Escrevi este texto no dia da morte do Waldick Soriano e enviei-o para algumas pessoas. Agora, publico-o aqui, com pequenas modificações.
Hoje de manhã cedo, quando estava a caminho do trabalho, fiquei tocado ao ouvir no rádio a notícia da morte de Waldick Soriano, aos 75 anos de idade. Waldick foi um dos ícones da minha infância suburbana - ao lado de Chacrinha, Odair José, Reginaldo Rossi e de toda aquela legião de cantores populares que freqüentava assiduamente o programa do "Velho Guerreiro" - e faz parte da memória afetiva da geração que hoje está na casa dos quarenta e que cresceu em frente à telinha vendo programas "trash" e enlatados norte-americanos como "Perdidos no Espaço", "Terra de Gigantes" ou "Túnel do Tempo". Com seu indefectível chapéu, com seu jeitão machista e cafajeste e com suas declarações polêmicas e, às vezes, fascistóides, Waldick compôs um personagem genial, que é um retrato bastante aproximado do "Brasil Profundo", de onde ele veio. Em uma de suas mais conhecidas composições, ele cantava:
Deixei minha cidade tão humilde e pequenina
Pra buscar felicidade e cumprir a minha sina
Eu sonhava ser cantor e ninguem acreditava em mim
Mas eu tinha o meu valor
Lutei muito e agradecido canto assim
A voz do povo é a voz de Deus
Chegou a hora da verdade
Muito obrigado amigos meus
Tudo de bom, felicidade
Eu devo a tanta gente a razão do meu progresso
Hoje estou constantemente nas paradas de sucesso
E ao cantar essa canção tão sincera que nasceu em mim
É feliz meu coração, sofri muito mais venci
E agradecido canto assim...
Os patrulheiros do bom-gosto colocaram todo esse grupo de cantores no gueto musical, classificando-os como "Cafonas" ou "Bregas", determinando aquilo que deve ser ouvido por aqueles que se consideram bem-pensantes ou que aspiram a isto, esquecendo-se que, parafraseando o Millôr, o "bem-pensar" é antes de tudo o livre-pensar. No entanto, boa parte desses mesmos que estigmatizaram Waldick e seus companheiros incensa as letras "nonsense do Djavan ou as "Ego trips" do Caetano ou até acham interessante o "Pop" modernoso do Jorge Vercilo ou da Ana Carolina (não, ainda não consegui digerir o "eu vou de escada para elevar a dor)!. De certa forma, ao estabelecerem este preconceito contra os cantores populares, boa parte dos críticos - que, inclusive, se dizem de 'esquerda' e andaram bebendo na fonte do José Ramos Tinhorão - , em um ato falho (?!). demonstram o seu preconceito em relação a maior parte do povo brasileiro. Em um documentário produzido recentemente - "Waldick Soriano, Sempre no Meu Coração" - , Patrícia Pillar traçou um retrato extremamente sensível do Waldick, mostrando como o velho cantor, totalmente ignorado pela mídia, ainda atraía milhares de pessoas às dezenas de shows que ele fazia por ano pelo interior do Brasil. Insisto: é este "Brasil Profundo" que permanece ignorado pela maior parte das elites culturais brasileiras, que ainda trazem introjetada aquela perspectiva do século passado, desenvolvida pelo Jacques Lambert e por outros, da existência da dicotomia entre os dois brasis: um "arcaico e rural" e outro "moderno e urbano". No entanto, como na canção do Chico, "o tempo passou na janela" e eles não viram: é este Brasil "arcaico" que movimenta boa parte do PIB brasileiro e que está por trás do grande crescimento econômico recente do país; é nele que se concentra boa parte da "nova classe média" que se formou nos últimos anos e que, junto com a população das periferias das grandes cidades, constituem-se na base de apoio do atual governo, criando um fenômeno político que as "classes médias esclarecidas", a grande imprensa e boa parte da academia insistem em não entender (por não conhecerem o Brasil): o "lulismo". Waldick, Odair José, Lindomar Castilho, Reginaldo Rossi, Paulo Sérgio e tantos outros são oriundos deste "outro" Brasil e são dignos representantes do que podemos chamar de "Sonho Brasileiro". Portanto, minhas homenagens a eles.
Um brinde ao Waldick Soriano (com cerveja Caracu)!
Ps. Waldick tem uma música genial que só quem já sofreu as dores do amor consegue apreciar. Ela é obrigatória em todas as serestas que acontecem por este Brasil afora. Os estúpidos censores do regime militar chegaram a proibí-la pela menção à palavra "tortura". Hoje, após saber da morte de Waldick, coloquei-a para tocar no do carro, na versão maravilhosa da banda de rock portuguesa, Clã. Foi minha homenagem a ele. A letra segue abaixo.
Tortura de Amor
Hoje que a noite está calma
E que minh'alma esperava por ti
Apareceste afinal
Torturando este ser que te adora
Volta fica comigo
Só mais uma noite
Quero viver junto a ti
Volta meu amor
Fica comigo não me desprezes
A noite é nossa
E o meu amor pertence a ti
Hoje eu quero paz
Quero ternura em nossas vidas
Quero viver por toda vida
Pensando em ti
Hoje de manhã cedo, quando estava a caminho do trabalho, fiquei tocado ao ouvir no rádio a notícia da morte de Waldick Soriano, aos 75 anos de idade. Waldick foi um dos ícones da minha infância suburbana - ao lado de Chacrinha, Odair José, Reginaldo Rossi e de toda aquela legião de cantores populares que freqüentava assiduamente o programa do "Velho Guerreiro" - e faz parte da memória afetiva da geração que hoje está na casa dos quarenta e que cresceu em frente à telinha vendo programas "trash" e enlatados norte-americanos como "Perdidos no Espaço", "Terra de Gigantes" ou "Túnel do Tempo". Com seu indefectível chapéu, com seu jeitão machista e cafajeste e com suas declarações polêmicas e, às vezes, fascistóides, Waldick compôs um personagem genial, que é um retrato bastante aproximado do "Brasil Profundo", de onde ele veio. Em uma de suas mais conhecidas composições, ele cantava:
Deixei minha cidade tão humilde e pequenina
Pra buscar felicidade e cumprir a minha sina
Eu sonhava ser cantor e ninguem acreditava em mim
Mas eu tinha o meu valor
Lutei muito e agradecido canto assim
A voz do povo é a voz de Deus
Chegou a hora da verdade
Muito obrigado amigos meus
Tudo de bom, felicidade
Eu devo a tanta gente a razão do meu progresso
Hoje estou constantemente nas paradas de sucesso
E ao cantar essa canção tão sincera que nasceu em mim
É feliz meu coração, sofri muito mais venci
E agradecido canto assim...
Os patrulheiros do bom-gosto colocaram todo esse grupo de cantores no gueto musical, classificando-os como "Cafonas" ou "Bregas", determinando aquilo que deve ser ouvido por aqueles que se consideram bem-pensantes ou que aspiram a isto, esquecendo-se que, parafraseando o Millôr, o "bem-pensar" é antes de tudo o livre-pensar. No entanto, boa parte desses mesmos que estigmatizaram Waldick e seus companheiros incensa as letras "nonsense do Djavan ou as "Ego trips" do Caetano ou até acham interessante o "Pop" modernoso do Jorge Vercilo ou da Ana Carolina (não, ainda não consegui digerir o "eu vou de escada para elevar a dor)!. De certa forma, ao estabelecerem este preconceito contra os cantores populares, boa parte dos críticos - que, inclusive, se dizem de 'esquerda' e andaram bebendo na fonte do José Ramos Tinhorão - , em um ato falho (?!). demonstram o seu preconceito em relação a maior parte do povo brasileiro. Em um documentário produzido recentemente - "Waldick Soriano, Sempre no Meu Coração" - , Patrícia Pillar traçou um retrato extremamente sensível do Waldick, mostrando como o velho cantor, totalmente ignorado pela mídia, ainda atraía milhares de pessoas às dezenas de shows que ele fazia por ano pelo interior do Brasil. Insisto: é este "Brasil Profundo" que permanece ignorado pela maior parte das elites culturais brasileiras, que ainda trazem introjetada aquela perspectiva do século passado, desenvolvida pelo Jacques Lambert e por outros, da existência da dicotomia entre os dois brasis: um "arcaico e rural" e outro "moderno e urbano". No entanto, como na canção do Chico, "o tempo passou na janela" e eles não viram: é este Brasil "arcaico" que movimenta boa parte do PIB brasileiro e que está por trás do grande crescimento econômico recente do país; é nele que se concentra boa parte da "nova classe média" que se formou nos últimos anos e que, junto com a população das periferias das grandes cidades, constituem-se na base de apoio do atual governo, criando um fenômeno político que as "classes médias esclarecidas", a grande imprensa e boa parte da academia insistem em não entender (por não conhecerem o Brasil): o "lulismo". Waldick, Odair José, Lindomar Castilho, Reginaldo Rossi, Paulo Sérgio e tantos outros são oriundos deste "outro" Brasil e são dignos representantes do que podemos chamar de "Sonho Brasileiro". Portanto, minhas homenagens a eles.
Um brinde ao Waldick Soriano (com cerveja Caracu)!
Ps. Waldick tem uma música genial que só quem já sofreu as dores do amor consegue apreciar. Ela é obrigatória em todas as serestas que acontecem por este Brasil afora. Os estúpidos censores do regime militar chegaram a proibí-la pela menção à palavra "tortura". Hoje, após saber da morte de Waldick, coloquei-a para tocar no do carro, na versão maravilhosa da banda de rock portuguesa, Clã. Foi minha homenagem a ele. A letra segue abaixo.
Tortura de Amor
Hoje que a noite está calma
E que minh'alma esperava por ti
Apareceste afinal
Torturando este ser que te adora
Volta fica comigo
Só mais uma noite
Quero viver junto a ti
Volta meu amor
Fica comigo não me desprezes
A noite é nossa
E o meu amor pertence a ti
Hoje eu quero paz
Quero ternura em nossas vidas
Quero viver por toda vida
Pensando em ti