Há trinta anos atrás.

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  • segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
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  • De novembro de 1979 a fevereiro de 1980, o Brasil viveu o chamado “Verão da Anistia”. Afinal, desde o início daquele ensolarado novembro, centenas de exilados começaram a retornar ao Brasil e inúmeros presos políticos foram libertados. No entanto, a “Lei da Anistia”, sancionada pelo General-Presidente João Figueiredo em agosto de 1979, não era exatamente aquela pela qual havia se mobilizado boa parte da sociedade brasileira, em uma das mais belas e intensas campanhas populares da nossa história. Afinal, além de não ser “ampla, geral e irrestrita” como reivindicava a sociedade organizada, a lei aprovada pelo regime dos generais também “perdoava” os torturadores e algozes do povo brasileiro. Porém, apesar disto, aquele verão foi uma estação de festa e teve em Fernando Gabeira o seu grande “muso”. Ao retornar de quase dez anos de exílio, divididos entre Chile, Cuba e Suécia, o ex-guerrilheiro causou um frisson nacional ao aparecer na Praia de Ipanema vestindo uma sumária tanga de crochê em tons de verde e roxo, que havia pegado emprestado de sua prima Leda Nagle. Naquele momento, em meio a imensa polêmica gerada pelo seu gesto, a declaração de Gabeira foi exemplar: “as pessoas, mesmo que não queiram, têm um corpo e ninguém pode fingir que é puro espírito enquanto está seminu” (Ah, bons tempos em que o Gabeira era "subversivo", crítico e contestador. Hoje ao vermos o nobre deputado verde aliado ao que há de pior na política carioca e nacional e a brandir um discurso neo-udenista, que faz o Lacerda sorrir de satisfação no além-túmulo, não dá para se ter nem uma pálida idéia do que ele foi e representou no passado). Hoje, trinta anos depois, com as proximidades de um novo verão que se prenuncia como o da caretice generalizada, pois já nasce com as marcas do proto-fascismo da legislação anti-tabagista e da onda neo-moralista que gera episódios como o da estudante da UNIBAN, não dá para deixar de lembrar desse longínquo e libertário verão do final da década de 1970.

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    Em 1979, em quase todas as manifestações da Campanha pela Anistia, eram lidos em voz alta os pungentes e doloridos versos de “Marcha”, de Pedro Tierra (pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva), poeta e militante de esquerda que esteve encarcerado nas prisões da ditadura, entre 1972 e 1977. Reproduzo-os aqui, na íntegra:

    Venho da pátria dos tormentos.
    Venho de um tempo de crimes.
    Venho das chagas que a noite
    lavrou na carne dos homens.

    Não pedirei perdão
    à corte dos meus carrascos
    pelo grito de rebeldia
    arrancado do meu sangue,
    pelo sonho,
    pelo sonho,
    pelas armas,
    pela marcha do meu povo
    contra os muros!

    Como se desata o cereal da terra,
    levanto meu corpo de trigo
    do corpo estendido de Orocílio Martins
    sementeira de fúrias e esperanças –,
    sangrando nas ruas rebeladas de Minas.

    Liberto meu canto de pássaro
    da voz impossível dos mortos:
    luz acesa no porão da treva,
    memória enterrada do povo.

    E canto pela boca destroçada
    do Comandante Carlos Marighella
    dez séculos depois do silêncio;

    pela garganta emudecida
    de Mário Alves,
    grito eterno que anda;

    pelos olhos vazados
    de Bacuri,
    estrelas sangrando na memória;

    pelas cabeças cortadas
    no vale do Araguaia,
    terra de rebelião;

    pelo peito metralhado
    do Capitão Carlos Lamarca,
    granito de sonho enterrado
    entre as pedras do sertão;

    pelo corpo mutilado
    de Manoel Raimundo Soares,
    nas águas do Rio Guaíba,
    sangue dos ventos do sul;

    pelas mãos atadas de Alexandre,
    arados de terra livre;

    pelo sangue derramado
    de Aurora Maria do Nascimento,
    promessa de amanhecer.

    E me faço boca
    de todas as bocas
    assassinadas,
    canto de todos os cantos
    aprisionados,
    sonho de todos os sonhos
    submergidos
    pela mão armada
    dos carrascos do meu povo.

    Hoje, o Poder se absolve dos seus crimes.
    Mantém à sombra dos seus muros
    os açoites e as vergastas.
    Recolhe sob a manga verde-oliva
    as mãos ensangüentadas dos verdugos
    e espera...

    E as mães aflitas do povo
    tecem nos cegos teares da dor
    um espesso tecido de agulhas infinitas:

    quem responderá pela morte
    dos meus filhos?
    Quem responderá pelos torturados
    até a loucura?

    Quem assassinou a esperança
    de Frei Tito?

    Quem prestará contas ao meu coração
    pelo destino dos devorados?
    Pelas vidas, pelos sonhos
    que a Noite transformou em cruzes?

    Hoje, o Poder se absolve dos seus crimes.
    Recolhe sob a manga verde-oliva
    as mãos ensangüentadas dos verdugos
    e espera...

    Do ventre fecundo
    das filhas do povo,
    das cinzas dos ranchos,
    da terra queimada,
    das marchas, das greves,
    das ruas feridas
    nascerão seus julgadores!
     
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