Acho sempre instigante quando um filme divide a crítica. Normalmente há nele algo de relevante. É o que acontece com Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. O crítico Pedro Butcher, da Folha, detonou a estréia do filme em Cannes. Oportunismo e conveniência foram palavras citadas para definir a escolha de Barcelona, depois do aporte de um bom patrocínio da prefeitura da cidade catalã. A mesma crítica é repetida por Arthur Dapieve na última sexta, no Globo, que afirma ser um mero filme de encomenda. E mais falam para sustentar a tese sobre um trabalho preguiçoso, vazio, apenas marcado por aparências e clichês,
Bobagens. Vi o filme antes de ler as críticas e o achei um dos trabalhos mais maduros de Allen. Divertido e ao mesmo tempo incômodo. Impossível vê-lo sem haver um dedo de identidade com algum momento dos personagens. Ali estão nossas dúvidas, procuras, obsessões, mesmo em um universo tão pequeno. E Barcelona não é apenas um merchandise de cidade, algo comum hoje nessa indústria. Há muito sentido para tal no roteiro. Todos os personagens de alguma maneira estão envolvidos em dar expressão criativa para suas questões. Vicky (Rebecca Hall) estuda a cultura catalã, Cristina (Scarlett Johansson) fotografa. São envolvidas em trama amorosa com Juan Antonio (Javier Bardem), pintor que aparentemente roubou o estilo de sua grande amada também pintora, Maria Elena (Penélope Cruz). Nada distante da vivência de lugar onde um arquiteto fez uma das obras mais inusitadas do planeta, muito além de paredes e tetos, um dos mais autênticos berros pela expressão.
É típica comédia de costumes, com encontros e desencontros, ótimos diálogos. Questionamentos sobre o desejo pelo outro. A tentação. A resignação. Os mais fortes sentimentos em um turismo acidental. Todos vivem intensas emoções, e terminam como começaram. Não há respostas fáceis. Difícil um crítico ser preciso sem ter vivido escolhas pela vivência de uma paixão arrebatadora, ou reconfortante amor previsível, com conseqüentes culpas, ou pela neurose do amor mal ou bem vivido, e perdido. É o que fica da dificuldade de nossos ingênuos críticos. Não é possível entender sem vivenciar as enormes dificuldades de realizar o desejo, algo muito além das fantasias.
Daí gostei mais da crítica despretensiosa de Cotardo Calligaris, na Folha, com sua manha psicanalítica:
“O amor e a paixão não nos fazem necessariamente felizes, mas são uma festa e uma alegria porque deles podemos esperar ao menos isto: que eles nos tornem um pouco outros, que eles nos mudem. Agora, nem sempre funciona...”
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