Já o presidente da Bolívia, Evo Morales, mascou folha de coca e pediu que a ONU retire a planta da lista de drogas ilícitas nos convênios internacionais.
Justificou a foto da página, Evo segurando uma folhinha. Assim, sem dizer, deixa no ar para o leitor desavisado a impressão de que o governo da Bolívia é um dos entraves ao combate do narcotráfico.
Só na metade do texto entendemos o motivo de tanto esbanjamento de papel e tinta, roubando espaço aos “horrores” da crise. Em Viena também trabalhou a Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, aquela do Fernando Henrique Cardoso. Nos 17 nomes da comissão, a presença de João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo.
Se o Globo pode entrar no campo da ficção, inventando uma boba provocação ao Evo, este modesto blog pode também imaginar o diálogo no jatinho entre FH e João Roberto, na volta de Viena:
- FH, estive com tempo nos últimos dias e resolvi estudar melhor o problema das drogas.
- Como assim, João? Eu já te expliquei tudo.
- Sei, sei, mas é que ainda não estava me sentindo preparado, podiam me perguntar alguma coisa...
- Quem vai te perguntar? Fica tranquilo. E o que você está lendo?
- Comprei uns livros. Fiquei ainda mais curioso e pesquisei na internet...
- Cuidado! Não há a menor credibilidade nessa coisa. É terreno do inimigo, nossa grande batalha em breve, vamos acabar com esse lixo...
- Sei sei, mas tem muita coisa que faz sentido...
- Por exemplo?
- Governos, que agora dizem combater as drogas, foram responsáveis pela criação do consumo e do tráfico. Fiquei pensando nisso quando jantávamos com o embaixador inglês em Viena. Que hipocrisia! Lá no início do século XIX, a Inglaterra não tinha o que oferecer aos chineses para trocar por porcelana, seda e chá. Descobriram que ópio bombaria, é fácil “fidelizar” os clientes. Mercado aberto, altíssimo potencial. Criaram uma rota da índia para a China, maior sucesso, até os chineses perceberem o logro. O pau comeu em duas guerras com os ingleses.
- João, isso faz tempo...
- Mas não parou, FH. Em livro de um tal de Alfred W. McCoy, li que de 1945 a 1951 a CIA operou para tirar os sindicatos de Marselha da mão do Partido Comunista, os entregando para a máfia corsa. Bastou terem o controle das docas para Marselha se tornar à época a capital mundial da heroína.
- Mas os comunistas teriam feito estrago pior...
- Em outro livro, de Christopher Robbins, a mesma CIA, no início dos anos 50, organizava o Exército Nacionalista Chinês para combater os comunistas. Este exército se tornou o barão do ópio no Triângulo Dourado (Birmânia, Tailândia e Laos), a maior fonte de ópio e heroína do mundo. Na ajuda, aviões da Air América, companhia aérea da CIA, levavam as drogas...
- Mas eram os comunistas, sempre eles...
- Mas não só. O Nugan Hand Bank, de Sydney, era um banco da CIA. Todos o seu “bord” era de generais, almirantes e burocratas da CIA, incluindo William Colby, seu advogado. Li no livro de Jonathan Kwitny que a grande especialidade do banco era financiar o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e os negócios internacionais de armas...
- Isso tem o maior cheiro de teoria da conspiração...
- E o caso do Manuel Noriega, algo bem conhecido. Ele foi muito bem pago pela CIA, apesar dos americanos saberem desde 1971 que o general estava pesadamente envolvido no tráfico e lavagem de dinheiro. E cúmulo do fingimento: autoridades dos EUA, incluindo o então diretor da CIA William Webster e vários responsáveis do DEA, enviaram a Noriega cartas de agradecimento pelos esforços para impedir o tráfico de drogas. Claro, ele e os EUA se ajudaram para acabar com a competição ao Cartel de Medellin. O governo dos EUA só se voltou contra Noriega, invadindo o Panamá em dezembro de 1989 e sequestrando o general, depois de descobrir que ele também fornecia informações e serviços aos cubanos e sandinistas. Ironicamente, o tráfico de drogas através do Panamá aumentou após a invasão dos EUA. Está em outro livro, Our Man in Panama, de John Dinges.
- Geopolítica, João. Já falamos sobre...
- E o caso Irâ-contras? Os EUA vendiam na surdina armas ao governo do Aiatolá Komeini e traficavam drogas para financiar os contra revolucionários na Nicarágua. O San Jose Mercury News fez um série de artigos, ta lá no resultado do comitê Kerry, de 1989.
- Deixa pra lá, esse jornal está morto...
- A CIA criou a Al Quaeda na década de 80 no Afeganistão. Os caras faziam tráfico de drogas enquanto combatiam o governo apoiado pelos soviéticos. O principal cliente da agência era Gulbuddin Hekmatyar, um dos principais senhores da droga e o principal refinador de heroína. A CIA forneceu caminhões e mulas para levar armas e trazer ópio para laboratórios ao longo da fronteira afegã-paquistanesa, onde era transformado em heroína. A produção abastecia a metade da heroína usada anualmente nos Estados Unidos e três quartos daquela usada na Europa Ocidental. Depois, em 2001, vencendo os talibãs, o Afeganistão voltou a produzir heroína, só que agora ele é responsável por 80% do consumo mundial.
- João, você anda lendo muito. Vamos mudar de assunto. Ontem, como sempre de madrugada, o Serra teve uma ótima idéia. Já contei para o Tasso. É o seguinte...