Celso de Mello faz dura advertência contra reações corporativas e diz que insubordinação é inaceitável
Parlamentares mensaleiros só terão de entregar o mandato após os recursos; Marco Maia diz que vê ingerência na Câmara e que vai recorrer
Depois de 138 dias e 53 sessões, o Supremo Tribunal Federal concluiu ontem o julgamento dos 37 réus do mensalão e decidiu, por cinco votos a quatro, que os três parlamentares condenados perderão seus direitos políticos e, em consequência, seus mandatos, mas somente após o julgamento de todos os recursos judiciais. O ministro Celso de Mello, que deu o voto de desempate, advertiu que qualquer desobediência à decisão do STF seria "intolerável, inaceitável e incompreensível" e que a insubordinação sujeita a autoridade a ser processada por crime de prevaricação. Mas o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), insistiu que, pela Constituição, a última palavra sobre cassação é da Câmara. Segundo ele, a Casa vai recorrer assim que sair o acórdão do STF: "A decisão tomada pelo tribunal não encerra o assunto. Vamos utilizar todos os mecanismos para convencer que não é razoável ingerência na prerrogativa da Câmara."
Celso de Mello: desobediência da Câmara será intolerável
Para ministro, é "inadmissível" que deputados descumpram decisão sobre mandatos
André de Souza, Carolina Brígido
Celso de Mello. Quem descumprir decisão do Supremo está cometendo crime de prevaricação, destaca ministro
BRASÍLIA - O ministro Celso de Mello, mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), declarou ontem em plenário que qualquer desobediência à decisão do STF será "intolerável, inaceitável e incompreensível". Embora não tenha citado nomes, o recado tinha destinatário: o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), que sustenta caber apenas aos congressistas decidir sobre perda de mandato dos três deputados condenados no mensalão. Mello afirmou ser inadmissível descumprir decisão do STF, o que seria uma reação corporativa e uma usurpação.
- Inadmissível o comportamento de quem, demonstrando não possuir necessário senso de institucionalidade, proclama que não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário que, incumbido pela Assembleia Constituinte de atuar como guardião da ordem constitucional, tem o monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição - disse Celso de Mello.
Segundo o ministro, uma autoridade que descumpre decisão judicial está sujeita a ser processada por crime de prevaricação (quando o agente público retarda ou deixa de praticar ato previsto em lei para satisfazer interesse pessoal). A pena para o crime de prevaricação é de três meses a um ano de detenção, mais pagamento de multa.
- A insubordinação legislativa ou executiva ao comando de uma decisão judicial, não importa se do STF ou de um magistrado de primeiro grau, revela-se comportamento intolerável, inaceitável e incompreensível. Qualquer autoridade pública que descumpra uma decisão do Judiciário transgride a própria ordem constitucional, e assim procedendo expõe-se, em consequência de seu comportamento, aos efeitos de uma dupla e inafastada responsabilidade, a responsabilidade penal por infração possivelmente ao artigo 319 do Código Penal, que define o crime de prevaricação - afirmou o ministro. - Reações corporativas ou suscetibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de solidariedade não podem justificar afirmação politicamente irresponsável e juridicamente inaceitável.
Marco Maia não reage
Apesar da defesa da Câmara, Marco Maia preferiu, ontem, não reagir ao contra-ataque de Celso de Mello e atribuiu as declarações do ministro ao calor da emoção do julgamento.
- O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último. A alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou verdade. Por isso mesmo, cabe assinalar a submissão de todos nós, particulares, servidores civis, chefes militares ou dirigentes políticos, ao império das decisões judiciais, em especial naquelas do Supremo Tribunal Federal já transitadas em julgado - disse Maia.
Fonte: O Globo