Copiado da Tribuna da Internet
Leonardo Boff
Via de regra, todos os operadores de saúde foram moldados pelo paradigma científico da modernidade, que operou uma separação drástica entre corpo e mente e entre ser humano e natureza. Criou as muitas especialidades que tantos benefícios trouxeram para o diagnóstico das enfermidades e também para as formas de cura. Reconhecido esse mérito, não se pode esquecer que se perdeu a visão de totalidade: o ser humano inserido no todo maior da sociedade, da natureza e das energias cósmicas, a doença como uma fratura nessa totalidade e a cura como uma reintegração nela.
Há uma instância em nós que responde pelo cultivo dessa totalidade, que zela pelo eixo estruturador de nossa vida: é a dimensão do espírito.
Neurobiólogos e estudiosos do cérebro identificaram a base biológica da espiritualidade. Ela se situa no lobo frontal do cérebro. Verificaram empiricamente que sempre que se captam os contextos mais globais ou ocorre uma experiência significativa de totalidade, ou também quando se abordam de forma existencial (não como objeto de estudo) realidades últimas, carregadas de sentido e que produzem atitudes de veneração, de devoção e de respeito, se verifica uma aceleração das vibrações em hertz dos neurônios aí localizados. Chamaram esse fenômeno de “ponto Deus” no cérebro ou de emergência da “mente mística” (Zohar, Q. S., “Inteligência Espiritual”, 2004). Trata-se de uma espécie de órgão interior pelo qual se capta a presença do Inefável dentro da realidade.
Esse “ponto Deus” se revela por valores intangíveis, como mais compaixão, mais solidariedade, mais sentido de respeito e de dignidade. No termo, espiritualidade não é pensar Deus, mas sentir Deus mediante esse órgão interior e fazer a experiência de sua presença e atuação a partir do coração. Ele é percebido como entusiasmo (em grego, significa ter um deus dentro) que nos toma e nos faz saudáveis e nos dá a vontade de viver e de criar continuamente sentidos de existir.
Que importância emprestamos a essa dimensão espiritual no cuidado da saúde e da doença? A espiritualidade possui uma força curativa própria. Não se trata de forma nenhuma de algo mágico e esotérico. Trata-se de potenciar aquelas energias que são próprias da dimensão espiritual, tão válidas como a inteligência, a libido, o poder e o afeto, entre outras dimensões do humano.
ENERGIAS REGENERATIVAS
A espiritualidade reforça na pessoa, em primeiro lugar, a confiança nas energias regenerativas da vida, na competência do médico e no cuidado diligente da enfermeira. Sabemos pela psicologia do profundo e do transpessoal o valor terapêutico da confiança na condução normal da vida.
Não raro, os próprios médicos se surpreendem com a rapidez com que alguém se recupera, ou mesmo como situações, normalmente dadas como irreversíveis, regridem e acabam levando à cura. No fundo, é crer que o invisível e o imponderável são parte do visível e do previsível.
Pertence também ao mundo espiritual a esperança imorredoura de que a vida não termina na morte, mas se transfigura através dela.
Pertence também ao mundo espiritual a esperança imorredoura de que a vida não termina na morte, mas se transfigura através dela.
Força maior, entretanto, é a fé de sentir-se na palma da mão de Deus. Entregar-se, confiadamente, à sua vontade, desejar ardentemente a cura, mas também acolher serenamente sua vontade de chamar-nos para si: eis a presença da energia espiritual. Não morremos, Deus vem nos buscar e nos levar para onde pertencemos desde sempre, para a sua Casa e para o seu convívio. Tais convicções espirituais funcionam como fontes de água viva, geradoras de cura e de potência de vida. É o fruto da espiritualidade. (transcrito de O Tempo)