Vinicius de Moraes foi uma figura ímpar na cultura brasileira. Diplomata de carreira e poeta consagrado, jamais abriu mão da vida boêmia, da paixão pelas mulheres e da carreira como compositor/músico de MPB, para desagrado de um bom número de colegas seus da ala mais conservadora do Itamaraty. No livro que escreveu sobre ele (Vinicius de Moraes: O Poeta da Paixão, Cia. das Letras, 1994), José Castello conta que, em dezembro de 1968, Vinicius estava em Portugal para uma série de shows, quando, no dia 13, começaram a chegar do Brasil notícias truncadas e desencontradas sobre a decretação do Ato Institucional n° 5. Preocupado com o destino de vários amigos seus, tentou contatar, sem sucesso, alguns deles como Rubem Braga, no Rio de Janeiro, e Otto Lara Resende, que era adido cultural em Lisboa. À noite, mesmo abalado e preocupado com os acontecimentos do outro lado do Atlântico, Vinicius dirigiu-se ao teatro para o show que faria com o violonista Baden-Powell e com a cantora Márcia. Naqueles dias, Portugal vivia o efêmero período da chamada “Primavera Marcellista” em que a ascensão de Marcello Caetano ao poder, no lugar do velho ditador António de Oliveira Salazar, havia acendido as esperanças de que poderia ocorrer uma liberalização do regime. No entanto, tais esperanças demonstraram-se se infundadas e Portugal só se livraria daquela ditadura que durava quase meio século, em abril de 1974, com a Revolução dos Cravos. Naquele 13 de dezembro, já que o Brasil era o tema recorrente nos noticiários portugueses, a TV estatal portuguesa – a RTP – envia uma equipe para fazer um tape do show. Sem temer a presença da mídia portuguesa e, provavelmente, de agentes da temida polícia política salazarista, a PIDE, Vinicius interrompe o show, antes de começar a interpretar o “Canto de Ossanha”, e diz "Eu hoje gostaria de dizer a vocês umas palavras de muita tristeza. No meu país foi instaurado, hoje, o Ato Institucional n° 5. Pessoas estão sendo perseguidas, assassinadas, torturadas. Por isso, quero ler um poema". A seguir, abriu um exemplar de sua "Antologia Poética" e - enquanto Baden Powell dedilhava o no violão o Hino Nacional brasileiro - leu os versos de “Pátria Minha" (publicados originalmente em 1949), para êxtase da platéia:
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria (...)
Como ressalta José Castello, a leitura desse poema ficou tão marcada na memória dos portugueses como “uma das mais bem-acabadas expressões que puderam conhecer do amor à liberdade”, que na noite seguinte à Revolução dos Cravos (1974) que derrubou a famigerada ditadura salazarista-marcellista, a RTP retirou o tape do show de Vinicius de seus arquivos e o reprisou. Os ventos da liberdade que, naquele instante, sopravam em Portugal demorariam ainda alguns anos antes de atravessarem o Atlântico e chegarem ao Brasil.
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria (...)
Como ressalta José Castello, a leitura desse poema ficou tão marcada na memória dos portugueses como “uma das mais bem-acabadas expressões que puderam conhecer do amor à liberdade”, que na noite seguinte à Revolução dos Cravos (1974) que derrubou a famigerada ditadura salazarista-marcellista, a RTP retirou o tape do show de Vinicius de seus arquivos e o reprisou. Os ventos da liberdade que, naquele instante, sopravam em Portugal demorariam ainda alguns anos antes de atravessarem o Atlântico e chegarem ao Brasil.