Fragmentos de discursos amorosos ou nós que amávamos tanto a (tal da) revolução.

Posted on
  • terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
  • by
  • Editor
  • in
  • Marcadores: , , ,
  • Giuseppe Pellizza da Volpedo, “O Quarto Estado”, Itália, 1901.

    E sob os seus pés, continuavam as batidas cavas, obstinadas, das picaretas. Todos os companheiros estavam lá no fundo; ouvia-os seguindo-o a cada passo. Não era a mulher de Maheu sob aquele canteiro de beterrabas, curvada, com uma respiração que chegava até ele de tão rouca, fazendo acompanhamento ao ruído do ventilador? À esquerda, à direita, mais adiante, julgava reconhecer outros, sob os trigais, as cercas vivas, as árvores novas. Agora, em pleno céu, o sol de abril brilhava em toda a sua glória, aquecendo a terra que germinava. Do flanco nutriz brotava a vida, os rebentos desabrochavam em folhas verdes, os campos estremeciam com o brotar da relva. Por todos os lados as sementes cresciam, alongavam-se, furavam a planície, em seu caminho para o calor e a luz. Um transbordamento de seiva escorria sussurrante, o ruído dos germes expandia-se num grande beijo. E ainda, cada vez mais distintamente, como se estivessem mais próximos da superfície, os companheiros cavavam. Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra.

    (Émile Zola, “Germinal”, França, 1881).

    ****************
    Come ananás, mastiga perdiz.
    Teu dia está prestes, burguês.

    (Vladimir Maiakóvski, “Come Ananás”, Rússia, 1917).

    ***************
    A burguesia perdeu o próprio sentido. O proletariado marxista, através de todos os perigos, achou o seu caminho e nele se fortifica para o assalto final. Enquanto as fêmeas da burguesia descem de Higienópolis e dos bairros ricos para a farra das garçonnières e dos clubs, a criadagem humilhada, de touquinha e avental, conspira nas cozinhas e nos quintais dos palacetes. A massa explorada cansou e quer um mundo melhor!

    (Patrícia Galvão, sob o pseudônimo de Mara Lobo, “Parque Industrial”, Brasil, 1932).

    ***************
    (...) E se de repente Karl Marx ressuscitasse
    e os agentes de produção voltassem a chamar-se
    capitalistas e proletários? E se esta ordem
    desordenada
    virasse toda do avesso? Mas
    o muro caiu
    oiço dizer todos os dias.
    E um japonês chamado Fukuyama
    (talvez com medo de não morrer na cama)
    pôs um ponto final na História. Fim.
    A partir de agora é só sondagem imagem sacanagem.
    Gosto amargo do mundo
    bebe-se um trago e fica um travo.
    Se a História é interdita e não nos resta sequer a escrita
    que farei eu com este cravo?

    (Manuel Alegre, “O Cravo e o Travo”, Portugal, 1999).

    ***************
    Trilha Sonora do Dia: Screaming Trees, com "Working Class Hero", de John Lennon.


     
    Copyright (c) 2013 Blogger templates by Bloggermint
    Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...