O Prêmio Nobel de Obama e a Encruzilhada Norte-Americana no Iraque e na Ásia Central.

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  • domingo, 25 de outubro de 2009
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  • De maneira até certo ponto surpreendente, o presidente dos EUA, Barack Obama, foi o escolhido para receber o Prêmio Nobel da Paz de 2009. Tal premiação deve ser entendida muito mais como um estímulo à ocorrência de transformações concretas na política externa norte-americana – e também como um respaldo das forças progressistas do mundo a um presidente que, eleito com um discurso de mudança, tem enfrentado uma séria oposição interna por parte dos setores mais conservadores de seu país -, do que como o reconhecimento dos resultados de ações práticas do governo estadunidense. De modo geral, em seus aspectos mais significativos, os movimentos de política externa da potência hegemônica ainda não sofreram alterações significativas com o novo governo. É lógico que hoje – como geralmente ocorre em governos democratas – os EUA tem dado uma ênfase maior ao multilateralismo e ao fortalecimento das organizações internacionais, além de assumirem compromissos com o restante do mundo em relação à questões como meio-ambiente, direitos humanos e desarmamento. Porém uma das questões centrais da agenda internacional permanece quase que no mesmo patamar da Era Bush: a política norte-americana para o Oriente Médio e para a Ásia Central. Nestas regiões, além da manutenção do apoio irrestrito ao Estado de Israel, os EUA afundam cada vez mais nos atoleiros do Iraque – de onde não conseguem sair (apesar das declaradas intenções de Obama de que isto ocorra em breve) devido à fragilidade das instituições do “reconstruído” Estado iraquiano – e do Afeganistão, local em que a milícia talibã mantém-se bastante forte – e por conta disto, o novo governo norte-americano aumentou o efetivo das forças militares que ocupam o país – e onde trava-se um, ainda, discreto jogo geopolítico entre EUA e Rússia envolvendo o acesso aos recursos energéticos na Ásia Central. Neste sentido, algumas questões que levantei em um paper apresentado em um evento acadêmico em 2005 – ainda no início do segundo mandato de George W. Bush – permanecem bastante atuais. Reproduzo abaixo alguns trechos desse trabalho:

    (...) ao pensarmos o mundo neste início de século XXI, temos de levar em consideração que estamos vivendo na ordem mundial que se ergueu sobre os escombros da Guerra Fria, e que esta ordem é baseada na hegemonia de uma superpotência – os EUA – que impõe as suas políticas, os seus valores e a sua visão de mundo às demais nações do Globo. Portanto, o decantado processo de Globalização, na verdade, deveria ser chamado de “Americanização”. Do "soft power" da Era Clinton ao intervencionismo expresso pela Doutrina Bush, o que temos assistido são os movimentos de uma potência imperial procurando fazer valer os seus interesses, a partir da “crença de que o mundo pode se tornar seguro com uma Pax Americana na qual a hegemonia global dos Estados Unidos se estabeleça num futuro previsível”.¹

    (...) é importante assinalar que, paradoxalmente, foram o fenômeno da globalização e o desenvolvimento tecnológico que possibilitaram o surgimento de organizações como a Al-Qaeda, bem como a “democratização” do uso de armas de destruição em massa. Tais fatos contribuíram para que “mesmo os mais estáveis e eficazes Estados” perdessem “o monopólio da força coerciva, entre outras razões devido à chegada de inúmeros instrumentos de destruição novos, pequenos e portáteis e da extrema vulnerabilidade da vida moderna às perturbações repentinas, por pequenas que sejam”.² Este processo também foi facilitado pela pressão exercida pelos EUA e seus aliados ocidentais sobre a URSS, no momento de sua desintegração (dentro da lógica triunfalista do fim da Guerra Fria), que fez com que, naquele momento de crise, muitos segredos tecnológicos chegassem às mãos de organizações não-estatais.

    Em segundo lugar, deve se ressaltar o apoio sistemático dos EUA ao Estado de Israel, baluarte do ocidente no Oriente Médio, e ator principal de um dos principais focos de tensão do mundo contemporâneo, os conflitos árabe-israelenses. Este apoio, agravado pelas péssimas condições de vida do povo palestino e pelos inúmeros acordos políticos feitos pelos norte-americanos com setores considerados “confiáveis” do mundo árabe, fazem com que a região torne-se um terreno fértil para o surgimento e a proliferação de grupos fundamentalistas islâmicos que difundem o ódio a tudo que os EUA representam. Não se pode esquecer que o mais famoso desses grupos, a Al-Qaeda, fez de um objetivo político de caráter local – a derrubada da dinastia dos Saud e o controle dos lugares sagrados do islã – uma luta de caráter global.

    Finalmente, não se deve esquecer o já assinalado aprofundamento do abismo existente entre ricos e pobres que veio no bojo da nova ordem mundial. Nos últimos 30 anos, a movimentação financeira passou de U$ 70 milhões/dia para U$ 1,5 trilhões/dia, capitais esses que acabam convergindo para os países centrais do sistema, em particular, para a grande potência hegemônica (...)

    Por tudo isto, a concretização da Pax Americana, triunfalmente anunciada no início da década de 1990, parece estar bastante distante e a grande potência do norte enfrenta diversos obstáculos para consolidar sua hegemonia imperial. Neste momento, o mundo parece ser um lugar muito mais inseguro para se viver, do que há duas décadas atrás e a crença central da modernidade – a de que razão, o progresso e o conhecimento científico trariam a emancipação da humanidade – está cada vez mais esmaecida (...)

    Referências Bibliográficas:

    ¹ GRAY, John. Al-Qaeda e o que significa ser moderno. Editora Record, Rio de Janeiro/São Paulo, 2004.
    ² HOBSBAWM, Eric. “A Falência da Democracia”. In: Caderno Mais – Folha de São Paulo, 9/9/2001.
     
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