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COBERTURA DA CORRUPÇÃO
Detalhes tão pequenos
Por Luciano Martins Costa 
Os jornais paulistas de circulação nacional – Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo –  publicam em suas editorias de Política as reportagens sobre o caso de  licitações fraudulentas no sistema de transporte por trilhos na região  metropolitana de São Paulo e, nos cadernos de assuntos locais, o  escândalo da chamada “máfia dos fiscais”. O Globo, do Rio de Janeiro, publica o noticiário sobre os dois escândalos na mesma seção País, que apresenta os assuntos de política.
Na Folha,  as notícias de política são agrupadas no primeiro caderno, sob a  designação genérica de Poder, enquanto os assuntos locais ficam no  caderno Cotidiano. No Estado, política está em Política mesmo, e os assuntos da capital estão na seção do primeiro caderno chamada Metrópole.
Aparentemente,  não há motivos para chamar a atenção do leitor ou leitora para esses  detalhes tão sutis da organização dos jornais. Afinal, dirão alguns,  tanto faz se um assunto está no começo ou no fim de um caderno, ou se  questões de administração pública saem misturadas a notícias sobre o  efeito das chuvas de verão.
Só  que, na realidade, não é bem assim. Não há escolhas aleatórias na  organização do noticiário. Empresas jornalísticas costumam fazer  pesquisas contínuas para analisar o efeito de seus produtos noticiosos,  porque precisam desses dados para acompanhar a repercussão das escolhas  editoriais entre os leitores. Até mesmo o preço dos anúncios é  diferenciado, não apenas de acordo com o número de pessoas que são  atraídas para determinada área do jornal, mas também conforme o nível de  atenção produzido por cada seção de notícias.
Quando  os editores responsáveis definem que um escândalo estadual deve sair na  seção de Política e um escândalo municipal vai para o noticiário local,  é porque encontraram boas razões para isso. Mas essas razões não serão,  necessariamente, aquelas do interesse do leitor.
Muitos  haverão de se perguntar, por exemplo, o que diferencia um caso de  corrupção envolvendo autoridades estaduais de um escândalo envolvendo  autoridades municipais. Não seria tudo, afinal, corrupção, ou seja,  casos de mau uso do poder político?
Em banho-maria
Na quarta-feira (11/12), por exemplo, o Globo traz  no primeiro caderno, na seção País, a notícia de que a Justiça Federal  em São Paulo enviou ao Supremo Tribunal Federal o inquérito sobre a  prática de cartel no sistema metropolitano de transportes, com suspeitas  de pagamento de comissões, porque há indícios de envolvimento de  deputados federais no escândalo. Na mesma seção sai também publicada a  reportagem contando que o Ministério Público cruza dados de empresas e  pessoas físicas suspeitas de pagar propina a auditores em troca da  redução do Imposto sobre Serviços.
Já  os jornais paulistas separam os dois assuntos, mantendo o noticiário  sobre o cartel de trens no primeiro caderno, com as questões nacionais,  enquanto o caso de pagamento de propinas na Prefeitura é publicado junto  aos assuntos locais.
Diriam,  aqueles que gostam de simplificar as coisas, que, para um jornal  carioca, questões paulistas são temas nacionais, portanto, faz sentido  que estejam todas elas concentradas na seção País do Globo. Mas, como explicar a segregação das duas pautas nos jornais paulistas, se são igualmente casos de corrupção?
Em  condições normais de umidade e temperatura política, a imprensa tem por  norma fazer o noticiário convergir para seus protagonistas, quando  todas as informações lhes dizem respeito. Da mesma forma, se integrantes  de um determinado partido são acusados de um crime na esfera federal,  outros crimes a eles atribuídos, sejam estaduais ou municipais, são  agrupados no mesmo pacote de reportagens.
Não  seria o caso de considerar que os dois escândalos apontam para a mesma  direção, ou seja, para o grupo político que governa o Estado de São  Paulo há vinte anos e que governou a Prefeitura da capital até o ano  passado?
Pode  parecer picuinha de quem se dedica a observar a imprensa, mas na  verdade a localização de uma notícia pode determinar as possibilidades  de maior ou menor repercussão.
Esses  detalhes tão pequenos de todos os dias é que vão definir se um  acontecimento vai virar tema de escândalo nacional ou se vai ser cozido  em banho-maria no noticiário local até cair no esquecimento.