Sobre a Legislação Anti-Fumo.

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  • sexta-feira, 14 de agosto de 2009
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  • Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
    Muda-se o ser, muda-se a confiança;
    Todo o mundo é composto de mudança,
    Tomando sempre novas qualidades.

    Não sou fumante, embora, como quase todo mundo que foi adolescente entre os anos 60 e 80 do longínquo século XX, tenha dado as minhas tragadas, pois afinal naqueles remotos anos fumar era "cool", "cult" e "in". Ser um não-fumante era algo que, inevitavelmente, prejudicava a vida social de um indivíduo, além de – horror dos horrores – interferir negativamente em qualquer possibilidade de sucesso com o sexo oposto. Afinal, estar com um maço de cigarros no bolso era uma espécie de rito de passagem para a idade adulta. Mas, como diz aquele velho poema atribuído a Camões, “todo o mundo é composto de mudança”, e os novos tempos chegaram. Fumar tornou-se “careta” e tal ato passou a ser visto como um verdadeiro atentado à saúde pública, ao mesmo tempo em que se começou a construir uma espécie de “consenso” social contra os fumantes. Assim, estas pobres almas começaram a ser encaradas como responsáveis por boa parte dos males dos tempos (pós?) modernos (Por sinal, aproveito para recomendar o maravilhoso filme “Obrigado por Fumar”, que atira, de forma certeira, em todas direções!) e tal consenso acabou traduzindo-se, nos últimos tempos, em draconianas legislações anti-tabagismo, como as recentemente aprovadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Bem toda esta conversa, é para introduzir um texto que recebi por e-mail, de autoria de um querido colega, Luís Maffei, Poeta e Professor de Literatura Portuguesa da Universidade Federal Fluminense, que reproduzo aqui com a devida autorização. Mesmo sendo um não-fumante, como registrei no início desta breve introdução, o meu espírito libertário e o meu profundo senso prático – que vive a me advertir sobre como são inócuos os efeitos de qualquer legislação repressiva – me fazem concordar, na íntegra, com as palavras escritas pelo Maffei.

    Nas duas principais cidades brasileiras fumar torna-se um ato proibido, a não ser em espaços cada vez mais restritos. Há quem odeie cigarro, perdendo de vista que o ódio costuma ser mais perigoso que o fumo – por exemplo, não sei se Hitler fumava, mas sei que odiava. Hoje em dia, os cidadãos sentem-se no direito de odiar também o fumante. É comum ver, no meio da rua, cenas como alguém, ao passar por outro que esteja fumando, abanar as mãos como fosse vítima de uma grande violência. Caso a violência de fato exista, que efetivamente se tomem medidas para reduzir os cigarros no mundo. O problema é que, além de a questão do fumo ser vista apenas sob o prisma médico – juro que há outros, diversos: o cultural, o econômico, o histórico etc., e o prisma médico é a grande justificativa –, será o cigarro a única violência hodierna e o fumante o único agressor?
    Diante do panorama que se nos apresenta, haverá uma severa vigilância cidadã contra o fumante que eventualmente violar a lei que o impede de fumar, por exemplo, numa arena esportiva onde circula bastante ar. O indivíduo que acender seu cigarro será imediatamente alvo de uma polícia sem farda ou pistola, numa espécie de exercício saudável da lei e da intolerância. Aliás, não se tolera o cigarro, não se tolera que alguém dele goste, não se tolera esse alguém. Mas se tolera tanta coisa... Tolera-se álcool. Ainda é cool beber, seja na dimensão sofisticada do bom vinho, seja na dimensão festiva da cerveja. Algo me chama a atenção: beber excessivamente faz mal à saúde, mas se propagandeiam bebidas nas nossas mídias, e sempre num clima de festa. O único senão é dirigir automóveis, mais nenhum. Desse modo, toleram-se, em geral, os bêbados, e mais ainda num país que tanto respeita certo poeta que quer “o lirismo dos bêbedos”. Não se pode beber em arenas esportivas. O indivíduo que conseguir tomar sua cerveja num estádio decerto não será alvo de nada. “É a vida”, escreveu o mesmo poeta.
    Então está tudo bem, não é? Ainda no caso da bebida, certa companhia passou a chamar seus consumidores por um adjetivo que liga os consumidores ao nome da companhia. Tudo bem. Há qualquer coisa que permite que se beba com tanta tolerância e enfrenta o cigarro de modo totalitário. Sim, totalitário, violento, monossêmico e pouco inteligente, como nossa sociedade tem costumado ser. Como é tratado o indivíduo que coloca o volume do som de seu carro em um nível insuportável e sai pela rua desfilando sua sei-lá-o-quê? Com tolerância. E isso é proibido pelas leis de trânsito, e isso se vê com cada vez mais frequência. Mas se tolera. Volto à cena do abano das mãos: o sujeito que passa por alguém que fuma é vítima de alguma violência? E o que ouve os sons a que o submete o citado motorista? Está realmente tudo bem, não é?
    Há essas e outras tantas violências por aí, mas tudo bem, que se impeça maciçamente o consumo do cigarro. É realmente melhor para as consciências que uma vítima seja escolhida e executada. O resto? Tudo bem com o resto, e que se beba, se liguem sons... Nós, fumemos ou não, continuaremos, tudo bem, ouvindo o que vem (sabem o que costuma vir, não?) de certos automóveis, achando líricos os bêbados (mesmo que eles agridam gente na rua, tudo bem), pensando que odiar e banir um único hábito resolve um bocado de nossos problemas. Falta muito pouco para nossa definitiva felicidade social.
     
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