AS DECLARAÇÕES DO PAPA BENTO XVI

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  • sexta-feira, 29 de outubro de 2010
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  • Laerte Braga


    O jornal O DIA, edição de hoje, 29 de outubro, reproduz declaração do candidato José FHC Serra pedindo a cada “menininha bonita” que consiga votos para ele declarando que quem votar no 45 “terá mais chances”.

    E distribui com as bênçãos de D. Luís Gonzaga Bergozini, santinho com a estampa de Cristo de um lado e um recado dele José FHC Serra de outro lado.

    E depois, com a cara mais cínica do mundo condenada o aborto e a prostituição.

    Barack Obama sofreu o diabo na campanha eleitoral de 2008 nos Estados Unidos. As elites políticas e econômicas do país, ligadas aos Republicanos, não admitiam a vitória de um negro nas eleições presidenciais e toda a sorte de boatos, calúnias, infâmias foram dirigidos contra Obama.

    Num dado momento os adversários de Obama recorreram ao tema religião. Espalharam a notícia que o candidato democrata, se eleito, transformaria os EUA numa república islâmica como o Irã, ou num país devastado como o Quênia.

    Aborto foi um dos temas polêmicos da campanha nos Estados Unidos.

    Há alguns anos atrás era impensável que manifestações públicas contrárias a um papa acontecessem num país de maioria católica. Mas aconteceram e na França. As acusações feitas ao término da Segunda Grande Guerra de conivência do papa Pio XII com o governo fascista de Benito Mussolini e depois com Hitler (que ocupou a Itália e transformou Mussolini num fantoche) custaram a ser aceitas e partiram de figuras de prestígio mundial, caso do pensador Jean Paul Sartre.

    A história, implacável, provou ao longo desses anos que Pio XII fez um acordo com o governo nazista de Hitler para proteger bens (estou escrevendo bens e não pessoas) da Igreja Católica Apostólica Romana. A integridade territorial do Vaticano.

    À época muitos padres e bispos não aceitaram e nem concordaram com as políticas do papa e foram decisivos na proteção de pessoas (judeus principalmente) perseguidas pelo nazismo.

    Anos depois a Igreja reconheceu o erro e desculpou-se publicamente.

    Os cardeais mantêm até hoje o precioso segredo que Pio XII vivia maritalmente com sua governanta. Era a pessoa mais poderosa do Vaticano. Nos momentos que antecederam a morte do papa, 1958, ela proibiu, pessoalmente, que qualquer dignatário da Igreja entrasse nos aposentos onde Pio XII agonizava. Chegou a bater a porta na cara de um cardeal.

    A hipocrisia é marca registrada de vários setores da Igreja Católica Romana. O que se assiste desde a morte de João Paulo I é a desconstrução da Igreja como instituição voltada para princípios éticos que digam respeito ao ser humano. Nos papados de João Paulo II e agora Bento XVI, esse cinismo é a marca registrada. Recheado de marketing.

    Todos os avanços obtidos e conquistados com João XXIII e Paulo VI estão sendo ou revistos, ou simplesmente banidos.

    Dois dirigentes do banco do Vaticano já tiveram suas prisões decretadas por fraudes bancárias, um deles o cardeal Marcinkus, principal conselheiro de João Paulo II.

    Os escândalos de pedofilia têm sido abafados com indenizações pagas às vítimas e suas famílias e permanecem intocados, como continuam a acontecer.

    Arquidioceses como a de New York, uma das mais ricas do mundo, pagou milhões de dólares para esconder crimes dessa natureza.

    Os protestos na França partiram de católicos. Aconteceram neste ano durante a visita de Bento XVI.

    Bastaram dois papas, João Paulo II e o atual, para que a Igreja, por sua cúpula, iniciasse um caminho de regresso a era das trevas.

    A Inquisição hoje tem outro nome. O poder na Igreja Católica é exercido por um grupo mafioso, a OPUS DEI.

    O ex-senador Nelson Carneiro, já falecido, lutou anos a fio para aprovar a lei do divórcio no Brasil e seu sucesso eleitoral em dois estados, Bahia e Rio de Janeiro, se devia à percepção dos eleitores do significado do divórcio.

    Permitia, principalmente a mulheres, romper relações que não passavam de prisões disfarçadas em sacramento para a eternidade, numa sociedade machista por excelência. Assassinos acusados de matar suas mulheres por “traição” ou suposta “traição” eram absolvidos escoimados na máxima de “lavar a honra pessoal atingida por um ato imoral”.

    Na campanha eleitoral de 1950 o vice-presidente da República era eleito em votação distinta da feita para a escolha do presidente. João Café Filho, defensor do divórcio, sofreu uma sórdida campanha de difamação por conta disso, chegou a ser excomungado.

    Getúlio Vargas foi eleito presidente e Café Filho eleito vice, mais tarde presidente com a morte de Getúlio.

    Milhões de brasileiros e brasileiras divorciados ganharam a oportunidade de refazer suas vidas a partir da lei proposta por Nelson Carneiro e esses milhões de divorciados são até hoje proibidos de entrar em igrejas católicas e receber sacramentos como a comunhão.

    A maioria não deixou de ser católica por um simples fato. A Igreja Católica é que deixou de ser pastora de almas e virou empresa nos dois últimos papados e empresa aliada aos setores de ultra-direita em todo o mundo. Finge que não vê, sabe que boa parte dos fiéis que confessam e comungam são divorciados e o fazem movidos pela fé e não pelo arbítrio de bispos criminosos como D. Luís Gonzaga Bergonzini. Responsável por documentos inverídicos contra a candidata Dilma Roussef.

    A totalidade das religiões fundadas no Cristianismo condena o aborto.

    É simples entender isso, o direito à vida é fundamental. Quem conhece o “manifesto dos não nascidos” do escritor Aníbal Machado, vê-se ou viu-se diante de um documento irrespondível. Pungente.

    A vida como dom maior conferido a cada um dos seres que habitam o planeta.

    E o livre arbítrio – expressão comum a espíritas – ou seja, o direito de escolha. Que, lógico, tem a contrapartida, a responsabilidade pelas conseqüências.

    É lícito que a Igreja Católica condene o aborto, que as igrejas cristãs o façam. Não há nada de errado nisso.

    Descriminalizar o aborto é um ponto de vista que foi transformado em decreto pelo candidato José FHC Serra quando ministro da Saúde. O estar errado ou estar certo é questão de interpretação de cada um.

    João Paulo II pediu às mulheres muçulmanas que foram estupradas na guerra da Bósnia, antiga Iugoslávia, que tivessem os filhos, as que engravidaram por conta dos estupros, lógico.

    É uma decisão que devia caber a cada mulher vítima desse tipo de violência. Não está na gravidez em si, está na própria pessoa, sua vida, os desafios que lhe são impostos. Nem tem o papa, qualquer um, o direito de pedir semelhante sacrifício. É uma questão de consciência do ser. Não vai transformar as que abortaram fetos nessa condição em mulheres destituídas de caráter, pelo contrário. Imagino a dor que sentiram no estupro e no aborto.

    A descriminalização do aborto não significa a liberação do aborto, como acontece em alguns estados dos EUA. É o direito da mulher estuprada que engravida, ou dos casos de gravidez de risco – para a mulher ou o feto – optarem por ter ou não o filho.

    Mônica Serra, mulher de José FHC Serra fez um aborto quando estava no exílio. Ao final do primeiro turno usou o tema, aborto, para criticar Dilma Roussef. Não olhou para si, apenas para os interesses que a norteiam como mulher de um candidato a presidente da República.

    Foi um ato de hipocrisia. Façam o que eu falo e não o que faço.

    De falta de princípios, dignidade, meramente eleitoral.

    Um dos grandes “negócios” no Brasil são as clínicas clandestinas de aborto. Causam milhares de mortes por ano e as estatísticas oficiais ignoram, pois não há registro dessas mortes, pelo menos pela causa geradora.

    É difícil acreditar que mulheres tenham o aborto como meta em suas vidas. Não tem sentido. Há meses foi preso um médico dono de uma clínica de fertilização, onde milhares de mulheres foram buscar formas de engravidar, de ter um filho. A prisão do médico se deu por abuso contra as pacientes.

    Um dos “negócios” mais prósperos nos Estados Unidos hoje é a da adoção. Máfias especializadas nisso seqüestram crianças em países da América Latina, África e Ásia e vendem, simplesmente vendem, a casais impossibilitados de terem filhos e ávidos por terem filhos.

    Pagam fortunas para ter filhos.

    Famílias normais, de cidadãos cumpridores dos seus deveres, íntegros, no afã de ter um filho, uma completude, arriscam-se a um “negócio” criminoso para ter exatamente esse filho.

    Não existe quem de sã consciência entenda o aborto como algo natural, direito inalienável das pessoas.

    Natural e inalienável é o direito à vida. É absoluto.

    Mas traz em si a contradição de uma sociedade, em qualquer parte do mundo, violenta, dominada por um modelo bárbaro, cruel de competição, que transforma o ser humano em robô, em número, em parte de estatísticas e cria uma realidade dolorosa e lamentável para esse ser.

    Há uma descaracterização do ser como humano. Transformou-se a vida num espetáculo, onde o importante é o sucesso e nada mais, não importa que o sucesso seja um crime bárbaro, ou um programa de televisão como o Big Brother (existe em vários países do mundo), onde a prostituição é estimulada como fator de hei de vencer.

    O que se está perdendo é a sensibilidade de cada ser humano. Tanto pelos grandes bolsões de miséria (que diminuíram acentuadamente no Brasil nos últimos oito anos), como pela natureza orgíaca da sociedade vendida a cada dia pelos meios de comunicação privados.

    Seja o sabão que lava mais branco, seja o perfume roubado à natureza, seja a mulher Melancia, ou a Melão, nos escândalos protagonizados por famosos, uma enormidade de situações assim.

    A revolução feminista, considerada por Celso Furtado “a mais importante do século XX”, leva os donos desse modelo a tentar transformar a mulher num objeto. A aparente liberdade e a realidade torná-las, as mulheres, prisioneiras de outra “liberdade”.

    Isso é preconceito. Nada além de preconceito.

    Não reconheço em Bento XVI o direito de achar o que deve e o que não deve. A Igreja Católica Apostólica Romana, por conta de João Paulo II e dele Bento XVI marcha de volta para a Idade Média. Esconde suas vergonhas com milhões de dólares.

    Ignora a realidade de fiéis, de seguidores, que preferem, como ouvi outro dia, seguir a Cristo lato senso, a ouvir um papa com passado nazista.

    As declarações de Bento XVI são uma descarada intervenção de um chefe de Estado estrangeiro, ele o é, o Vaticano é um Estado, em negócios internos de um País cujo povo em sua maioria é católico, onde a religiosidade permeia a quase todos os brasileiros, mas aonde a Igreja, com exceções evidente, vai se transformando num instrumento de mentiras, opressão e terror.

    Não por condenar o aborto, mas por tentar moldar um modelo político, econômico e social de desigualdades, violência, de desumanização do ser, mergulhada em jogos sórdidos de bispos como o de Guarulhos. Ou o arcebispo de João Pessoa.

    A batina, como símbolo, já não se usa hoje mais, representava a certeza da dignidade.

    Hoje? Nem tanto.

    Traz consigo o cheiro da pedofilia, da hipocrisia, dos negócios, das perseguições a sacerdotes que não aceitam esse cinismo e fico a pensar se figuras acima do bem e do mal como D. Hélder Câmara, como Chico Xavier, dedicados à vida, teriam espaço nos tempos que vivemos.

    O papa desrespeita o Brasil e desrespeita católicos com suas declarações. Deve ser por esse tipo de atitude que a cada dia diminui o número de seguidores de Roma e aumenta o dos que buscam professar sua fé – sem juízo de mérito – noutras religiões ou seitas.

    Não vamos eleger um chefe religioso para o Brasil. Vamos eleger o presidente de todos os brasileiros para os próximos quatro anos e o papel desse presidente, como disse o atual governante brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, “somos um estado laico”.

    Por que? Laico não significa ser sem Deus, mas que abraça a todos os que crêem em Deus, praticam e vivem sua fé no respeito à fé alheia, ou até na ausência de fé.

    Isso é liberdade e como escrevi acima, cada qual tem o direito de escolher o seu caminho.

    Os milhões e as milhões de divorciados e divorciadas, as milhares que se viram na contingência de um aborto.

    Como Mônica Serra.

    O que não pode é transformar a hipocrisia em bandeira eleitoral.

    Não ouvi, não li Bento XVI protestar contra a execução de uma prisioneira, há um mês, no corredor da morte num estado norte-americano e dada pelos médicos como “retardada mental”.

    É que o dinheiro vem de lá.
     
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