais de etnias diversas. A cerimônia, confundida pelos invasores com uma reunião do Taleban (uma prova da eficácia dos seus serviços de Inteligência), foi severamente bombardeada. Morreram mais de 140 pessoas, a maioria mulheres e crianças, inclusive a noiva. Quase não havia cadáveres, apenas pedaços de corpos misturados. A Time perdeu uma boa capa.

Curioso é que esta não foi a primeira vez: desde 2001, dezenas de festas, reuniões e casamentos vêm sendo bombardeados. As tropas alemãs da OTAN patrocinaram recentemente outra carnificina. Dois caminhões de combustível roubados pelo Taleban atolaram num riacho. Centenas de moradores próximos acorreram para pegar um pouco de algo que, lá, é precioso e raro. O comando alemão entendeu que o Taleban se reunia em mais de centena e solicitou bombardeio dos aviões e helicópteros do governo BHObama, que foi agravado pela explosão dos caminhões. Resultado: alguns insurgentes talebans e mais de 150 mortos civis afegãos e um presidente alemão que renunciou em parte por isso.

2 O segundo subtexto é insistir nas diferenças culturais entre muçulmanos fundamentalistas e outras correntes religiosas, radicais ou não, e entre as incompatibilidades entre as concepções “ocidentais” e as muçulmanas, com privilégio para as “ocidentais” e desprezo pelas muçulmanas. (Para o Ocidente, é condenável cobrir o corpo e o rosto da mulher com túnicas. Mas para o Ocidente é lícito expor o corpo da mulher de todos os modos, de elegância a putaria, de uma forma que, para muçulmanos, é igualmente condenável.)

Idéia 2 Os fundamentalismos muçulmanos são tão odiosos quanto os cristãos (nascidos por perto dos anos 1920 nos EUA e hoje alastrados como erva maligna pela política e a vida social do país) , os judaicos (que favorecem invasão e ocupação de terras palestinas e elegem governos de extrema-direita como o atual) e outros menos votados. O marido muçulmano afegão que mutila a mulher tem tanto peso quanto o ex-combatente que volta da guerra do Afeganistão, não encontra espaço na sociedade, arrasta traumas e psicoses, não tem assistência adequada e um dia mata a família e suicida. Os índices de suicídio entre ex-combatentes do Iraque e do Afeganistão é superior ao de todas as outras categorias classificáveis. Mas eles apenas matam e suicidam, não mutilam os seres amados.

3 O terceiro subtexto é o pretenso desrespeito do Taleban aos colaboradores altruístas e desinteressados, como médicos missionários, que socorrem, em geral, os feridos de tropas invasoras. Mais uma demonstração da barbárie do “inimigo” e da superioridade do invasor, que socorre até mesmo famílias afegãs atingidas pelos combates (leia-se: atingidos pelo fogo maciço dos invasores).

Idéia 3 Se não tivesse havido invasão, os médicos não estariam presentes, a não ser que fizessem parte de entidades dedicadas ao socorro a sofredores, sejam talebans ou chineses. Mas estes são sempre bem-vindos pelos governos e pelos opositores. Para os cidadãos do país, como os da etnia pashtun que enforma o Taleban, há milênios instalados em seu espaço, tropas armadas e médicos que se locomovem junto são ambos invasores.

A leitura, do ponto de vista do combatente taleban, é absolutamente correta. Seria pedir demais ao guerreiro taleban separar uns de outros. Logo para ele, que assiste ao seu inimigo que não sabe separar sequer combatentes de civis, ou adultos insurgentes de mulheres e crianças.

4 O quarto subtexto é a gratuidade do ataque taleban à equipe de médicos e assessores, o que reforça a característica de barbárie dos atos do inimigo.

Idéia 4 Os registros do Diário da Guerra Afegã trazem milhares de relatos de mortes em postos de controle, em estradas, dos invasores e da polícia afegã. Assim como os explosivos caseiros respondem pela maior parte de mortes de militares invasores, os assassinatos em postos de controle avultam entre os principais responsáveis pelas mortes de civis. Os invasores chamam essa barbárie de “escalation of force”, que começa no medo do que não se conhece (uma família afegã num carro é um potencial atacante) e culmina com civis metralhados, muitas vezes dentro de ônibus. Gratuidade?

5 Infere-se da foto, da chamada de capa e da leitura do texto que a violência de fundamentalistas muçulmanos é pior que qualquer outra.

Idéia 5 As contagens variam, mas todas convergem para cifras abismantes. No Iraque morreram até agora, após a invasão de 1991 por Bush pai, do bloqueio econômico e dos bombardeios entre 2001 e 2003, e pela invasão e posterior carnificina de Bush filho em 2003, mais de 1.350.000 civis. Exilados, contam-se por volta de 4.500.000, mais da metade fora do país. Desde a invasão russa de 1980-1989 até agora, após nove anos de invasão dos EUA-OTAN, morreram no Afeganistão estimados 3.000.000 de civis.

Mas a violência dos fundamentalistas muçulmanos é inimaginável: assim reza a grande mídia obediente aos desígnios e aos dólares do governo e das corporações que o elegem e mantêm. Consegue ser pior que a brasileira.

Fato que, este, sim, é um feito memorável!

Clique para ver...

Guerras ocidentais X mulheres muçulmanas

Tradução: Caia Fittipaldi

5/8/2010, Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar
http://blogs.aljazeera.net/imperium/2010/08/05/western-wars-vs-muslim-women

Marwan Bishara é jornalista, editor-chefe e analista político da rede Al-Jazeera [1]

A imprensa ocidental transborda de matérias sobre os maus tratos dos Talibãs às mulheres no Afeganistão e no Paquistão, e desperta incontáveis vozes de apoio, muito menos às mulheres do que à guerra que, como se diz, assegurará “futuro mais promissor aos direitos das mulheres”. Essa semana, a matéria de capa da revista Time promove exatamente esse tema.

Se as guerras ocidentais algum dia tivessem feito alguma coisa para ‘libertar’ as mulheres orientais, as muçulmanas seriam as mulheres mais ‘libertadas’ do mundo – depois de séculos de intervenções militares por exércitos ocidentais. Não são, nem serão, sobretudo quando qualquer ‘liberdade’ venha necessariamente associada ao mando ocidental.

O Afeganistão conheceu sua quota de intervenção militar por britânicos, russos e norte-americanos, e até agora, ninguém libertou uma única muçulmana. De fato, relatos de grupos feministas confiáveis locais demonstram que as condições de vida das mulheres afegãs pioraram muito desde a invasão pelos EUA, há quase uma década.

As normas sociais dos Talibã talvez afrontem modernos valores ocidentais, mas de modo algum podem ser sumariamente trocadas por valores ocidentais implantados, muito menos a tiros (ou a peso de bombas de fósforo).

Se, como insiste o general Petreaus, os soldados dos EUA devem “viver” com os afegãos, para conseguir derrotar os guerrilheiros, devem também esperar hostilidade cada vez maior contra os invasores estrangeiros e seus valores.

A carga do homem branco?[2]

Os mesmos argumentos da civilização pró-ocidente que têm sido usados há séculos para justificar as mais sangrentas guerras coloniais no oriente são reaproveitados hoje para manipular a opinião pública que sempre resiste contra todas as guerras e induzi-la a apoiar a escalada militar na Ásia Central.

A velha fantasia dos homens ocidentais, de ‘salvarem’ mulheres veladas das garras de seus opressores e raptores, está sendo explorada para promover a ideia de que a guerra ‘libertará’ as mulheres veladas da ‘maldição’ de terem de conviver com ‘terroristas barbudos’, assim como a mesma guerra também ‘libertará’ os EUA do ‘terrorismo’ dos mesmos barbudos.

À luz de tão pesada overdose de moralismo, foi particularmente embaraçoso para os líderes norte-americanos constatar que seus aliados são perfeitamente competentes para construir acordos com os mesmos grupos de barbudos aterrorizantes, que chegam para parlamentar, é claro, com suas barbas e suas práticas sociais.

Ano passado, o governo Obama condenou publicamente o presidente do Paquistão Asif Ali Zardari, por reconhecer as leis da Xaria no pequeno vale do rio Swat. Para o governo Obama, seria “rendição” aos Talibã. O mesmo governo Obama também condenou o presidente do Afeganistão Hamid Karzai, por ter assinado lei que admite o estupro nos casamentos da minoria xiita que vive no país.

Ninguém se lembrou de lembrar-se que até há bem pouco tempo, o estupro conjugal foi legal na Grã-Bretanha e nos EUA, onde ainda é legalmente considerado crime menor que o estupro não-conjugal em vários estados.

Os que buscam solução militar para problemas sociais falham sempre ao não fazer distinção ente o Islã e os Talibã, ou entre aspectos culturais e religiosos da vida na Ásia Central. E falham sempre, também, porque jamais explicam como, afinal, alguma mulher poderá alcançar algum direito, por meios militares.

Afinal de contas, a grande maioria dos paquistaneses e afegãos já votaram contra os Talibã – e no caso do Paquistão elegeram um partido secular liderado por uma mulher ocidentalizada, a falecida Benazir Bhutto, supostamente assassinada pelos Talibã. De fato, os fundadores do Paquistão eram tão seculares quanto muitos de seus equivalentes ocidentais.

Os últimos meses mostraram que o governo do Paquistão é capaz de fazer frente aos Talibã, quando entenda necessário. E quando a televisão paquistanesa mostrou o chicoteamento de uma jovem de 17 anos, houve indignação nacional, dos mais de 170 milhões de paquistaneses.

Por décadas, paquistaneses e afegãos foram vítimas de Talibã de estilo medieval, de mujahedeen e de senhores-da-guerra apoiados e armados pelos EUA através dos serviços de inteligência do Paquistão e da Arábia Saudita.

De fato, durante grande parte do século 20, todas as intervenções militares diretas ou apoiadas por países ocidentais, no Oriente Médio expandido, visaram a derrubar regimes seculares na região – do Irã de Mossadegh ao Egito de Nasser, passando pelo Iraque de Hussein, e para não falar de Najibullah, no Afeganistão soviético.

A carga da mulher branca

Ironia, que outros conservadores não veem, é o conservador britânico Cyril Townsend publicar, no jornal panárabe dos sauditas Al-Hayat, em artigo que levava o título “Direito das mulheres no Afeganistão”, que as soldadas britânicas lutam para que também no Afeganistão as mulheres tenham respeitados os seus direitos.

E nem uma linha de explicação sobre por que, 18 anos depois de meio milhão de soldados de EUA e Grã-Bretanha tanto terem guerreado para libertar o Kuwait e proteger sua aliada, a Arábia Saudita, as mulheres sauditas, até hoje, são proibidas de votar e de dirigir carros.

Tolices semelhantes apareceram em 2001, enunciadas pelas primeiras-damas Laura Bush e Cherie Blair, de apoio à “guerra para libertar as mulheres do Afeganistão”, quando de fato só faziam promover a guerra de seus respectivos homens e outros, e nunca, em tempo algum, promoveram algum direito de alguma mulher.

A revista Time seguiu a mesma toada, essa semana, com lembrete para que não se esquecesse o suplício das mulheres afegãs. Richard Stengel, editor-gerente da revista, escreveu que não publicara a matéria nem exibira aquela imagem “para apoiar nem o esforço de guerra dos EUA nem os que são contra a guerra”. Pode ser. Mas a matéria e a capa contribuíram para justificar a guerra em círculos humanitários ‘civilizados’ e nada fizeram para criticar a guerra naqueles mesmos círculos.

Um século depois de o poeta inglês Rudyard Kipling ter pela primeira vez invocado “A carga do homem branco”1 para explicar a invasão e a ocupação das Filipinas pelos EUA, Washington e Londres continuam a tentar justificar suas ações militares de intervenção e ocupação, servindo-se das mesmas falsidades requentadas.

É escandaloso que depois de as mentiras sobre “A carga do Homem Branco” terem sido desmascaradas, ao preço do sangue de milhões de homens e mulheres, novas doses gigantescas da mesma violência ainda apareçam justificadas sob o pretexto de alguma “carga” sobre ombros de algum homem ou mulher.

E é exatamente isso que se vê, quando tantos advogam que se bombardeiem incansavelmente culturas que não conhecem, até que se tornem culturalmente semelhantes ao Ocidente.

Essa perigosa escatologia espera construir sobre o que destrói e pode acabar destruindo sociedades muçulmanas inteiras, arrastada pela fantasia de que, pela morte e pelo sangue, o ocidente alcançará a liberdade que fantasia para outros, sem assegurá-la sequer às suas mulheres.

A guerra é o abuso máximo

Como principais vítimas do abuso do poder, as mulheres ocidentais vivem em posição única, da qual podem denunciar e rejeitar, mais que todas as mulheres, o maior e mais completo abuso, o abuso dos abusos, o abuso destrutivo, pelo homem ocidental, do poder patriarcal: a guerra.

Quanto às mulheres muçulmanas, não há qualquer espaço nessa guerra para ouvir o que pensem, suas esperanças ou aspirações. A voz delas está sendo progressivamente calada, pelo som ensurdecedor das bombas e explosões.

As mulheres orientais foram as primeiras vítimas civis das guerras ocidentais. Quantas viúvas, mães, irmãs e filhas enlutadas o ocidente ainda terá de produzir, antes de aprender a rejeitar todas as guerras de agressão, e de aprender a ver o que é, de fato, a suposta ‘missão civilizadora’ do Ocidente? Depois de décadas de guerras, o Iraque e o Afeganistão são hoje nações de viúvas – até agora são cinco milhões de viúvas, e o número não para de aumentar.

Os maus tratos contra mulheres não são limitados por culturas ou fronteiras. Paradoxalmente, a violência contra mulheres, em famílias de veteranos de guerra, nos EUA, é de três a cinco vezes maior do que na média das famílias norte-americanas. Essa, sim, é, literalmente, uma Carga da Mulher Branca.

Muitas mulheres alistam-se no serviço militar para alcançar plena igualdade no campo dos direitos. Há mais mulheres soldadas em combate no Iraque e no Afeganistão, do que jamais antes em todas as guerras. Penso mais nas mulheres que resistem ao mundo masculino das guerras, muito mais do que penso nas mulheres que se engajam nele.

Seja como for, homem algum jamais fez guerra para libertar mulher alguma. Bem diferente disso, segundo Martin Van Creveld, historiador de guerras, os homens fazem guerra para fugir de suas esposas e famílias, à caça de êxtase e transcendência. Não se pode dizer que seja causa propriamente feminista.



[2] Orig. The White Man's Burden é título de um poema do inglês Rudyard Kipling, publicado originalmente na revista popular McClure’s em 1899, com o subtítulo “The United States and the Philippine Islands”. H á uma ambiguidade no título, talvez mais clara em inglês que em português, e no modo como o poema (que teve várias versões) foi construído, que permite várias interpretações [a carga que pesa sobre os ombros do homem branco, e por extensão, a tarefa ‘civilizatória’ que lhe caberia; ou a carga representada pelo homem branco invasor e colonialista, que pesa sobre outros ombros, dentre outras intepretações]. Efeito dessa ambiguidade, o poema tem servido como ‘referência poética’ tanto para os que combatem o racismo eurocêntrico quanto para os que partilham as ambições ocidentais de dominar o mundo em desenvolvimento [NT, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/The_White_Man's_Burden].

Clique para ver...
 
Copyright (c) 2013 Blogger templates by Bloggermint
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...