O vandalismo é do latifúndio

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  • terça-feira, 6 de outubro de 2009
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  • No Jornal Nacional a imagem de um trator derrubando uma plantação de laranjas no interior paulista. É o fantasma do MST. Vândalos, grita a mídia. Desrespeito à propriedade privada, repercute no Congresso a bancada ruralista, que pede mais uma vez a CPI do MST.

    Não fornece a mídia algumas informações que ajudariam a entender o fato. E há motivo para ela esconder. Vejamos abaixo:

    1) A fazenda Santo Henrique, ocupada recentemente pelo MST, tem um antigo litígio com a União. Reproduzo notícia do STJ de 28/01/2008, com um destaque meu para comentário em seguida:

    A empresa Sucocítrico Cutrale Ltda., de São Paulo, pode continuar ocupando a Fazenda Santo Henrique, em Araraquara, pelo menos até o julgamento do mérito da ação reivindicatória movida pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) para imissão na posse. O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Francisco Peçanha Martins, no exercício da presidência, negou o pedido do Incra para suspender a decisão favorável à empresa.

    Na ação, com pedido de tutela antecipada, o Incra afirmou que em 1919 a União adquiriu área de aproximadamente 50.000 hectares de terras particulares para promover um projeto de colonização no interior do Estado de São Paulo, visando garantir o desenvolvimento da região com a fixação de colonos imigrantes europeus. Segundo alegou, apenas partes das terras foram transferidas aos cidadãos destinatários por meio de alienação, ficando muitas em poder da União, como o caso da propriedade ocupada pela empresa.

    Em primeira instância, a tutela foi indeferida pelo juiz da 1ª Vara Federal de Ourinhos. O Incra, interpôs, então, agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O desembargador relator deferiu o pedido para permitir a imissão. A Sucocítrico, no entanto, entrou com pedido de reconsideração, e o desembargador reformou a decisão, revigorando a decisão de primeira instância.

    Inconformado, o Incra apresentou pedido de suspensão de liminar e de sentença no STJ, com base nos artigos 4º da Lei n. 8.437/92 e 25 da Lei n. 8.038/90. Sustentou que a União é a proprietária do imóvel, não podendo o registro da suposta aquisição, a posse antiga e a produtividade do bem se oporem ao poder público.Afirmou, ainda, que não subsistem os argumentos de emancipação do Núcleo Colonial Monções.

    Para o Incra, a decisão ofende a ordem e segurança públicas. “Os movimentos sociais, utilizando-se de seu direito de manifestação (....), poderão vir, eventualmente, a ocupar indevidamente o imóvel em questão ou até mesmo outros, como forma de pressão, e nesse processo, vir a causar danos materiais, bem com à sua incolumidade física ou de outrem”, asseverou. Alegou, ainda, que a implementação da reforma agrária sofrerá uma paralisação na região do imóvel reivindicado, haja vista a demanda por terras para esse fim no local.

    A decisão foi mantida. Ao negar o pedido de suspensão, o vice-presidente, ministro Peçanha Martins, observou que o Incra não demonstrou concretamente o potencial lesivo da decisão e a existência de violação da ordem e segurança públicas. “Demais disso, consta dos autos que o interessado ocupa a área reivindicada há mais de dez anos, não se vislumbrando, assim, risco de dano irreparável à União, pelo que se mostra razoável a manutenção do ‘status quo’ até que se ultime o julgamento da ação reivindicatória”, concluiu.
    Processos: SLS 806


    Como se vê, há quase dois anos era esperado que os movimentos sociais poderiam ocupar a fazenda como forma de pressão. Justifica o ministro Peçanha Martins, em sua decisão, que a empresa ocupa a área há mais de dez anos. Porém, algo deve ser lembrado, que contradiz tal afirmação. Vamos ao segundo ponto;

    2) No livro “Movimento camponês rebelde”, de Carlos Alberto Feliciano, na página 134 começa um minucioso histórico das ocupações de terra na região do Núcleo Colonial Monção, região de 48 mil hectares, compreendida entre a região dos municípios de Iaras e Borebi, em São Paulo, onde fica a fazenda Santo Henrique. As terras foram adquiridas pela União entre os anos de 1910 e 1914 com o propósito de servir a um projeto de colonização com migrantes europeus. Como o projeto não vingou, nos anos sessenta a União passou toda a gleba para o governo estadual com o propósito de servir a um projeto de reflorestamento, o que também não foi à frente, ficando apenas uma pequena parte com esse propósito, tendo a Eucatex e a Duratex abocanhado 60% da área. O restante, foi tomado por políticos locais. Data de 1995 as primeiras ocupações do movimento camponês na região. Vários núcleos foram criados, o que contradiz a informação de Peçanha Martins. A posse da terra há mais de dez anos é contestada na região.

    3) Para entender o motivo real que leva o Jornal Nacional a voltar-se agora contra o MST não é simplesmente o ato de justa rebeldia de famílias de camponeses que derrubaram alguns pés de laranja para plantar feijão. O motivo está na jornada do MST de agosto último, que levou o presidente Lula a anunciar a decisão de atualizar os índices de produtividade rural, algo previsto em lei, e que nunca foi cumprido. Os números atuais que determinam a produtividade no campo são de 1975. Foi o que bastou para se articular uma furiosa campanha nacional que envolve a bancada ruralista, a mídia (sempre ela), e os direitistas de plantão.

    Sugiro a leitura do post “Cruzada midiática contra reforma agrária”, de Altamiro Borges. Nele, a reprodução de uma claríssima nota da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assinada por seu presidente, Dom Ladislau Biernaski.

    O livro “Movimento camponês rebelde”, de Carlos Alberto Feliciano, pode ser lido no Google Books.

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    Ps1 - O post “O barão do suco de laranja e a reforma agrária”, de Cristóvão Feil, no Diário Gauche, recupera ótimas informações para entendermos quem é José Luís Cutrale, dono de 30% do mercado global de suco de laranja. Comparativamente, ele tem participação no mercado assemelhada a da Opep em relação ao petróleo. E levanta a informação, divulgada hoje na grande mídia, que a empresa injetou R$ 2 milhões em variadas campanhas de congressistas. Será que o ministro Guilherme Cassel vai atrasar o processo de reforma agrária assim, a troco de algumas dúzias de laranjas?

    PS2 - A nota da direção estadual do MST-SP.

    PS3 - O Deputado Dr. Rosinha comenta o cartel da laranja, no Vi o Mundo..

    PS4 - As laranjas e o show, por Gilmar Mauro, da Coordenação Nacional do MST.

    PS5 - Comentário de Altamiro Borges no programa "O outro lado da notícia", na rádio Jornal Brasil Atual (FM-98,1), sempre de segunda a sexta-feira, das 7 às 8 horas da manhã:

    A Cutrale e o MST

    A destruição de alguns pés de laranja numa fazenda no interior de São Paulo, de propriedade da poderosa empresa Cutrale – maior exportadora de sucos do país – ganhou os holofotes da mídia. As cenas são repetidas a exaustão para vender a imagem de que os sem terra são vândalos, quase terroristas. Teleguiada pela mídia, a oposição conservadora endureceu seu discurso pela criação da CPI contra o MST e contra a atualização dos índices de produtividade rural, prometida pelo governo Lula.

    A mídia só não informa que a tal fazenda da Cutrale está numa terra grilada, de propriedade do Estado, e que os pés de laranja foram plantados para evitar a desapropriação da área antes improdutiva. Também não fala que a Cutrale tem vários processos na justiça, inclusive por débitos trabalhistas. O dono da Cutrale, um dos mais ricos empresários do mundo, aparece como vítima. Já os trabalhadores sem terra surgem como vilões. A mídia realmente tem lado, tem classe. Nela não há qualquer pluralidade informativa. Ela defende unicamente os interesses dos poderosos, inclusive para garantir os seus lucros. O anúncio de uma página na revista Veja, por exemplo, custa cerca de R$ 200 mil reais, e a Cutrale é uma grande anunciante. Daí não ser criticada pela mídia venal e corrompida.
     
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