Lealdade e paixão

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  • domingo, 12 de abril de 2009
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  • Depois da espetacular vitória do Corinthians contra o São Paulo, no domingo de Páscoa de 2009, com direito a gol de placa aos 47 minutos do segundo tempo, não há como não falar no assunto que freqüentou os jornais nos últimos dias e provocou filas enormes em muitos cinemas. Estive com meu filho na primeira sessão, logo na estréia, dia 10 de abril.

    Todos os times de futebol têm uma torcida, mas com o Corinthians ocorre algo diferente: é a torcida que tem um time.

    A frase frequenta o vocabulário do futebol. Principalmente dos corinthianos, claro, que são, como poucos no mundo, torcedores que admiram e sentem orgulho de sua torcida.

    Não há como ficar indiferente à sua força e ao seu magnetismo quando se vai ao estádio. A torcida faz a diferença, seja ela a dos Gaviões, a de uma outra uniformizada ou a dos torcedores anônimos, “desorganizados”. Faz a diferença para o time: aplaude, vaia, incentiva, cobra, contagia. E faz a diferença para os próprios torcedores, que saem do estádio com a sensação de terem participado de uma experiência coletiva única, meio mística, meio política, meio artística. Quem já viu não esquece jamais.

    Fiel, o Filme é sobre a torcida corinthiana. Uma homenagem mais que merecida, pungente, que envolve e contagia. Deve ser visto pelos que gostam de futebol ou pelos que se interessam pela sociologia das paixões nacionais. Não é sobre jogos, campeonatos ou jogadores, nem sobre a história do clube. Nunca um filme sobre futebol se concentrou tanto nos personagens que dão sentido e alma a um time.

    É um ótimo documentário. Bem bolado, com uma câmera ágil, aguda e inteligente que mapeia a massa corinthiana e a individualiza, escolhendo com sensibilidade alguns torcedores típico-ideais, desses que vestem incondicionalmente a camisa. Por meio de suas imagens e entrevistas, vê-se como aquela massa social e culturalmente múltipla se une como por mágica em torno de uma única paixão, que apaga e dilui abismos sociais.

    Há uma parcialidade futebolística explícita no filme. Não se trata de obra neutra, objetivista, mas de um documentário engajado, de corinthianos sobre corinthianos e para corinthianos. A direção e o roteiro (e é de se imaginar que também a equipe toda!) couberam a “fiéis” militantes (Andréa Pasquini, Serginho Groissman e Marcelo Rubens Paiva).

    Sua tese é conhecida: o corinthiano típico é alguém acostumado a sofrer. A história do clube está embebida de episódios de dor, sangue, lágrimas. Nada jamais foi fácil, nenhum título foi conquistado por antecipação, mas sempre arrancado à beira do precipício. Como diz meu amigo João Batista da Costa Aguiar – designer gráfico dos maiores e cozinheiro de mão cheio (ver seu blog Senhor Prendado) –, o Corinthians é um time grego, forjado na tragédia.

    Sua trajetória é vivida pelos torcedores como uma metáfora da vida, duríssima para a maioria deles, que não desistem nem esmorecem mesmo quando o time fraqueja e decepciona, como em 2007, quando foi rebaixado para a série B. Não por acaso, este é o ano-base do filme, em torno do qual se estrutura a epopéia do retorno à série A, no ano seguinte.

    Fundado por um grupo de operários no dia 1º de setembro de 1910, no bairro do Bom Retiro, na capital paulista, o clube atravessou o século furando os bloqueios que elitizavam o futebol, vencendo preconceitos e incorporando seguidores dos grupos subalternos, das periferias e dos bairros pobres da capital. A paixão foi passando de pais para filhos, das cidades para os campos, dos operários para a classe média, dos pobres para os mais ricos, agregando migrantes (baianos, pernambucanos, cearenses, “caipiras” do interior de São Paulo) e imigrantes (espanhóis, italianos, árabes, japoneses), que se encantavam com aqueles jogadores que nunca desistiam de tentar a vitória, mesmo quando ela parecia impossível.

    Nascida na luta e no sofrimento, a torcida só fez crescer nos anos em que o time ficou sem títulos ou conquistas, como aconteceu entre 1954 e 1977. Passou assim a fornecer parâmetros existenciais e identidade para muita gente. A partir da mística do “Todo-poderoso Timão”, construiu-se um imaginário: o Corinhians-nação, um povo, uma família.

    Fiel, o Filme é sobre paixão pelo futebol, entregas e lealdades. Chega até a surpreender quando se pensa no mundo atual, tão vazio de vínculos de pertencimento e fidelidades. Não é à toa que o futebol cresce no mundo atual. Talvez esteja nele – ou em experiências como a dos fiéis corinthianos – a única lealdade coletiva a permanecer de pé nestes tempos estranhos de vida líquida e crise de identidade. Uma lealdade sólida, humildemente estampada no slogan que se cristalizou em 2008: “Nunca vou te abandonar!”.

    Vejam o filme, vale a pena. E os que quiserem conhecer o Hino do Corinthians, o mais belo, conhecido e cantado do Brasil, acessem o blog Timão no Ar.

     
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