Um estranho modo de editar

O jornalista Ricardo Gandur, diretor de conteúdo do Grupo Estado de S. Paulo, diz no Observatório da Imprensa que a sociedade não pode prescindir de edição. Buscar informação de forma direta, na fonte, é um perigo se não existir um “filtro”. Explica: “É o mesmo que desinstitucionalizar a imprensa”.

Gandur e outros acreditam na “instituição imprensa” como um valor da sociedade. Não acreditam que esta sociedade esteja manifestando claramente que há algo condenável nessa instituição: a sua patente parcialidade. Um jornal estrangeiro, o El País, colabora com um bom argumento ao noticiar a criação do Blog da Petrobras e a repercussão por aqui. Segundo o espanhol, nossos jornalões “se adiantaram ao trabalho de uma CPI, apurando possíveis irregularidades da empresa”. Ou seja, o adiantar o trabalho da CPI é pautá-la com factóides. Como é o mecanismo? Luiz Nassif é bem objetivo: “Conta-se uma inverdade, cria-se a marola, depois pouco importa se o fato relatado era mentiroso”.

Um exemplo foi o falso grampo no STF, gritado pela revista Veja. Outro, do momento, antecipando a CPI da petrobras, as matérias para denunciar a operação contábil da estatal, acusada de dar calote no tesouro. O assunto foi berrado por dias, mas respondido com precisão no Fatos e Dados: é recurso normal de engenharia fiscal, está dentro da lei, e é utilizado por várias empresas.

Os jornais e seus patronos na oposição ao atual governo não sabiam? Claro que sabiam, é o que diz matéria de César Felício no Valor de hoje:

Estopim para a criação de uma CPI no Senado, a manobra contábil da Petrobras, que deixou de recolher três meses de contribuições, reforçando seu caixa em R$ 4 bilhões este ano, pode ter sido seguida pela maioria dos grandes contribuintes do País. Um estudo preparado pelo economista José Roberto Afonso, consultor do PSDB, com base em dados coletados no gabinete do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que tem acesso ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), detalha a queda na arrecadação tributária federal no primeiro quadrimestre deste ano, que é desproporcional à redução do PIB . Enquanto o Produto Interno Bruto teve uma redução de 1,8% no primeiro trimestre de 2009, em comparação com o mesmo período no ano passado, as receitas federais tiveram uma redução de 7,2% de janeiro a abril, percentual que sobe a 8,7%, caso se retirem as receitas previdenciárias. Em termos absolutos, houve uma perda de R$ 11 bilhões.

(…) Os dados mostram que, mesmo depois da Petrobras encerrar a sua compensação tributária e voltar a recolher as contribuições em abril, a arrecadação federal acelerou a queda: de retração de 4,4% em março para 8,8% em abril, quando comparada com igual mês no ano anterior, o que pode ser um indicativo de que os mecanismos de compensação tributária foram seguidos por outras grandes empresas.


Quer dizer, o PSDB e a imprensa sabiam que várias empresas se protegiam nas mesmas decisões. É o "filtro" de Gandur ajudando com a criação de um factóide para a CPI. E se essa CPI precisa da ajuda da imprensa para “antecipar” seus trabalhos, que tal ir buscar uma reportagem do saudoso Aloysio Biondi, na Folha de S.Paulo, em 6 de fevereiro de 1996:

Um estranho modo de governar

Aloysio Biondi

A equipe FHC vem utilizando com extrema agilidade a "carta branca" que ela própria se deu. Em operação realizada na Bolsa de Valores de São Paulo, o BNDES entregou a seis bancos e corretoras 600 milhões de ações da Petrobrás _sem necessidade de os compradores desembolsarem um tostão. O preço combinado por 0,55% do capital de uma das maiores empresas do mundo foi de R$ 60 milhões, mas para pagamento somente daqui a um ano, com juros de 10% ao ano (extremamente simpáticos), mais a Taxa de Juros de Longo Prazo. Além disso, o BNDES "inovou", mudando totalmente as regras do mercado, e autorizou os "compradores" a revenderem as ações (contratos "a termo") a qualquer momento, sem necessidade de os novos compradores pagarem o débito antes de vencido aquele prazo. Isto é, antes de 12 meses não entrará um tostão nos cofres do BNDES, que, segundo um diretor do banco estatal, aceitou essa condição, "que interessa aos investidores, porque não tem necessidade imediata de fazer caixa". Um argumento estranhável, já que o governo FHC está-se desfazendo de estatais e de ações em poder do BNDES exatamente para levantar recursos e, indiretamente, cobrir o falado "rombo" do setor público. Teoricamente, qualquer interessado poderia ter comprado as ações, pois a venda foi feita por meio de leilão em Bolsa. Mas o respectivo edital comunicando sua realização foi publicado somente dois dias antes do leilão.

Cartas marcadas

Toda a operação foi planejada e articulada por seis bancos e corretoras, que passaram a dispor de 0,55% do capital da Petrobrás, sem pagar nada, à espera da alta dos preços das ações. Graças à concordância do BNDES, vão embolsar lucros que deveriam ser do banco estatal, isto é, da coletividade. O BNDES aceitou até cartas de fiança (de outros bancos) em substituição ao ’’depósito de garantia’’ (margem) de 20%, habituais no mercado.

Manipulação

A operação foi acertada com a direção do BNDES há três meses, mas o leilão somente se realizaria quando as ações da Petrobrás chegassem a R$ 100 (o lote de mil ações) na Bolsa, o que aconteceu nos últimos dias de janeiro. Vale dizer, durante 90 dias somente a direção do BNDES e um punhado de instituições financeiras, seus clientes preferenciais e diretores sabiam que as cotações seriam "puxadas" para chegar aos R$ 100.

Privatização

Reunião do Conselho Nacional de Desestatização, no final de janeiro. Discute-se o roteiro de privatização da Rede Ferroviária Federal. O presidente da empresa aponta que o preço estabelecido para a venda está muito baixo, pois foi calculado há dois anos por uma empresa multinacional de consultoria. O representante do BNDES não contesta, mas alega que "essa revisão atrasaria o leilão em pelo menos três meses", e a rejeita. Um patrimônio de bilhões de reais vai ser vendido a preços reconhecidamente subavaliados?

Autoritarismo

Brechas nas leis do Ministério da Fazenda e do Banco Central alimentam a remessa de dólares e sonegação de impostos. Com essas acusações, a Procuradoria Geral da República e a Receita Federal pediram mudanças na legislação, em outubro. O Banco Central se opôs, e acabou ganhando a disputa. Agora, em entrevista, o diretor da área externa do Banco Central, Gustavo Franco, diz que, por meio de telefonemas a banqueiros, proibiu que eles fizessem aquelas operações. No governo FHC, o Brasil não precisa de leis, como ocorre em qualquer sociedade democrática. Autoritarismo confesso.

Caixa preta

O Ministério Público Federal quer processar o ministro da Fazenda e os diretores do Banco Central por causa do socorro a bancos "quebrados". O ponto básico da acusação é totalmente jurídico: houve desrespeito à lei, que proíbe essa utilização de recursos públicos. Em sua defesa, Malan, Loyolla e equipe dizem que fizeram tudo dentro da lei, isto é, autorizados por um "voto" (de resolução) do Conselho Monetário Nacional. O Ministério Público diz que o que vale é a lei.


Reproduzido de www.aloysiobiondi.com.br.

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A censura da Secretaria Municipal de Educação do RJ a Theodor de Bry.

Esta semana, o jornal “O Dia”, do Rio de Janeiro, publicou denúncias de pais de alunos da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, que se declararam “horrorizados” com a presença da imagem do empalamento de um índio, em um livro didático do quarto ano do Ensino Fundamental – “Projeto Pitanguá — História”, da Editora Moderna – distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação. A imagem em questão é uma gravura feita no século XVI pelo editor e gravador belga Theodor de Bry e mostra índios tupinambás aprisionando tribos inimigas. Pessoalmente, como historiador, considero absolutamente exageradas as reações dos pais, bem como as repercussões do episódio, visto que aquela imagem deve ser entendida dentro de um determinado contexto (afinal, é para isto que as crianças vão à escola!), já que representam o olhar de um europeu sobre sociedades absolutamente distintas de todas que eles conheciam até então. Além disto, ao ler o comentário de uma das mães entrevistadas (“Tomei um susto quando vi a gravura. Nunca tinha visto uma cena dessa. Na sala de aula, a figura agitou os estudantes, que já estavam comentando o fato antes mesmo de a matéria ser dada”), não pude deixar de pensar - com a experiência de quem, antes da carreira acadêmica, atuou como professor do Ensino Básico por alguns anos - que a agitação dos alunos se deu muito mais por uma leitura com conotações sexuais da imagem, do que por conta da violência retratada por ela. Afinal, em quaisquer desenhos animados japoneses - que passam livremente na programação matutina e vespertina de quase todos os canais de televisão aberto ou por assinatura - aparecem cenas tão ou mais violentas do que esta e, o que é pior, sem o “filtro” que o professor representa na escola, ao trabalhar com a leitura de imagens em suas turmas, visto que ele tem a preocupação de colocá-las em seu devido contexto. Mas, para além de toda esta discussão, o que me deixou, realmente, com uma enorme pulga atrás da orelha foram as declarações da Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin (ex-ministra de FHC e ex-secretária de estado de Alckmin, em São Paulo), transmitidas ontem à tarde, pela Rádio CBN. A secretária declarou que a prefeitura não tinha nenhuma responsabilidade sobre a escolha daquele livro didático, que os mesmo havia sido escolhido e enviado pelo MEC, que a secretaria o recolheria imediatamente, que ele seria substituído por um novo material (apostila) que já está em elaboração pela secretaria e, finalmente, que, em breve, a Rede Municipal de Ensino passaria a ter o seu material didático próprio. Ora, em primeiro lugar, causa-me muito estranhamento que alguém com o currículo da secretária ignore as regras para a escolha de livros do PNLD – que, aliás, foram elaboradas durante o governo a quem ela serviu tão bem – e afirme que esta escolha é responsabilidade do MEC, quando na verdade ela é feita da seguinte forma: 1- As editoras enviam os livros, sem nenhuma identificação, para o MEC; 2- O MEC os envia para uma Universidade Federal credenciada que formará uma comissão de professores para uma “avaliação cega” da obra; 3- Esta comissão atribui um conceito ao livro, justificando o por quê do mesmo; 4- Estes conceitos (e comentários) são publicados no guia que o MEC envia para as escolas para que os professores escolham as obras que preferirem; 5- Depois de feita a escolha, o MEC compra o livro junto às editoras e as envia para as escolas; desconhecer isto ou é má-fé ou é muita desinformação para alguém que ocupa tal cargo na segunda maior cidade do país. Em segundo lugar, me parece muita coincidência que tais denúncias levem a secretária a afirmar, imediatamente, que está em estudos a elaboração de um material didático próprio para a Rede Municipal. Levando em consideração os recentes acontecimentos envolvendo o material didático da Rede Estadual Paulista e as notórias ligações – repercutidas em vários blogs, em especial, no Cloaca News - do Secretário de Educação de São Paulo, Paulo Renato de Souza (de quem Cláudia Costin foi colega no ministério de FHC) com várias empresas do ramo de livros didáticos e de livros apostilados, fico pensando se não há algo no ar, além dos aviões de carreira. No momento em que os livros apostilados de São Paulo estão sendo alvo de inúmeras críticas, esta ridícula censura a uma obra-de-arte do século XVI e as declaradas intenções da secretária municipal do Rio de Janeiro parecem-me totalmente fora de contexto. Ou será que estão dentro?
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Conteúdo da programação - 2

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E na academia do professor Serrosferatu...

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A USP em dois tempos - Uma prévia do projeto do PSDB para a Universidade brasileira.

USP - 1968


USP - 2009

Depois dos acontecimentos de hoje no Campus da USP, não há muito o que comentar: há momentos em que os fatos são tão gritantes, que qualquer análise se faz desnecessária. No entanto, faço questão de reproduzir as palavras da professora e filósofa Olgária Matos, em uma entrevista concedida à Carta Maior, em 2007, quando a Universidade de São Paulo vivenciava uma situação de confronto muito parecida com a atual. Ao ser perguntada sobre o significado simbólico da presença da PM no Campus e sobre se aquilo se tratava somente de autoritarismo, a professora deu uma resposta brilhante e absolutamente inquestionável:

"Não é autoritarismo, é pior. Porque quando há autoritarismo, ele previne muitas vezes o uso da força policial, porque já faz (implicitamente) o papel de polícia. Não é que os policiais sejam maus. Mas o que significa a presença da polícia armada dentro de um campus, sendo que as nossas únicas armas são os livros e o pensamento? É muito grave, porque se ocorrer isso, serão armas desiguais, e o recinto universitário é um lugar que fica distante do conflito armado urbano. Enviar a Polícia Militar neste caso é como tentar intimidar um movimento civil, intelectual e político dos estudantes. Seria responder a isso com a força bruta, então é totalmente absurdo".

Relendo as palavras de Olgária e comparando as imagens acima, não posso deixar de lembrar das célebres palavras do velho Marx, em "O 18 Brumário": "Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa".
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