Do Blog do Alon: Mostrem-me um único caso

Do jornalista Alon Feuerwerker
Sou, francamente, tomado pelo tédio diante das notícias sobre o quiprocó orçamentário decorrente da perda da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). E sobre a brava luta da oposição contra o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos. Um detalhe porém chama a atenção. Fazia tempo que políticos não se sentiam tão à vontade para defender abertamente a intocabilidade dos lucros dos bancos, sem subterfúgios e sem mistificações.
Parabéns à oposição brasileira. Derrubou um imposto razoavelmente justo e que financiava institucionalmente a saúde pública e os programas sociais e agora sai de peito aberto na defesa dos lucros dos bancos. Onde isso vai dar, não sei. Aproveito para lançar um desafio nesse tema dos impostos. Eu quero que os partidários de uma menor carga tributária apontem um único governo do PSDB ou do Democratas durante o qual a arrecadação tenha crescido abaixo da inflação. Ou seja, em que a receita tenha se reduzido em termos reais. Ou então caído como proporção do produto. Pode ser um governo municipal ou estadual -sem falar nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Mostrem-me um único caso que seja. Não peço necessariamente exemplos em governos muito importantes. Pode ser qualquer lugarejo, qualquer buraco de fim de mundo. Vamos discutir esse assunto em termos práticos. Onde foi que a atual oposição, quando no poder, reduziu a carga tributária? Aliás, aproveitem para me contar qual foi o preço do produto ou serviço que caiu por causa do fim da CPMF. E também estou sendento para saber como mesmo os números da Receita Federal neste começo de 2008 justificam as teses de que o maior dinheiro disponível nas mãos das pessoas geraria uma arrecadação adicional capaz de compensar o fim da CPMF. Teses ao vento. Conversa fiada para não pagar imposto. E para causar dificuldades ao país, na esperança de que isso enfraqueça o governo. Por falar em movimentos de classe média nessa área, tem agora uma turminha do Rio que não quer pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Meus votos sinceros de que o prefeito Cesar Maia (DEM) passe por cima desse pessoal como um rolo compressor. Que os cartazes soviéticos em seu gabinete inspirem-no.

Comentário do blogueiro: Muito boa a análise feita pelo Alon. Parece ser mesmo muito difícil para PSDB e DEM encontrarem um único caso sequer de adesão da tese de redução da carga tributária em suas administrações. Pelo visto, a bandeira empunhada pela oposição é conversa para boi dormir. É pura balela. O que é um sinal de que a própria oposição não acredita em suas bandeiras. Mas querem que o eleitorado entre na sua onda. Se você quiser acreditar que o PSDB e o DEM são a favor da redução do Estado (e da carga tributária por consequência), que acredite. Tem gente diposta a acreditar em duendes, assim como nos políticos. É só não reclamar depois.
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Justiça cega e burra

“Estou de férias no interior de Minas Gerais, mas tenho acompanhado a discussão sobre sigilo bancário com a implementação de uma nova medida da Receita Federal para substituir em parte o instrumento fiscalizatório da CPMF.”

De Tales Faria, do Blog dos Blogs:

Li ontem no Último Segundo: "O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá derrubar o novo instrumento que o governo criou para fiscalizar as operações financeiras com o fim da CPMF. O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello considerou a medida da Receita Federal uma quebra de sigilo bancário generalizada e adiantou que o tribunal deverá considerar a decisão do governo inconstitucional, caso tenha de julgar alguma ação nesse sentido."

O ministro Marco Aurélio Mello fez questão de frisar que está há anos no Supremo e que sabe muito bem como funciona a Casa. Por isso, sente-se seguro para afirmar que seus colegas votarão pela derrubada da instrução normativa da Receita segundo a qual os bancos são obrigados a informar qualquer movimentação de seus clientes superior a R$ 5 mil.

De fato o ministro conhece muito bem os seus pares e, se está dizendo que eles devem votar pela derrubada da norma da Receita, é porque vão derrubar sim.Mas eu já acho essa história de sigilo bancário um negócio mal colocado. Que as contas têm que ser tratadas com sigilo, em geral, tudo bem.

Mas sigilo em relação aos órgãos fiscalizadores só beneficia os ricos. Pobre não tem problema com este tipo de sigilo bancário. E só beneficia para o quê? Para esconder da Receita e dos órgão fiscalizadores alguma prática não-republicana que o banco ou o cliente, ou ambos, estejam praticando. Aí vem o ministro do Supremo e diz que, dentro da técnica jurídica, a norma da Receita é inconstitucional. E deixa claro que ela será derrubada.

Vamos lá, ministro, essa interpretação de sigilo não deveria ser alterada? Quando um órgão fiscalizador do governo entra na conta do cidadão, não deve ser interpretado como quebra de sigilo: quebra haverá se este órgão divulgar a tal informação. Enquanto estiver com ele, a informação continua sob sigilo. Ponto. O próprio STF pode baixar uma interpretação destas, se quiser.

O fato é que, desde que a CPMF permitiu acompanhar as movimenações financeiras dos correntistas, a Receita e a Polícia federais pegaram um monte de larápios. Caiu a CPMF, a Receita vem com uma norma pra minimizar o problema e o STF aparece com esta? Fala sério, ministro!

Comentário do blogueiro:
O sigilo bancário é uma relação entre Estado e sociedade. A constituição garante que o Estado proteja o sigilo bancário dos cidadãos. E só isso. Não há nada que se falar de sigilo entre diferentes órgãos fiscalizadores do próprio Estado. Aliás, é obrigação deste fiscalizar os seus cidadãos, incluindo transações financeiras suspeitas. E isso é feito para o bem da sociedade.

Se um órgão obtém informação (no caso, movimentações bancárias) de outro órgão para exercer sua função fiscalizadora e mantém seu sigilo perante terceiros na sociedade, não há quebra de sigilo (como bem disse o texto acima).

Agora, vem o ministro do STF dizer que a Receita Federal utilizar dados do Banco Central para sua função fiscalizadora é quebra do sigilo bancário. É uma interpretação da Constituição que, segundo ele, seria também dos outros ministros do STF.

É simplesmente absurda tal interpretação da Carta Magna. E como tal, não está escrito em lugar nenhum da Constituição (é apenas interpretação). Entendo que nada impede que os ministros do STF mude a interpretação, voltando-se mais para os interesses da sociedade em geral. E não para um punhado de ricos sonegadores.

Os ministros deveriam refletir melhor sobre isso, e mudar de vez essa interpretação. E não ficar jogando bola para a imprensa.

Lembrete: o sigilo nos termos colocado pelo ministro Marco Aurélio só beneficia os sonegadores. Os pobres mortais não ganham nada com isso.
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O discurso do presidente foi politicamente perfeito

Quem viu ontem à noite o discurso do presidente Lula à nação certamente entendeu a mensagem que se desejava passar. O discurso, preparado pelo publicitário João Santana e pelo jornalista Franklin Martins, responsável pela comunicação do governo, acertou no tom, sem atacar fortemente a oposição. Acertou também na forma, com as divisões temáticas. Finalmente, acertou no conteúdo, evitando entrar em assuntos como a CPMF. Enfim, o discurso presidencial foi politicamente perfeito.

Foi otimista como deve ser o discurso presidencial. Não é o presidente que deve ficar injetando dose de pessimismo como um possível agravamento da crise americana e seus desdobramentos para o país. Falou também do presente e do futuro, realçando os dados positivos da economia e os avanços na área social. Porém, o destaque foi a futuridade. Nesse quesito, o presidente ressaltou o PAC – e promessas de que o país será um canteiro de obras no próximo ano -, bem como a necessidade de se avançar mais na segurança pública, educação é saúde.

Nesse último, a saúde, o presidente aproveitou para posar de democrata, respeitando a decisão do Congresso sobre a CPMF, mas não deixou de dar uma alfinetada na oposição. Fez isso de maneira sutil e elegante, mas destacou que a área da saúde poderia ter maiores avanços a partir do ano que vem, caso a CPFM fosse aprovada.

A estratégia do presidente foi correta e calculada, pois responsabilizou indiretamente a oposição pelo fracasso do governo na área da saúde – aliás, essa é uma área em que as pesquisas indicam ser uma das piores avaliadas pela população. E também dividiu responsabilidade com o Congresso e sua base de sustentação para se encontrar fontes de financiamento para a saúde.

A oposição e parte da base que votaram contra a CPMF podem ter zerado o jogo político com essa vitória, mas não terá como fugir da armadilha de ter que dividir a responsabilidade pela obtenção de mais recursos para a saúde. O governo sofreu uma perda orçamentária considerável – afinal, são 40 bilhões -, mas já começa a reunir capital político para novas batalhas. Contando que o governo não tem mais nada de importante em sua agenda que precisa de maioria qualificada até o final do mandato, sua vantagem sobre a oposição é muito grande. Feliz ano de 2008.

Leia na íntegra o discurso do presidente Lula à nação

Minhas amigas e meus amigos,

Nesta noite, quero fazer com vocês um balanço de 2007. Deste excelente momento do Brasil. Quero começar agradecendo a todos que, com seu trabalho, esforço e determinação, tornaram esse momento possível.


Quero agradecer ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário.

Quero agradecer tanto aos que apoiaram como aos que criticaram o governo ao longo desses anos. Sem a participação de todos seria impossível unir o país e encontrar os melhores caminhos para o futuro.

A todos vocês, meu muito obrigado.

Já podemos dizer com certeza que nossa economia cresceu mais de 5% em 2007. E 2008 será também muito bom, pois estamos iniciando o ano com um ritmo bem vigoroso.

O desemprego está em queda. De janeiro a novembro, criamos 1,936 milhão empregos com carteira assinada, um recorde histórico. Segundo o IBGE, o índice de desemprego no mês passado foi de 8,2%. O mais baixo de toda história desta pesquisa.

Não só aumenta o emprego. O salário também melhora. Em 97% dos acordos, o trabalhador teve reajuste maior ou igual à inflação. A massa salarial cresceu 7% este ano.

Nos últimos 5 anos, 20 milhões de pessoas deixaram as classes D e E, de baixo consumo, e migraram para a classe C. Apenas nos últimos 17 meses, 14 milhões de brasileiros ingressaram nesta nova classe média, cada vez mais ativa e numerosa. Ou seja, finalmente, estamos criando um amplo mercado de massas.

Inclusão social

Um amplo mercado de massas não só melhora a vida de milhões de famílias. Também gera um círculo virtuoso: como há mais gente entrando no mercado consumidor, crescem as vendas, a indústria e o campo produzem mais, os empresários investem com mais força e as empresas abrem mais vagas.

Por tudo isso, este ano, a ONU incluiu o Brasil, pela primeira vez, no grupo dos países com alto índice de desenvolvimento humano. É sinal de que nossa luta contra a pobreza, através de programas como o Bolsa Família, está dando certo. Isso mostra que inclusão social não é apenas uma expressão bonita e desejada. E, sim, uma realidade. Uma realidade que vai se ampliar ainda mais, porque o Brasil descobriu como fazer crescimento econômico com inclusão social.

Esta talvez seja a nossa maior conquista nos últimos anos: o Brasil não aceita mais ser um país de poucos. Está se tornando um país de muitos. E não descansará enquanto não for de todos.

Programa de Aceleração do Crescimento-PAC

Em 2007, lançamos e consolidamos o PAC. Em 2008, o Brasil será um canteiro de obras. Nos próximos anos, R$ 504 bilhões vão se transformar em rodovias, ferrovias, hidrovias, energia, portos e aeroportos, habitação, água potável e saneamento básico.

O PAC significa, antes de tudo, crescimento e emprego. As décadas perdidas, pela falta de confiança no país e pela falta de planejamento e de ação do Estado, ficaram para trás.

Não só estamos fazendo mais, como estamos fazendo muito mais barato. Nas licitações para exploração de rodovias, o preço dos pedágios caiu fortemente. No leilão da usina de Santo Antonio, no rio Madeira, o custo do megawatt/hora voltou aos patamares do início da década de 90. São ótimas notícias para o país.

Meio ambiente

Se o Brasil descobriu como crescer com inclusão social, também está descobrindo como crescer sem destruir a natureza. Temos conseguido reduzir o desmatamento de forma constante e sustentada. Estamos ampliando nossa liderança mundial no uso e na produção de biocombustíveis. E, a partir do dia 1º de janeiro, daremos um novo passo, adicionando 2% de biodiesel a todo o óleo diesel consumido no país. Nossa matriz energética é e continuará sendo uma das mais limpas do mundo.

Todo esse esforço nos dá autoridade para exigir dos países ricos, os que mais poluem o planeta, medidas efetivas para reduzir o aquecimento global.

Avançar mais

A casa está arrumada e os resultados começam a aparecer. Mas é necessário avançar ainda mais, sobretudo em segurança, educação e saúde.

Na segurança, queremos estreitar ainda mais a colaboração com os Estados. Reforçamos a inteligência policial, organizamos a força nacional de segurança e fortalecemos a Polícia Federal. E lançamos neste ano o Pronasci, programa que investirá até 2010 mais de R$ 6 bilhões no combate ao crime, além de apoiar os jovens ameaçados de cair na delinqüência.

Na educação, alem do Fundeb, criamos o Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE, que fará uma revolução na qualidade do ensino no país. Até 2010, serão aplicados R$ 12 bilhões nos ensinos médio e fundamental, reforçando os salários dos professores e equipando as escolas. E estamos abrindo dez novas universidades públicas, 48 extensões universitárias no interior e 214 escolas técnicas em todo o país. Também estamos ampliando o Prouni, que já ofereceu 400 mil bolsas de estudos em faculdades particulares, e lançando o Reuni, que, em quatro anos, vai criar cerca de 400 mil novas vagas nas universidades federais. Assim, tornaremos mais democrático o acesso ao ensino superior.

Na saúde, no começo de dezembro, lançamos o PAC, que destinaria até 2010 mais R$ 24 bilhões para o setor. Entre outras coisas, todas as crianças das escolas públicas passariam a ter consultas médicas regulares, inclusive com dentistas e oculistas. Infelizmente, esse processo foi truncado com a derrubada da CPMF, responsável em boa medida pelos investimentos na saúde. Como democrata, respeito a decisão tomada pelo Congresso. E estou convencido de que o governo, o Congresso e a sociedade, juntos, encontrarão uma solução para o problema.

Confiança no Brasil

As boas notícias na economia e em outros setores criaram um novo clima no país. Hoje, há mais brasileiros olhando para o futuro com esperança.

Nada disso está ocorrendo por acaso. É fruto do trabalho e das escolhas feitas pelo povo e pelo governo. É fruto da participação social e do funcionamento da democracia. Estamos colhendo o que plantamos.

Volto a repetir que sou, ao mesmo tempo, o mais satisfeito e o mais insatisfeito dos brasileiros. Satisfeito porque fizemos muito, e insatisfeito porque ainda é pouco diante do tamanho da nossa dívida social.

Da minha parte, tenho fé que somos um povo capaz de enfrentar as maiores dificuldades e resolver qualquer problema. Fizemos isso em momentos muito mais difíceis. Certamente poderemos fazer muito mais agora, quando o Brasil encontrou seu rumo e está no caminho certo.

Um feliz Ano Novo. Que 2008 seja ainda melhor que 2007.

Boa noite."
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Entrevista de Ciro Gomes ao Blog do Dirceu

Nessa entrevista, o presidenciável Ciro Gomes fala da transposição do Rio São Francisco, derrota da CPMF, reforma política e outros assuntos colocados na pauta política nacional. Vale a pena conferir.

Ciro Gomes: Golpe fracassa, mas adversários querem inviabilizar governo Lula.

Os adversários de Lula sonharam dar um golpe no presidente da República e, diante do insucesso, derrubaram a prorrogação da CPMF, com o objetivo de impedí-lo de governar. Esta é a interpretação do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) para a rejeição “subalterna, politiqueira e eleitoreira” da prorrogação do imposto do cheque.Apontado como um dos possíveis candidatos da base aliada ao Palácio do Planalto em 2010, Ciro julga fundamental a manutenção de uma coalizão partidária, a mais ampla possível, para o sucesso naquele ano das forças do centro à esquerda que detém o poder no País hoje. “O que está em jogo é grave e não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se não conseguirmos isso”, adverte o deputado.
[ José Dirceu ] Eu gostaria de começar falando sobre a transposição do rio São Francisco, porque há muita desinformação na opinião pública. Diz-se que não há um projeto para o agronegócio e para o hidronegócio e que a transposição não vai levar água para famílias, para as comunidades, apenas para o empresariado e que a elite vai dominar a água.
[ Ciro Gomes ] Essa discussão precisa ser trazida a um plano minimamente racional. Sob esse ponto de vista há uma metodologia que permita, a qualquer observador, crítico ou curioso, formar juízo sobre o assunto. Primeiro, há a necessidade de levar essa água lá para cima. O Brasil inteiro tem notícias centenárias de que ocorre, ciclicamente, a seca; de que há uma indústria da seca, de que há carro pipa manipulado para subornar consciências; de que a migração explode a partir dessa situação. Porém, isso precisa ser especificado em números. As Nações Unidas estabelecem para o mundo um padrão de disponibilidade hídrica per capita de 1.500 metros cúbicos por habitante/ano. Naquela região, os números mostram a disponibilidade de 550 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, a disponibilidade segura existente hoje é de um terço do mínimo necessário estipulado pela ONU.
Outra grande questão é se o rio tem essa água. Todo o Nordeste Setentrional só tem dois grandes rios perenes. Um, o rio Parnaíba, na fronteira do Piauí com Pernambuco, dispõe de 1.200 metros cúbicos por habitante/ano. Portanto, o Parnaíba não tem nenhum excedente. O outro, o São Francisco, tem 3.500 metros cúbicos por habitante/ano e uma vazão média de 3.850 metros cúbicos por segundo.
O projeto de transposição propõe abastecer 12 milhões de pessoas, um terço da população da região. Não é a redenção do Nordeste, não vai resolver todo o problema, nem tem resposta para toda a população (...). No trecho alcançado pela obra a proposta é transpor 23 metros cúbicos por segundo e elevar isso até 63 metros cúbicos por segundo se – e somente “se” – ocorrer cheia no lago da hidrelétrica de Sobradinho, o que acontece uma vez a cada 5 anos em média.
É a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil.
Quanto a questão se é para o agronegócio ou para o abastecimento humano, a outorga é um ato jurídico vinculado, formal, feito pela Agência Nacional de Águas. A outorga é absolutamente explícita: estão outorgados 23 metros cúbicos do São Francisco para abastecimento humano (...). O presidente Lula determinou – e isso é omitido da opinião pública – e nós decretamos de utilidade pública, para fins de desapropriação para reforma agrária, três quilômetros de cada lado em toda a extensão da obra, composta por dois eixos, o Norte e o Leste que, somados, totalizam 720 quilômetros. Então, é a maior reforma agrária contínua, com água, da história do Brasil. Três quilômetros para um lado e três para o outro nos 720 quilômetros de canais. Decretada essa desapropriação, a área fica indisponível para uso privado de quem quer que seja. Outro benefício é que o projeto pereniza mil quilômetros de rios secos no Nordeste Setentrional. O efeito estratégico disso, em matéria de produção de alimentos, de reforma agrária, de progresso, de retenção de migração é absolutamente inquestionável.
Por outro lado, o rio vem sendo agredido há 500 anos. Sua degradação é um fato, só não se pode atribuí-la a uma obra que ainda não está sendo feita. Ao contrário, a possibilidade da transposição trouxe a decisão política de revitalizar o rio. Revitalizar agora não é mais uma palavra, é um projeto, com orçamento, com prazos, metas e já em franca execução.
[ José Dirceu ] O que é essa revitalização?
[ Ciro Gomes ] Primeiro, 95% das matas ciliares junto ao rio já foram desmatadas e os 5% restantes continuam sendo desmatados em Minas Gerais, na Bahia, inclusive, para fazer carvão para siderúrgicas, com mão-de-obra semi-escrava e infantil ante o silêncio e a omissão dos ditos amigos do São Francisco. Segundo, em função do desmatamento o rio assoreou e praticamente perdeu a sua navegabilidade. Terceiro, 270 cidades quando o presidente Lula tomou posse (1º/1/2003) jogavam esgoto sem tratamento no rio (...).
A foz tem uma língua salgada (o mar avança sobre o rio) entrando, e isso também não é por causa da obra. O projeto de revitalização contempla essa lesão na foz, equacionou o que tem que ser feito e já está começando a obra. O desassoreamento está sendo cuidado, com a formação de 5 milhões de mudas para repor a mata ciliar nos 2.700 quilômetros de cada margem do rio e em milhares de quilômetros de seus afluentes.
[ José Dirceu ] Estes 5 milhões de mudas são para a fase inicial, não?
[ Ciro Gomes ] 5 milhões só para a malha principal. Como não tem muda, nós estamos fazendo com os assentamentos de reforma agrária e os institutos florestais de Minas Gerais. Em função das barragens (das hidrelétricas), a água chega no Baixo São Francisco praticamente filtrada, sem nutrientes para os peixes. Por isso o rio perdeu sua piscosidade. Há um projeto para atender esse aspecto e repor a produção de peixes. Tudo foi considerado e tudo está em execução. Agora, em relação a transposição há uma acusação incômoda sobre falta de discussão e autoritarismo.
[ José Dirceu ] Vamos contar um pouco essa história ...
O bispo não discutiu o projeto e entrou em greve de fome.
[ Ciro Gomes ] Quando o presidente Lula tomou posse, me chamou, determinou a execução do projeto e disse que tinha pressa. Ponderei que não era possível fazer qualquer coisa na área se não zerássemos o equívoco, gerado no passado e detectado em pesquisas, com relação ao termo transposição. Era preciso, primeiro, informar a população do Baixo São Francisco, principalmente em Sergipe, que transposição não significava tirar o rio do seu leito natural e levar para outro canto. Isso é um absurdo. O rio vai ficar vai ficar quietinho no lugar dele.
Na seqüência, organizamos e instalamos o Comitê da Bacia do Baixo São Francisco. Instalado, o comitê fez uma primeira exigência: suspender toda e qualquer providência até que fosse feito um plano para a Bacia, o que fizemos. Mobilizamos a excelência técnica e os mais qualificados cientistas de todas as universidades brasileiras. Trabalharam juntos governo e Comitê da Bacia e, em seis meses, o projeto ficou pronto. Terminados os seis meses, e com o plano pronto, o comitê pediu mais três meses, sem que se tomasse providência nenhuma, para que o plano fosse validado pela sociedade civil. Achamos de bom senso e suspendemos tudo por mais três meses. Promovemos 40 audiências públicas, em capitais e no interior de todos os estados, e o projeto foi aprovado, por unanimidade, numa reunião em Salvador.
É tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo
[ José Dirceu ] E teve também uma ampla discussão sobre o processo de licenciamento ambiental.
[ Ciro Gomes ] Sim, convocamos mais de 70 audiências públicas, em todos os estados, não só nos da bacia doadora, mas também nos estados das bacias receptoras. Apesar das audiências serem convocadas com 15 dias de antecedência, essa gente que se organiza para criticar a falta de diálogo e de debate, obteve liminares judiciais, de forma absolutamente oportunista, na hora em que os servidores do governo já estavam lá para as audiências. Assim, optaram por não participar das audiências públicas e inibí-las na primeira rodada. Abria a audiência e chegava a liminar. Revogadas as liminares pelo Judiciário, nova rodada de audiências públicas foi convocada. Essa gente foi lá e impediu fisicamente, agredindo servidores públicos, ameaçando-os de morte. Impediram o debate e não deram uma única contribuição (...). Foi feito o licenciamento prévio e o assunto foi levado ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que reúne governo e setores da sociedade civil.
Na primeira reunião para deliberação do conselho, nova liminar judicial impediu sua realização. Tudo chincana judicial de quem alega falta de diálogo. Derrubada a liminar, convocamos nova reunião e o projeto foi aprovado no Conselho por 36 votos a 2. Todas as liminares chegaram ao Supremo Tribunal Federal, que as derrubou, depois de ouvir todas as partes (...). Aí o bispo entrou em greve de fome. Sem falar com ninguém.
O debate também foi levado à sociedade civil pelo governo – a OAB, duas vezes a CNBB - em ambas o bispo Cappio foi convidado e não compareceu - a CUT, ao MST, e as comunidades indígenas. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público também foram procurados, assim como clubes de engenharia e outras entidades que tivessem, de alguma forma, interesse, relação, contribuição ao projeto. E o vice-presidente da República liderou, pessoalmente, uma delegação em nome do Lula numa rodada de debates em todos os estados, numa discussão com governadores, políticos e com os empresários.
[ José Dirceu ] Vamos abrir uma janela aqui, nessa questão do rio São Francisco, e falar de outros assuntos. A rejeição à prorrogação da CPMF?
[ Ciro Gomes ] Foi o ato de maior irresponsabilidade política do qual tomei conhecimento nos últimos anos. Não se trata de discutir o mérito da CPMF, porque tecnicamente é um tributo ruim, tem várias imperfeições. Ao incidir com alíquota única sobre todos os valores é regressivo. Ao incidir sobre investimento, da mesma forma – deveria incidir sobre especulação e consumo. A CPMF não é estimulante para o desenvolvimento. Em uma hipotética reforma tributária, não se deveria considerar tributo com esse tipo de incidência. Mas, não foi disso que se tratou no debate no Congresso. O debate era: o país pode ou não abrir mão de R$ 40 bilhões sem uma reforma tributária, sem um conjunto de providências que prevenissem esse saque violento e abrupto, politiqueiro, irresponsável, tal o volume de recursos nas finanças públicas brasileiras? E a resposta foi o que vimos.

A rejeição da CPMF visa inviabilizar governo Lula

[ José Dirceu ] E como você a interpreta?
[ Ciro Gomes ] É indisfarçável a motivação subalterna, politiqueira e eleitoreira da resposta. É uma motivação de quem tentou escalar o golpe por um caminho, não conseguiu e, agora, quer impedir o presidente Lula de governar. E isso é muito claro: se o país tiver superávit nominal, é possível incrementar custeio, investir mais em segurança, educação,saúde, ou incrementar o investimento nos portos, ferrovias, rodovias. Mas, o país tem déficit nominal. Portanto, o que se fez foi uma imposição ao governo. Passa-se a pressionar agora por uma alta da taxa de juros, que inibe a faixa de investimentos da economia brasileira, que vinha cobrindo, pela primeira vez em muitos anos a chegada dos jovens ao mercado de trabalho.
O que querem é que o governo, para suprir os R$ 40 bilhões da CPMF, estresse o déficit da Previdência Social – elimine aposentadorias e pensões – ou elimine o Bolsa Família. É disso que se trata. E fizeram com a mão do gato, de uma forma muito competente porque falar mal de imposto num país que não devolve nada para a classe média, obrigada crescentemente a pagar dobrado para viver, é muito fácil. Esse debate é nesse estrato (classe média), não é no povão.
[ José Dirceu ] O principal problema, na verdade, é a maioria que o governo não tem na Câmara e no Senado. O partido do governo, o PT e seus aliados se conformam com isso. Aliás, o Senado é muito mais criticável do ponto de vista programático.
[ Ciro Gomes ] Na Câmara a coisa está bem. Houve um debate rico e a CPMF passou muito bem. No Senado também poderia ter passado. Aí não vale a pena só falar mal dos nossos adversários. O governo errou bastante. Errou muito quando aceitou, por exemplo, que durante três meses o relator designado negociasse pelos jornais mais um cargo e o governo não dava. Depois deu. Não creio que seja esse o caminho.
[ José Dirceu ] Chegou muito tarde no Senado e lá o governo tem que constituir maioria. O governo perdeu tempo negociando. Devia ter negociado logo para obter e provar maioria dentro de sua base de apoio, antes de negociar com senadores novos na base, como Romeu Tuma, que acabou de sair do DEM, e com alguns outros que trocaram de partido. Isso criou uma nova realidade no Senado. Nunca tive ilusão e, inclusive, três dias antes falei: vão rejeitar.
[ Ciro Gomes ] Sem dúvida.[ José Dirceu ] Eles (os recém chegados à base) não tem responsabilidade. Eles só não rejeitam a DRU porque, de certa maneira, isso pode favorecer o governo. [ Ciro Gomes ] Evidentemente. Sem a DRU você atinge o coração da coalizão dominante na hegemonia moral e intelectual do país.
[ José Dirceu ] Só não rejeitam por isso.
[ Ciro Gomes ] A natureza ideológica da decisão é muito clara. Não tem incoerência nenhuma. Você tira a CPMF e isso quer dizer o quê ? Você subtrai um tributo que cai sobre 14% da população, aquela que transaciona financeiramente. Se você imaginar uma pessoa que transacione nos bancos com cheques R$ 100 mil, está falando de R$ 380 (pagos de CPMF por essa pessoa) por ano. Quantos brasileiros transacionam R$ 100 mil por ano e são, a partir desse ponto de corte, responsáveis por pagar R$ 380,00, que vão para a saúde, aposentadoria e Bolsa Família. E a DRU é tirar dinheiro da saúde, da educação para o mesmo destino.
[ José Dirceu ] Eu já disse no meu blog que eles não derrubam a DRU porque ela é que garante o superávit nesse país dos juros. O que eles fizeram na verdade foi um grande favor. Mas, vamos falar um pouco de reformas política e tributária.
[ Ciro Gomes ] As duas têm uma contradição que a gente precisa analisar com muita paciência. Não aconteceu ainda uma reforma política ou uma reforma tributária, porque, se gente fizesse, vão dizer o seguinte: “houve um dia em que aconteceu e foi feito pelo governo Lula....”. Mas, nós estamos nos aperfeiçoando politicamente faz tempo e, também, a tributária.
[ José Dirceu ] Não é a reforma tributária que se deveria fazer.
[ Ciro Gomes ] Mas o Fernando Henrique pegou a carga tributária brasileira com 27% do PIB e entregou para Lula com 35%. Se o nome disso não for reforma tributária, o que é? Agora, não dá para dizer que o governo Lula é o culpado por não fazer. Em oito anos, a carga tributária subiu de 27% para 35% do PIB. Nesse mesmo período, a dívida pública subiu de 36% para 58% do PIB, se venderam US$ 100 bilhões de patrimônio público estatal brasileiro, e o país entrou num colapso de infra-estrutura. Não bastasse, perdemos um terço dos mestres e doutores das universidades públicas, enfim, essa é a realidade dessa gente que está fazendo esse movimento todo.Voltando a questão, afirmo que há uma inerência, que chamo de paradoxo da legitimidade. Basicamente, na questão política é a institucionalidade vigente, que gera representação política. E esta, por sua vez, detém o monopólio da reforma institucional. Na minha opinião, a solução é fazer uma reforma política, em tese, para vigir daqui a 5, 4 ou 3 eleições.
[ José Dirceu ] Como foi com a cláusula de barreira, que depois caiu.Plebiscito e referendo no Brasilviraram sinônimos de chavismo.
[ Ciro Gomes ] O Supremo derrubou. Ou mandar isso ao plebiscito, ou a referendo.
Mas no Brasil agora se quer transformar plebiscito numa questão de chavismo.
[ José Dirceu ] Como se fosse antidemocrático.
[ Ciro Gomes ] Antidemocrático ou uma questão autoritária. Vivemos agora essa contradição. Na questão tributária temos dois problemas: um é o patrimonial – a carga tributária cresceu não porque os serviços ou a presença do Estado cresceram. Na verdade, estão muito aquém do mínimo necessário para o Brasil em questões básicas, como educação, saúde e segurança pública. O outro problema é o pacto federativo dilacerado. Então, não haverá reforma tributária. Não adianta. Qualquer um de nós é capaz de ajuizar uma reforma.
O IVA é um tributo que, tecnicamente, deve ser cobrado no destino, porque é um tributo sobre o consumo. É um tributo moderno no mundo inteiro. O problema aqui é que São Paulo, que concentra 42% da produção industrial do país, agüenta que ele seja implantado? E você não pode quebrar São Paulo, porque quebrar São Paulo é quebrar o Brasil também. Então não é (uma coisa) trivial. É muito melhor a gente ir aperfeiçoando as reformas, na minha opinião, de maneira orgânica, com começo, meio e fim.
Por exemplo, nós achamos que o financiamento deve ser público para as campanhas. Mas aí o PFL vai pro povão e diz: "como é que pode? Falta dinheiro para a saúde, para os hospitais e esses políticos querem agora tirar dinheiro da saúde para financiar foguete, camiseta, palanque e showmício?" Pronto, nós perdemos a discussão.
[ José Dirceu ] Mesma coisa com o voto em lista. Vai fortalecer a estrutura burocrática dos partidos.
[ Ciro Gomes ] Em parte, é verdade. O Roberto Freire é dono do PPS. E acabou. Na Constituição vigente os partidos são organizações da sociedade civil. A interatividade estatal sobre os partidos se dá exclusivamente na transferência do fundo partidário e na sua fiscalização. Mais nada. Se você faz um sistema de lista fechado, os partidos passam a ter ordem pública nas suas organizações, uma interatividade mais sofisticada. Mas isso tudo está em discussão.
[ José Dirceu ] A fidelidade acaba também tendo um corte.
[ Ciro Gomes ] Tem um corte seletivo. É o despotismo esclarecido. No Brasil nós temos uma meia dúzia de pessoas, não duvido que bem intencionadas, que acham ter a solução para as nossas contradições. E essas soluções são lusitanas, são sempre uma lei. Sempre acham que a contradição da sociedade vai ser resolvida por uma lei que pega ou não pega.[ José Dirceu ] Eu concordo e não tenho dúvidas, porque o Senado aprovou a reforma política que não atinge senador.
[ Ciro Gomes ] Não aprovou.
[ José Dirceu ] Aprovou a dele. Não acabou com o suplente, não discutiu o papel do Senado. Aprovou tudo o que servia para a Câmara e não há maioria na Câmara para aprovar isso. O principal problema que eu vejo é que precisamos ganhar a opinião pública para a reforma.
[ Ciro Gomes ] Claro. Ou vai à plebiscito ou faz o despotismo esclarecido, transige e joga o ideal para daqui cinco eleições. Cada um de nós esquece a conjuntura, ou deixa assim. Ou faz uma reforma só dizendo o seguinte: ninguém mexe mais, vai ser essa regra aí, faz sempre eleições com ela.
[ José Dirceu ] Coalizão. Nós tivemos no Brasil, pela primeira vez, a expectativa de formar algum tipo para além da base de apoio, para além da aliança parlamentar para apoiar o governo, a idéia de formar uma coalizão. Na minha opinião, não existe coalizão alguma.[ Ciro Gomes ] É a minha também.
[ José Dirceu ] Não se criou nada.
[ Ciro Gomes ] Você não tem a hegemonia moral, nem intelectual, e nem um lugar para ajuizar isso. Se tivesse a gente tinha ido para o povo nesse negócio da CPMF. Qual o papel que a população tem no processo político real do país? A população só é chamada para votar nas eleições. Acabou as eleições nós vamos fazer aqui no Congresso Nacional, o que der na nossa cabeça. Coadjuvados pelo partido da imprensa.
[ José Dirceu ] O mais poderoso.
[ Ciro Gomes ] É verdade.
[ José Dirceu ] Eu vejo que uma coalizão teria que ter instâncias, deliberar, discutir as políticas de governo, dirimir, escolher candidato. Eu pego a Concertación do Chile. É verdade que esta coalizão já vai para 20 anos daqui a pouco. Disputou várias eleições, já elegeu presidente quase que dos 3 partidos que pertencem à coalizão. Porque no Brasil, ou nós vamos ter isso ou nós vamos ter uma maioria de dois, três partidos, nós vamos lutar para que dois ou três partidos formem 251 deputados, 41 senadores, nós vamos continuar vivendo isso.Se nós somarmos a estrutura política como é – mandato individual praticamente, financiamento privado – somarmos essa realidade de que ninguém, nenhum partido faz maioria, os governos vão depender de nomeação para cargos, depender de emenda parlamentar. E é muito bom se ficar só nisso.
[ Ciro Gomes ] Era muito bom se ficasse só nisso.
Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país.
[ José Dirceu ] Como você vê hoje o diálogo entre o PT e o PSDB?
[ Ciro Gomes ] Está bem melhor do que esteve num certo momento. Eu mesmo atuei muito fortemente porque temi muito aquilo que eu disse (o golpe), temi que os “respeitáveis” pudessem pegar o estratégico, o grave, o transcendental do país. Existe uma pequena nuance que nós precisamos estabelecer. Uma coisa é um governo sediado, como é o governo Lula, precisando tocar, solucionar os negócios do Estado hoje, agora. E é necessário – e agora, de novo, a dramaticidade da CPMF revela isso. As questões de Estado possuem essas emergências, essas complexidades, que exigem construção de maioria.
Uma coalizão política tem que ter uma estratégia de país. Por exemplo, o PT tem direito, ou tinha naquela época, de canibalização, de escolher o presidente da Câmara? Quem diz que sim, quem diz que não? E como se pode dizer que não? É o maior partido, o partido do presidente, por quê não tinha o direito? Agora, o PC do B, um partido aliado, tinha o presidente da Câmara. Tinha direito de aspirar permanecer naquele lugar? Tinha, por que não?
Como não há um instrumento claro e havia um quadro complexo, nós fomos divididos para esse embate dando prevalência as terceiras forças, que podem ser parceiras, mas que não partilham da mesma hegemonia moral e intelectual que nos reuniu num amplo espectro de centro à esquerda, com um pouco mais de ideologia, um pouco mais de preocupação estratégica, um pouco mais de ética. E naquele momento, houve essa confusão grave. Graças aos mesmos valores, isso está bastante atenuado hoje.O que está em jogo é grave.
[ José Dirceu ] O mesmo problema aconteceu com a disputa dentro do PT entre o Luiz Eduardo Greenhalgh com o Virgílio Guimarães. Houve a vitória do Severino, que a direita apoiou,jogou no nosso colo e nós não o apoiávamos. Mas ficou como se o Lula, o PSB e PC do B tivessem posto o Severino lá.
[ Ciro Gomes ] A idéia era botar o Severino para conceber o impeachment do Lula. A nossa sorte é que o Severino aderiu a nós.
[ José Dirceu ] A verdade é essa, nua e crua.
[ Ciro Gomes ] Eu me lembro que o Severino foi recebido com palmas, gente de pé, na FIESP. Lembro bem, a minha memória é implacável.
[ José Dirceu ] Nós estamos vivendo essa manipulação agora no Brasil, aberta e pública. Ela é feita com relação a disputas internas no PT, a uma série de denúncias, ao sistema eleitoral. Todos que são contra o chamado campo majoritário ganham manchetes nos jornais. Já quem não aderiu ao discurso da mídia, à moralidade udenista, não sai uma linha na imprensa.
[ Ciro Gomes ] Saiu uma lista discretíssima com tributos para a fundação do Fernando Henrique Cardoso, com valores inacreditáveis de R$ 500 mil da Sabesp. Inacreditáveis 500 mil reais da Sabesp.
[ José Dirceu ] Vamos tratar de uma última questão, Presidência da República em 2010. Eu concordo com o que você disse: o que interessa é o projeto, a continuidade de uma coalizão, que pode ser maior ou menor. É a garantia de que vamos realizar outro movimento, aprofundar as mudanças, que começaram com o primeiro mandato do Lula. Você vê chance de nós conseguirmos estabelecer, pelo menos entre o PT, PC do B, PSB, um espaço para isso?
[ Ciro Gomes ] Eu acho que não estaremos à altura da responsabilidade que o país espera de nós neste momento se nós não fizermos isso. O que está em jogo é grave. Primeiro, institucionalizar o avanço, que depende muito da personalidade do presidente Lula. Por exemplo, enquanto o Banco Central trabalhou, nesses quatro primeiros anos, para enxugar o crédito, Lula foi na contramão, pessoalmente, para expandir o crédito – para a agricultura familiar; para aposentados e servidores públicos, para a construção civil, que vive o momento mais rico na história do Brasil. Tudo isso eu vi o presidente Lula bancando na contramão, pessoalmente. No entanto, isso é muito débil do ponto de vista estratégico, de políticas públicas. A grande tarefa é institucionalizar.
A segunda grande tarefa é projetar a estratégia de desenvolvimento do Brasil, que o presidente Lula também já deu os indícios. Nós desmoralizamos a lógica neoliberal de não planejamento. O PAC é muito mais importante porque afirma a coordenação estratégica, o planejamento, do que propriamente pelo dinheiro. É um encerramento desse equívoco grave que quase arrebenta o país. É preciso fazer disso uma estratégia geral porque não vamos superar o GAP (atraso) tecnológico sem coordenação desse tipo; não vamos ser, enquanto país, protagonistas globais, se não fizermos isso.
E a terceira tarefa é não deixar – essa é tática, mas é grave – é não deixar a coalizão anti-povo, anti-nacional, voltar. E, por uma série de questões, eles são os favoritos. Tenhamos humildade, porque a disputa pela derrota é imbecil, além de irresponsável para com o país. Temos que dar uma certa faixa de autonomia ao Lula (no processo em 2010), porque a grande tarefa hoje é garantir que o presidente seja o protagonista que, espero, e que ele precisa ser.
Comentário do blogueiro: clareza nas idéias do presidenciável Ciro Gomes. Alguns candidatos que se colocam fogem dos principais debates nacionais, mais felizmente não é esse o caso de Ciro Gomes.
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E Chaplin falou



"Chaplin morreu no dia de Natal. É um desafio simbólico à
civilização contemporânea, que se encontra profundamente ameaçada
pelo Apocalipse. A morte de Chaplin corresponde hoje à morte do
humanismo do século XX, no definitivo fracasso da civilização
ocidental. O fato de isso ter ocorrido no dia de Natal deve servir
de alerta para todos aqueles que controlam o poder atômico e para
todas as forças progressistas que lutam pela justiça social e pela
liberdade. Ele é a maior imagem estética do século XX. No século XXI
ficará apenas uma imagem do cinema: a imagem de Carlitos."


Glauber Rocha
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