Os mandatos de esquerda e a mídia

“Tem dia que determinados setores da imprensa brasileira chegam a ser uma vergonha. Se o dono do jornal lesse o seu jornal e o dono da revista lesse a sua revista, eles ficariam com vergonha do que eles estão escrevendo exatamente neste instante. E eles falam em democracia.”
Presidente Lula, 16/09/2010

Essa declaração do Presidente Lula foi feita em Campinas, SP, no dia 16 de setembro de 2010. Fica difícil saber, se ele estava sendo irônico, se estava brincando, ou falando sério. E, se foi a sério, e tudo leva a crer que era, tanto pior. Porque parece, que os celetistas da mídia corporativa tem completa autonomia para fazerem jornalismo ao seu talante. Lula, como ex-sindicalista, deveria saber que numa empresa privada – e isso vale também para a mídia – quem manda é o patrão. Tudo o que é editado e publicado só é feito de acordo com a vontade do dono. Esses empregados, que se tem na conta de jornalistas, são meros paus mandados e só fazem o que o patrão ordena, ou permite. Assim, não se entende, nesse momento tão crítico da vida brasileira, o porque desse rodeio do Lula para dar nome aos bois. Estaria ele, mais uma vez, evitando um confronto direto e inadiável com a mídia corporativa? Foi o que nos pareceu.

No entanto, como sempre, os donos da mídia não se sensibilizaram com seu gesto de boa vontade de jogar a culpa nos paus mandados, a fim de isentá-los da responsabilidade desse grotesco udenismo tardio e golpista. Tanto que Lula teve que voltar a carga, uma semana depois, e dizer, com todas as letras, aquilo que os movimento pela democratização das comunicações denunciam, à exaustão, há 20 anos:

"Temos nove ou dez famílias que dominam toda a comunicação desse país"

Seja lá como for, tais declaração saem de sua boca com, pelo menos, 8 anos de atraso. E agora? Depois de ter feito essa contundente denúncia, o que nós deveremos esperar do Lula e de Dilma Rousseff, caso se confirme as previsões das pesquisas, que a apontam como a nova Presidenta do Brasil? Sim, porque ela é tão vítima, quanto o Presidente Lula dessa megaoperação de desestabilização institucional. Devemos entender tais palavras como prenúncio de que o problema “mídia” será, finalmente, enfrentado no Brasil, ou isso é mais um desabafo no calor da campanha eleitoral? Terminada as eleições, Lula e/ou Dilma enfrentarão essa permanente ameaça midiática, da qual nossa vida republicana é refém, ou rastejarão, pedindo perdão pela ousadia de ter denunciado as práticas golpistas desse oligopólio?

Dilma, caso eleita, deixará claro, para a mídia, que o que lhe fizeram não ficará no barato, ou inebriada pela vitória, dará uma entrevista exclusiva para a Rede Globo? Dilma sinalizará, para o baronato midiático, de que nada mais será como antes, ou passará mais 4 anos, empurrando com a barriga, as resoluções da I CONFECOM? Conferência esta que o Lula postergou o quanto pode e só garantiu a sua realização no apagar das luzes do seu segundo mandato e, ainda por cima, da maneira imposta pelas empresas de comunicação.

Presidente Lula, candidata Dilma Rousseff, Partido dos Trabalhadores e quetais aprenderam, finalmente, nessa campanha, que a mídia é inimiga estratégica e figadal do campo progressista? Entenderam, que as medidas que precisam ser tomadas são impostergáveis, sob pena de um próximo governo ser inviabilizado pelo denuncismo sistemático?

Se temos dúvidas e preocupações ao quanto disso tudo que aconteceu, em termos de [mau] comportamento midiático, foi assimilado pela esquerda, ao ponto de provocar uma mudança de postura em relação à mídia, aqui, no RS, as coisas não andam melhores. Pois não foi o candidato Tarso Genro dizer, em programa de televisão, que a mídia no RS é independente?!?!?!? Independente em relação ao que? 

Para entender o sentido da declaração do candidato, ou quem sabe, até para tentá-lo fazer entender o sentido da sua própria declaração, é conveniente fazer uma rápida recapitulação do panorama político do RS nos últimos tempos. Não é segredo, para ninguém, que a atual governadora foi alçada ao poder com apoio irrestrito das empresas de comunicação no estado, particularmente, do famigerado Grupo RBS, de quem Yeda Crusius [PSDB] foi funcionária.

Tendo chegado ao poder, essa personagem nos brindou com aquilo que pode ser considerado o governo mais corrupto da História pós-ditadura civil-militar, quiçá, o mais corrupto de toda a nossa História mesmo! Yeda Crusius não mediu esforços para atropelar os princípios republicanos mais comezinhos. Seu governo foi uma sucessão interminável de escândalos, culminando com o maior de todos, que é o uso do serviço de segurança do Estado para espionar seus adversários políticos, entre os quais, encontra-se o próprio Tarso.

Não bastasse isso, senhas do Guardião, segundo denúncias do Ministério Público Estadual, foram entregues a jornalistas da RBS. Assim, se uma empresa de mídia ajuda a eleger uma governadora, pactua com ela, ao ponto de blindar o seu governo contra as sucessivas denúncias de corrupção, e ainda se utiliza do aparato do estado para sabe-se lá que uso fazer dele, como é que esta mídia pode ser independente de alguma coisa?

Estaria o candidato tentando “apaziguar” a mídia, com o objetivo de ser poupado por ela? Fazendo isso, está cometendo o mesmo erro que o Presidente Lula, pois foi exatamente desta maneira que ele agiu nos quase 8 anos de seu mandato e, agora, colhe os frutos da sua vacilação em regulamentar a atuação da mídia no país.

Se Tarso Genro ainda tem dúvidas de como a mídia irá trata-lo, caso eleito governador do RS, basta rever um videozinho que anda correndo pela Internet, em que o agenciador de salames coloniais, Lasier Martins, entra de sola no candidato, ressuscitando José Dirceu e “mensalão”, mesmo com a empresa, onde ele é pau mandado, atolada até o pescoço nesse escabroso episódio da arapongagem no Piratini.

E, se ainda assim, fica difícil do candidato entender as relações espúrias e nebulosas, que fazem com que a nosso mídia não possa ser independente jamais, colocamos as coisas de uma forma mais simples: a mídia elege Yeda, que coloca o aparelho do estado a serviço de interesses privados, que espiona os cidadãos, entre eles, Tarso Genro. Portanto, a mídia, sendo copartícipe dessa façanha que não deve servir de modelo a nossa terra, também atenta contra a cidadania. Exatamente em que momento a mídia é independente?

Só se for independente de compromissos éticos com a qualidade da informação e com o cumprimento das leis. 

Eugênio Neves
 
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