Procurador-geral quer que o Supremo decrete a detenção de Natan Donadon, condenado a 13 anos de cadeia pelo próprio STF
Helena Mader
A tensão entre o Legislativo e o Judiciário ganhou ontem mais um ingrediente. Condenado em outubro de 2010, mas até hoje livre e com mandato, o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) deve ser o primeiro parlamentar preso no exercício do cargo após sentença condenatória do Supremo Tribunal Federal. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, a prisão imediata do deputado, considerado culpado das acusações de peculato e formação de quadrilha. Ele foi condenado a 13 anos e 4 meses de cadeia, mas ainda circula livremente pelos corredores da Câmara, porque seus advogados recorreram da decisão da Corte. Os embargos foram rejeitados por unanimidade no último dia 13, mas ainda não houve a publicação desse acórdão específico — o da condenação já saiu no Diário da Justiça. O procurador argumenta que não há mais possibilidade de apresentação de outros recursos. Mas a defesa de Natan Donadon alega que a prisão antes do trânsito em julgado do processo seria uma ilegalidade.
Se a prisão parece iminente, o mesmo não se pode falar da cassação do mandato de Donadon. Como não houve pedido do Ministério Público para a perda do cargo, o caso não foi discutido durante o julgamento no Supremo, ao contrário do que ocorreu no mensalão. Somente com a detenção em regime fechado do parlamentar é que a Câmara dos Deputados tratará sobre o caso. Como Natan precisa ficar pelo menos dois anos na cadeia para pedir o benefício da progressão de pena para o regime semiaberto, seu mandato já estará terminado ao fim do cumprimento da pena e ele não poderá voltar à Câmara.
No mês passado, o ministro Joaquim Barbosa rejeitou o pedido da Procuradoria Geral da República para a prisão imediata dos condenados por envolvimento com o mensalão. O presidente do Supremo alegou que seria incabível a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação. Mas o caso de Natan Donadon tem diferenças com relação aos réus da Ação Penal 470, tendo em vista que o acórdão da condenação já foi publicado. Ainda existe a possibilidade de a defesa do deputado recorrer contra a rejeição dos embargos de declaração. Mas o Supremo pode entender que a medida tem objetivo exclusivamente protelatório e determinar o cumprimento imediato da sentença.
Na petição enviada ao Supremo, o procurador-geral de Justiça alega que, embora o acórdão não tenha sido publicado, "o recolhimento do réu à prisão é medida que se impõe, pois o acórdão condenatório proferido pelo plenário do Supremo carrega a característica de definitividade".
"Forma açodada"
O presidente do Supremo tem três alternativas em relação ao pedido da PRG: recusar a prisão imediata; acatar a petição e mandar o deputado para a cadeia; ou pode ainda remeter o documento à relatora da Ação Penal 396, ministra Cármen Lúcia, para que ela analise o caso depois do recesso. Natan Donadon foi condenado por envolvimento no desvio de recursos da Assembleia Legislativa de Rondônia. Como diretor financeiro da Casa, ele e outros sete corréus teriam se apropriado indevidamente de R$ 1,6 milhão durante a execução de contratos de propaganda.
O advogado do parlamentar, Nabor Bulhões, acredita na possibilidade de reversão da condenação com a apresentação de novos recursos e defende a ilegalidade da prisão imediata. Nos embargos apresentados ao Supremo, a defesa de Natan argumentou que a pena aplicada ficou muito superior às definidas em primeira instância para os corréus. "Houve desmembramento do processo e corréus com imputações mais graves foram absolvidos ou tiveram penas que garantem cumprimento em regime aberto. Nesses casos, o Supremo tem precedentes de que deve prevalecer o princípio da isonomia. Não importa se essas decisões forem proferidas por instâncias distintas", acrescentou o advogado do deputado.
Em 2010, Natan Donadon renunciou ao mandato anterior na esperança de escapar do julgamento no STF mas, ainda assim, a Corte entendeu que tinha competência para analisar o caso. Depois do escândalo, Donadon foi reeleito pela população de Rondônia e voltou à Câmara. Desde a condenação, o deputado raramente é visto nos corredores da Casa.
Para Nabor Bulhões, o Ministério Público está agindo "de forma açodada e motivado por pressão da imprensa". Ele diz que a rejeição dos embargos sem a publicação do acórdão não configura trânsito em julgado. "Espero que o eminente presidente do Supremo rejeite esse, pedido porque ele contraria o acórdão do próprio tribunal. O trânsito em julgado só ocorrerá 15 dias depois da publicação do acórdão, caso não haja novo recurso", concluiu Nabor, sem confirmar se entrará com novos recursos contra os embargos já rejeitados pelo STF.
Denúncias de Valério
A Procuradoria Geral da República informou ontem que ainda não começou a apurar as denúncias do empresário Marcos Valério contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por meio de nota, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que, somente depois de analisar as denúncias de Valério, vai informar o que será feito com o depoimento do acusado de ser o operador do mensalão. "Portanto, não há qualquer decisão em relação a uma possível investigação do caso", diz a nota divulgada pelo Ministério Público.
Mais cinco na fila
O destino de Natan Donadon será decisivo para outros cinco deputados condenados pelo Supremo que ainda têm mandato. Além do representante de Rondônia, o parlamentar Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) e quatro réus condenados pelo mensalão acompanham com apreensão o andamento processual enquanto aguardam o trânsito em julgado das sentenças. José Genoino (PT-SP), que tomou posse no início do mês, João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) estão na mesma situação, já que o Supremo rejeitou a prisão antes da publicação do acórdão. Bentes, por sua vez, foi condenado a cumprir pena em regime aberto. Ele é acusado de oferecer cirurgias de esterilização a mulheres em troca de votos nas eleições municipais de 2004, quando concorreu à prefeitura de Marabá (PA), e recebeu pena de 3 anos de cadeia.
Em 28 de outubro de 2010, o Supremo condenou o deputado federal Natan Donadon a 11 anos e 1 mês de prisão pelo crime de peculato. Por conta da denúncia de formação de quadrilha, Natan foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão. As penas fixadas ficaram muito próximas às máximas definidas na legislação. O STF determinou o cumprimento da pena em regime fechado. A publicação do acórdão só ocorreu exatos seis meses depois, em 28 de abril de 2011. Em 4 de maio do mesmo ano, a defesa do deputado apresentou um embargo de declaração. O caso só foi analisado em 13 de dezembro do ano passado. Por unanimidade, os ministros rejeitaram o pedido formulado pelos advogados. Como os prazos processuais ficam suspensos durante o recesso do Judiciário, a publicação do acórdão deve ocorrer a partir de 1º de fevereiro, quando o Supremo retoma os trabalhos.
O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello lembra que há diferenças importantes entre o caso de Natan e o dos condenados pelo mensalão. Ainda assim, ele defende que não haja prisão antes do trânsito em julgado. "Só cabe prisão para executar pena imposta na sentença condenatória quando não couber recurso contra a decisão. No caso concreto, ainda não houve a publicação do acórdão", explica. "Na Ação Penal 470, não havia sequer o acórdão resultante do julgamento. Nesse caso, há dois pronunciamentos do Supremo. Mas se eu estivesse na presidência, eu determinaria o envio à relatora e aguardaria a reabertura do ano do Judiciário. Não há sangria desatada e não há risco de prescrição porque pena é alargada", acrescentou.
Fonte: Correio Braziliense