“A pressão da sombra atua em sentido inverso nas diferentes espécies de almas. O homem, diante da noite, reconhece-se incompleto. Vê a obscuridade e sente a enfermidade. O céu negro é o homem cego. Entretanto, com a noite, o homem abate-se, ajoelha-se, prosterna-se, roja-se, arrasta-se para um buraco, ou procura asas”.
Dois josés, Dirceu e Genoíno, são destes que arrostam as dores da batalha que escolheram.
Estão sendo presos como símbolos, não como criminosos.
Este país sempre foi e é generoso com os corruptos de verdade.
Busque em sua memória e veja se os malufes, os ademares, os tantos que se tornaram crônicos reincidentes por desvio de dinheiro público tiveram este tratamento. Aos que engordaram nas tetas da ditadura, como muitos dos “capitães da mídia” jamais sequer acusaram.
E aos dois josés, jamais acharam ou sequer alegaram cofres ou contas suspeitas.
Condenaram-os dispensando prova objetiva, com base no “domínio do fato”, de forma inédita no Judiciário brasileiro.
O STF, tão cioso da interpretação rigorista das leis – ao ponto de absolver, em nome de uma lei da anistia editada na ditadura, o assassinato, a tortura, a mutilação de seres humanos – entrou para o perigoso terreno do “clamor público”, na verdade o clamor que se publica, expresso numa campanha de mídia de proporções gigantescas.
Despejou-se sobre os josés a treva e não se admitiu nada que não fosse a confirmação do julgamento antecipado pela culpa.
Mais, exacerbaram-se ao máximo as punições, porque era preciso expor como criminosas não suas figuras pessoais , mas a causa e o projeto a que serviram em toda a sua vida adulta.
Prisão não é novidade para eles, mas as da ditadura – exatamente por isso – foram mais fáceis de entender e, apesar da tortura, de suportar.
Ambos deram sua juventude pela restauração da democracia e descobrem, na hora em que seu outono chega, que a democracia serviu-se, contra eles, de um ódio sofisticado, mais cruel que o dos ditadores.
Não se os absolve, aqui, porque não é possível sem um julgamento justo, dizer se há ou não culpas a expiar.
E não houve julgamento justo.
Mesmo quando se tratou de um recurso de límpido e claro direito, como o dos embargos infringentes, tentou-se manipular para que fosse negado, o que por muitíssimo pouco não ocorreu.
Os ministros cuja convicção pessoal apontava pela absolvição foram expostos como se fossem cúmplices do alegado crime e pressionados até a execração pública.
Já os que se dispunham ao papel de algozes,estes foram tratados como heróis pela mídia.
Este processo, que teve o evidente propósito de atingir Lula, pessoalmente,não alcançou este objetivo.
Mas teve um efeito terrível, do ponto de vista político e humano.
No político, privou seu partido – e, em parte, o seu projeto – de dois de seus melhores quadros, tanto da negociação política quanto da visão estratégica. O PT, sem seus josés, perdeu consistência e protagonismo.
No humano, faz cada homem de bem deste país sentir – enquanto as bestas-fera comemoram – a dor de ver pessoas serem submetidas a uma pena que – se no máximo é dado pelo que é universal na política brasileira, sem o financiamento públicos que jamais aceitam adotar – é certamente desproporcional e revestida do que mais ofende o sentimento de Justiça: a vingança, o interesse político e a crueldade.
Os dois josés foram lançados sob a noite do banimento, mais que da prisão.
Porque nada é capaz de prender o pensamento, a vontade, a dignidade humana.
Que cria, como disse Hugo, asas e voa por sobre qualquer muro com que se a queira encarcerar.
Estamos diante de um momento raro: aquele em que as vítimas se agigantam e os algozes murcham sob o peso da vergonha.
Fernando Brito
No Conversa Afiada