Minhas profundas divergências ideológicas com a Folha de S.Paulo abundam até para a critica de cinema. Não é a primeira vez. O crítico Inácio Araújo não gostou de “Rebobine, por favor”, de Michel Gondry, segundo ele de um humor sem brilho. Não, não é. Não esperem apenas boas piadas, embora existam. O filme tem uma bela poesia e traz uma reflexão interessante para todos, paradoxalmente feita pela própria indústria cultural: o cinema tem agora um novo desafio com a digitalização e a internet. Como será esse novo modelo de negócio? O que amplas massas querem e estão dizendo a esse monopólio? Basta pensar. Sugiro que leiam Felipe Macedo, no Diplô. Segundo ele, o cinema mudou pouco até o advento das tecnologias digitais. O modelo básico de produção, de circulação e de exibição permaneceu o mesmo. Agora há um paradigma novo, com novos processos onde até a difusão já não precisa ser física. E acrescenta que este novo desafio tem muitas semelhanças com a época do surgimento do cinema. Quando, por duas décadas, muito foi tentado e discutido para formatar o cinema como o conhecemos hoje.
É o que a comédia consegue provocar. Elroy Fletcher (Danny Glover) é dono de uma decadente locadora de blockbusters. Vive pressionado pela prefeitura para mudar ou adaptar seu prédio a novas posturas. Sem dinheiro, faz uma viagem para pensar e deixa seu negócio nas mãos do atolado empregado Mike (Mos Def) e inadvertidamente na de seu amigo mecânico Jerry (Jack Black). A primeira e decisiva trapalhada de Jerry é desmagnetizar todo o arquivo de fitas VHS. Em pânico, a dupla resolve refilmar cada fita, conforme sua demanda. São os melhores momentos, onde títulos notórios do cinemão americano são recriados nos mais toscos e criativos recursos. Um exemplo: descobrem que na antiquada câmera há um botão para a imagem ficar em negativo, o que poderia sugerir a filmagem à noite. Mas como os atores ficavam irreconhecíveis, xerocam seus rostos em negativo para serem usados como máscaras. O resultado é hilário.
O negócio bomba quando a comunidade local descobre a nova arte da dupla. E de meros espectadores passam para participantes ativos nas produções, como técnicos e atores. Uma ótima metáfora com a nova geração YouTube, onde alguns toscos filmes são hoje mais vistos do que muitas produções da indústria. Quando sabemos que no Brasil mais de 60% dos jovens entre 15 e 29 anos nunca foram ao cinema e 92% dos municípios não têm sequer uma sala para exibição, o filme da indústria americana tem muito mais a dizer além das piadas.