And so this is christmas...

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  • quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
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  • Desde bem garoto, percebo que o Natal se aproxima devido a alguns sinais: as rádios começam a tocar “Happy Xmas” – a original, com o próprio John Lennon ou a indefectível versão em português, com a Simone -, a Rede Globo começa a pôr no ar os seu tradicionais – e muito chatos – comerciais de fim-de-ano (“hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa...”) e a anunciar o especial do Roberto Carlos, os grandes bancos fazem comoventes anúncios em que se apresentam quase que como instituições de caridade e a palavra “solidariedade” passa a freqüentar a boca de alguns dos mais execráveis representantes da espécie humana. Confesso que, a cada ano que passa, tenho menos paciência para estas coisas. Esta alegria forçada e este “espírito natalino” imposto - traduzidos na lógica do “consuma, consuma e o que sobrar dê aos pobres”- me indignam cada vez mais. Deve ser a idade: os quarenta anos começam a pesar. Será que é tão complicado perceber que “solidariedade” não é sinônimo de “esmola”, que a ação contra as desigualdades deve ser permanente e durar o ano todo - e todos os anos - e que isto passa necessariamente pela prática política, no mais nobre sentido dessa palavra tão prostituída? Ah, sei lá. Só sei que uma das melhores definições deste nosso Natal consumista foi dada em forma de poema pelo poeta português António Gedeão (1906-1997). Reproduzo-o abaixo:

    Dia de Natal

    Hoje é dia de era bom.
    É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
    de falar e de ouvir com mavioso tom,
    de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

    É dia de pensar nos outros – coitadinhos - nos que padecem,
    de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
    de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
    de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

    Comove tanta fraternidade universal.
    É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
    como se de anjos fosse,
    numa toada doce,
    de violas e banjos,
    Entoa gravemente um hino ao Criador.
    E mal se extinguem os clamores plangentes,
    a voz do locutor
    anuncia o melhor dos detergentes.

    De novo a melopéia inunda a Terra e o Céu
    e as vozes crescem num fervor patético.
    (Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
    Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

    Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
    Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
    Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
    e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

    Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
    com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
    cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
    as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

    Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
    ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
    É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
    como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

    A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
    Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
    E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
    e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

    Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
    Naquela véspera santa
    a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
    que nem dorme serena.

    Cada menino
    abre um olhinho
    na noite incerta
    para ver se a aurora
    já está desperta.
    De manhãzinha,
    salta da cama,
    corre à cozinha
    mesmo em pijama.

    Ah!!!!!!!!!!

    Na branda macieza
    da matutina luz
    aguarda-o a surpresa
    do Menino Jesus.

    Jesus
    o doce Jesus,
    o mesmo que nasceu na manjedoura,
    veio pôr no sapatinho
    do Pedrinho
    uma metralhadora.

    Que alegria
    reinou naquela casa em todo o santo dia!
    O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
    fuzilava tudo com devastadoras rajadas
    e obrigava as criadas
    a caírem no chão como se fossem mortas:
    Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

    Já está!
    E fazia-as erguer para de novo matá-las.
    E até mesmo a mamã e o sisudo papá
    fingiam
    que caíam
    crivados de balas.

    Dia de Confraternização Universal,
    Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
    de Sonhos e Venturas.
    É dia de Natal.
    Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
    Glória a Deus nas Alturas.
     
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