A televisão nunca me atraíra. Ao contrário do teatro, onde o trabalho era artesanal, e respirava-se a liberdade da boemia e apesar da pouca liberdade criativa (a Censura era terrível) ainda assim criava-se mais que na indústria de conteúdo.
Mas naquela noite eu dissera à minha mulher: “Já estou com mais de 40 anos, vinte e seis anos anos de profissão. Acho que agora estou preparado para enfrentar a “Besta”. Se me chamarem para uma novela aceitarei .”
No dia seguinte, como por obra do inconsciente, toca o telefone e um tal Paulo Ubiratan – nem sabia quem era – me convida para fazer uma novela na Globo. Pediu que eu fosse lá naquele mesmo dia para tratar do assunto.
Eu sequer sabia onde era a porta da Globo.
Sequer tomava conhecimento de TV.
Encontramo-nos em pé no corredor da emissora, no Jardim Botânico. Ele me olhou...e disse: “Serve.”
Claro que “servia”. Afinal a personagem era insignificante na trama. Ia entrar apenas uma vez por semana, um minuto no ar.
Era para fazer o mendigo Bafo de Bode, em Tieta.
Mandou-e à maquiagem e ao figurino enquanto aguardava a feitura do contrato.
Na maquiagem encontrei o mestre Vavá torres e disse a ele como via a caracterização da personagem. Cabelo como ninho de rato.,. dentes podres... mãos sujas...
No figurino, a mesma coisa : roupas gastas, sujas, e uma caneca pendurada na cintura, amarrada de barbante.
A personagem estava borbulhando em mim. Eu a conhecia por várias vertentes:
Na pequena cidade mineira onde fui criado – Faria Lemos – havia uma mendiga chamada Maria Pé de Boi. Inofensiva, mas terror das crianças. Estava na minha memória.
No candomblé, que eu trouxera da cultura da Bahia havia a figura do Exu criança, um demônio infantil que fica nas ruas aprontando.A prosódia eu já havia adquirido em meu exílio baiano.
O restante foi o surgimento de uma personagem que o inconsciente coletivo dos telespectadores estava desejoso de encontrar.
Em outra oportunidade narrarei como o sucesso foi tão grande que a Emissora queria matar o Bafo de bode. Tirar da novela.