Qualquer Música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música - guitarra,
Viola, harmônio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música - guitarra,
Viola, harmônio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!
(Fernando Pessoa)
Posso dizer que cresci jogando bola (mal), devorando livros e ouvindo muita música. Uma das minhas lembranças mais antigas é a da minha mãe cantarolando as velhas canções portuguesas da sua juventude – “Ai, Mouraria/da velha Rua da Palma,/onde eu um dia/deixei presa a minha alma...” -, enquanto fazia os trabalhos domésticos. Na minha infância, lembro da minha irmã - na época já uma adolescente - ouvindo nas Rádios AMs (Rádio FM ainda era novidade!!) os sucessos do pop internacional da década de 1970 – Elton John, Abba, Paul McCartney, Bread, Bee Gees – e daquela música romântica brasileira, com ecos da Jovem Guarda – A benção, São Odair José -, que posteriormente foi chamada pejorativamente de “Brega”. Ao mesmo tempo, através de meu irmão mais velho, entrava em contato com a música negra e com o Rock – o que me marcou definitivamente – e passei a ouvir de Beatles a James Brown, de Rolling Stones a Ottis Redding, de Animals a Led Zeppelin. Até hoje, ainda guardo muitos discos de vinil (LPs e compactos) desta época, apesar de há algum tempo não ter mais toca-discos. Afinal, que CD consegue superar aqueles maravilhosos encartes que acompanhavam os Long Plays das grandes bandas de Rock? No início da adolescência, mais uma vez indo na onda do meu irmão (então um típico universitário politizado do início dos anos 80), comecei a curtir também MPB e “descobri” Chico, os baianos, Ednardo, Belchior, Zé Ramalho, Paulinho da Viola, Tom, Elis, Vinícius e etc..., mas sem deixar de lado a paixão pelo velho Rock and Roll, o que explica, com certeza, a minha admiração adolescente pelo Raulzito, que funcionava como uma ponte entre os dois gêneros. Já mais velho, descobri o Jazz e literalmente pirei com John Coltrane, Duke Ellington e Charlie Parker. Quase que simultaneamente, fiz algumas “redescobertas” como as do samba e do choro e, também, da música portuguesa, que a partir da década de 1970 renovou-se, reinventando a tradição, e produziu nomes extraordinários como Zeca Afonso, José Mário Branco, Trovante e, mais recentemente, Mísia e Mafalda Arnauth. Também expandi meus horizontes geográficos-musicais e descobri a música de lugares tão distintos como Cabo Verde (Salve, Cesária!), Mali, Irlanda (God bless Chieftains), Galícia, Grécia ou Cuba. Assim, com o passar dos anos, fui erguendo inúmeros altares a “divindades” diversas em meu panteão musical particular: Jethro Tull, Joy Division, Cartola, Billie Holiday, Nelson Cavaquinho, Mahler, Pixinguinha, Madeleine Peyroux, Jimi Hendrix, Silvio Rodriguez, Silas de Oliveira, Bessie Smith, Bob Dylan, Paco de Lucia, Janis Joplin, Violeta Parra, Gentle Giant, Echo and the Bunnymen, Kris Kristofferson, Leonard Cohen, Velvet Underground, Noel Rosa, Stravinsky, Violeta de Outono, Paco de Lucia, Eric Clapton, Belle and Sebastian, Neil Young, Chet Baker, The Jam, Ramones, Wagner, Mutantes, Cream, Locanda delle Fate, John McLaughlin, Zeca Baleiro, Elomar, Deep Purple, Quaterna Requiem, Cream e inúmeros outros. Bem, fiz toda esta longa digressão – ou masturbação mnemônica, se preferirem – para dizer que, embora seja absolutamente fissurado por centenas de canções dos mais variados gêneros, existe uma que – sei lá por que cargas d’água – me deixou completamente fascinado desde a primeira vez que a ouvi, ainda na adolescência. É a "minha" música. É a canção que eu quero que meus amigos ouçam, depois do meu velório (que espero que ainda demore algumas décadas para acontecer!), quanto estiverem bebendo à minha memória, em um boteco qualquer da Lapa ou do subúrbio. Chama-se "You Can't Always Get What Your Want" e está em um dos melhores álbuns dos Rolling Stones, "Let it Bleed", lançado no final de 1969.
The Rolling Stones - You Can't Always Get What You Want (Version 2)
The Rolling Stones - You Can't Always Get What You Want (Version 2)