Crise não é só do Senado

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  • quinta-feira, 2 de julho de 2009
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  • É verdade que o estopim da bomba está hoje aceso no colo do presidente do Senado, José Sarney. Fica até difícil acreditar que uma raposa da política como o senador, que por enquanto só não foi deus no Brasil, não tenha se dado conta do ambiente que se propôs a presidir. Ele se empenhou para ser eleito, teve de brigar para isso, não foi um nome consensual. É impossível que não perceba que o terreno para manobras se encurtou dramaticamente nos últimos dias. Agora, caso nada se faça e aconteça, ou o Senado se arrasta numa crise sem fim ou seu presidente perde toda autoridade moral para conduzir a casa. O afastamento de Sarney parece ser o único desfecho possível.

    As coisas são assim não por amor à ética ou à moral, mas porque essa é a saída que pode oxigenar a instituição, que vai mal das pernas há tempos. O Senado responde por uma função importante na engenharia institucional brasileira. A ele é atribuído o papel de amortecer eventuais "arroubos" da Câmara, defender e engrandecer a República. Não tem feito nem uma coisa nem outra. E se ele falha, a institucionalidade fica capenga, funciona mal e tem suas deficiências, que não são poucas, agravadas. Falhando a institucionalidade, vêm à tona a mediocridade. Só não fica pior porque é também nesses momentos que aumentam as chances dos melhores.

    Por tudo isso, há uma interrogação hoje pendurada sobre a cabeça do Poder Executivo e do principal partido de sustentação política da Presidência, o PT. Por que manter Sarney? Pela manutenção da aliança com o PMDB e para evitar que as oposições se apossem do comando do Senado. É a resposta mais fácil, fiel ao "realismo político" que se tem tentado imprimir às ações da Presidência. Mas manter Sarney é prolongar o estado de sofrimento do Senado e injetar turbulência na vida política do país. Não é pacificar, nem encontrar alguma solução para a crise que arrasta a instituição para o caos.

    O realismo é precioso em política, onde nem tudo o que brilha é ouro. Em política, as coisas certas não são feitas necessariamente pelas melhores pessoas, e o mal nem sempre é obra do mau. Max Weber falou isso no famoso ensaio sobre a política como vocação. E todo mundo sabe que nos ambientes políticos as evidências não correspondem implacavelmente aos fatos.

    Que há desejo de oposição por trás da carga contra Sarney é óbvio. Que as oposições se beneficiarão com o eventual afastamento de Sarney é mais óbvio ainda, dado especialmente o pacto de sangue que a Presidência selou com o senador e com seu partido. O Governo Lula e o PT precisam mesmo avaliar com cuidado o quadro e o caminho a seguir.

    Mas o realismo não pode se chocar demais com as tradições que dão identidade aos partidos e aos políticos, sob pena de destroçá-la. Nossa época não é muito favorável a coerências doutrinárias ou a fidelidades. Mas os partidos e os políticos que se querem competentes e leais ao povo precisam lutar de algum modo contra isso. No mínimo para dar mais vigor ético e valorativo à política, para manter atados os fios que os ligam à sua própria história. O realismo, além do mais, não pode ir contra as expectativas da opinião pública democrática ou contra a voz das ruas. Não precisa obedecer servilmente a elas, é evidente. A questão é de sintonia.

    Falei sobre a crise do Senado à rádio CBN na noite de ontem. Eventuais interessados poderão acessar o link e ouvir a entrevista.


     
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