De 23 novas hidrelétricas planejadas na Amazônia, sete serão construídas em áreas intocadas
O governo planeja instalar na Amazônia pelo menos 23 novas hidrelétricas, além das seis já em construção na região. Segundo levantamento do GLOBO, ao todo, essas 29 hidrelétricas vão gerar 38.292 MW, quase metade dos 78.909 MW produzidos pelas 201 usinas hidrelétricas em operação hoje no país. Sete delas, como as das bacias do Tapajós e do Jamanxim, serão feitas no coração da Amazônia, em áreas de floresta contínua praticamente intocadas. Outras estão em áreas remanescentes importantes de floresta amazônica, como o conjunto de sete hidrelétricas planejadas nos rios Aripuanã e Roosevelt, no Mosaico de Apuí, com impacto direto em 12 unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas. A região, ao Sul do Amazonas, foi considerada de prioridade extremamente alta para conservação pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2006.
Confira o mapa das usinas
Somados, os 29 projetos alcançam 31% da capacidade potencial de geração de energia das duas principais bacias hidrográficas da região, as dos rios Amazonas e Tocantins, e 14 deles usam R$ 78 bilhões em recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Verbas do PAC foram destinadas até para usinas que sequer receberam aval ambiental: São Luiz do Tapajós (R$ 18,1 bilhões), Jatobá (R$ 5,1 bilhões) e Marabá (R$ 2,27 bilhões). Os planos vão além: está em andamento o estudo para aproveitar a Bacia do Rio Negro.
— A Amazônia é a bola da vez, e é necessário se antecipar aos problemas, não pedir desculpas pelo já feito. É preciso ter princípios adequados à lógica da região. Na Amazônia, a questão ambiental se sobrepõe a todos os fatores. Não dá para fazer uma usina atrás da outra — diz João Gilberto Lotufo, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), que acaba de finalizar o Plano Estratégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da margem direita do Rio Amazonas.
Última fronteira a ser desbravada, a Amazônia pode gerar 121.246 MW, equivalentes a 48,72% do potencial do país. Além das hidrelétricas, outras 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão em rios amazônicos — cinco em obras e seis já outorgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
— Estamos planejando com o maior cuidado e procurando reduzir ao mínimo o impacto — afirma Altino Ventura, secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia.
Se forem acrescentadas à lista as usinas de Estreito e Santo Antônio, que entraram em operação em 2011, as novas usinas vão gerar 42.529 MW, o que significa aumento de 53,9% na capacidade instalada do país.
— Metade da energia prevista para entrar no sistema até 2020 está na Amazônia. Podemos abrir mão? — indaga Ventura.
O entusiasmo com a construção de hidrelétricas contrasta com as preocupações ambientais. O Amazonas deve receber quatro delas. O governo do estado é contra.
— Não somos contra o crescimento econômico, mas ele não precisa ser predatório. O governo precisa olhar outras soluções — diz Anderson Bittencourt, coordenador de Energia da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas, que projeta uma usina solar em Manaus.
Alagamento: oito vezes a área do Rio de Janeiro
Bittencourt diz que a primeira consulta pública sobre as usinas foi em Manaus, a mais de mil quilômetros das comunidades afetadas, onde vivem 112 mil pessoas.
As novas hidrelétricas na Amazônia — incluindo as recém-inauguradas Santo Antônio e Estreito — alagarão uma área de ao menos 9.375,55 quilômetros quadrados, quase oito vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. A área inundada diminuiu em relação a obras do passado. Em média, serão 0,22 km²/MW contra uma média nacional de 0,49 km²/MW.
As duas maiores usinas, São Luiz do Tapajós e Jatobá, ambas no Tapajós alagarão 1.368,85 quilômetros quadrados, quase o tamanho da cidade de São Paulo. A São Luiz do Tapajós deve gerar 6.133 MW; será a quarta maior do país, atrás de Belo Monte, Tucuruí e Itaipu.
A terceira maior usina desta lista é a de Marabá, com operação planejada para 2018 e capacidade de 2.160 MW. Possui o maior reservatório entre as novas, de 1.115 quilômetros quadrados, e poderá deslocar 40 mil pessoas que vivem às margens do Tocantins em nove municípios de Pará, Tocantins e Maranhão. Na região, está a reserva indígena Mãe Maria e o Parque Estadual do Encontro das Águas.
Para o biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Brasil deve buscar novos caminhos:
— É preciso repensar a lógica para, no futuro, não se arrepender de ter acabado com os rios da Amazônia. É mais barato fazer um plano de redução do consumo. No Brasil, 5% do gasto são de chuveiro elétrico — diz o biólogo.
Fonte: O Globo