MÍDIA - Seu cinicamente seletivo conceito de moralidade.

Diário do Centro do Mundo


“O implacável braço direito de Serra” e o caso de corrupção em SP

by Paulo Nogueira


Ricardo e Serra
Troque um José por outro.
Em vez de Serra, Dirceu.
Imagine agora: um homem de Dirceu – um daqueles que acompanham alguém por toda parte, de Brasília a São Paulo – ignora uma denúncia de corrupção que pode chegar a meio bilhão de reais.
São cinco Mensalões, para você ter uma ideia da magnitude da ladroeira.
Continuemos. O homem de Dirceu confirma que recebeu a denúncia. E afirma que desistiu de levar adiante qualquer investigação depois que os acusados disseram que não estavam roubando nada.
Diz que ficou surpreso ao saber que estavam sim roubando. Pausa para rir. Surpresa mesmo seria se sujeitos acusados de roubar admitissem.
Enfim.
Você faz conta do que aconteceria o José fosse Dirceu: capas sobre capas da Veja pontificando sobre o mar de lama. Reportagens histéricas do Jornal Nacional repercutindo cada ‘descoberta’ nova da Veja. Editoriais do Estadão dando lições de decência. Colunistas como Jabor, Merval e derivados disputando quem usa mais vezes a palavra corrupção.
Mas como o José é Serra não acontece nada. O homem de Serra – Mauro Ricardo – é apresentado como ‘secretário de Kassab’.
Até quando Serra vai escapar da obrigação de prestar contas em casos de corrupção como o do Metrô e, agora, o das propinas na prefeitura de São Paulo para liberar prédios?
Para saber quanto são ligados Serra e Ricardo pego uma reportagem de 2010 do Valor Econômico e reproduzo algumas palavras. O título era: “O implacável braço direito de Serra”.
Ricardo trabalhava então fazia 15 anos com Serra. E era “um nome certo para compor um eventual ministério do candidato tucano à Presidência”.
Mauro Ricardo é um dos raros elos entre Serra e Aécio. Em janeiro de 2003, então governador de Minas, Aécio pediu a Serra alguém para a presidência da Copasa, a estatal mineira de saneamento. Serra indicou Mauro Ricardo.
Mais recentemente, ele foi contratado para ser secretário das Finanças do governador baiano ACM Neto. O site Bahia Notícias, em março passado, publicou uma reportagem que trazia documentos com problemas judiciais que Ricardo vem enfrentando.
O título: “Secretário 'importado' de SP por ACM Neto já foi condenado e responde por supostos desvios”. Um dos casos listados pelo site se refere ao tempo em que Ricardo, por indicação de Serra, comandava a Suframa, Superintendência da Zona Franca de Manaus.
Disse o site Bahia Notícias:
“O Ministério Público Federal o responsabilizou pelo superfaturamento de uma obra de melhoramento e pavimentação de um trecho de 34 km da BR-319, entre o Amazonas e o Acre. Para a Procuradoria da República, a obra, que custou R$ 11,3 milhões aos cofres da União, era "superfaturada" e "desnecessária", pois a conservação da rodovia estava sob supervisão do Exército.”
Mais uma vez. Troque de José. Imagine se Mauro Ricardo fosse ligado a Dirceu, e não a Serra.
As manchetes, as colunas, as denúncias.
Mas, em vez disso, um silêncio camarada, como se nada estivesse ocorrendo.
Palmas para a mídia brasileira, aspas, e seu cinicamente seletivo conceito de moralidade.
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LEONARDO BOFF - A transfiguração na morte


O dia dos mortos, dois de novembro, é sempre  ocasião para pensarmos na morte. Trata-se de um tema existencial. Não se pode falar da morte de uma maneira exterior a nós mesmos, porque todos nós somos acompanhados por esta realidade que, segundo Freud, é a  mais difícil de ser digerida pelo aparelho psíquico humano. Especialmente nossa cultura procura afastá-la, o mais possível, do horizonte pois ela nega todo seu projeto assentado sobre a vida material e seu desfrute etsi mors non daretur, como se ela não existisse.

No entando, o sentido que damos à morte é o sentido que nós damos à vida. Se decidimos que a vida se resume entre o nascimento e a morte e esta detém a última palavra, então a morte ganha um sentido, diria, trágico, porque com ela tudo termina no pó cósmico. Mas se interpretarmos a morte como uma invenção da vida, como parte da vida, então não a morte mas a vida constitui a grande interrogação.
Em termos evolutivos, sabemos que, atingido certo grau elevado de complexidade, ela irrompe como um imperativo cósmico, no dizer do prêmio Nobel de biologia Christian de Duve que escreveu uma das mais brilhantes biografias da vida sob o título Poeira Vital  (1984). Mas ele mesmo assevera: podemos descrever as condições de seu surgimento, mas não podemos definir o que ela seja.
Na minha percepção, a vida não é nem temporal, nem material, nem espiritual. A vida é simplesmente eterna. Ela se aninha em nós e, passado certo  lapso temporal, ela segue seu curso pela eternidade afora. Nós não acabamos na morte. Transformamo-nos pela morte, pois ela representa a porta de ingresso ao mundo que não conhece a morte, onde não há o tempo mas só a eternidade.
Consintam-me testemunhar duas experiências pessoais de morte, bem diversas da visão dramática que a nossa cultura nos legou. Venho da cultura espiritual franciscana. Nos meus quase 30 anos de frade, pude vivenciar a morte como São Francisco a vivenciou.
A primeira experiência era aquela que, como frades, fazíamos toda sexta feira, às 19:30 da noite: “o exercício da boa morte”.  Deitava-se na cama com hábito e tudo.  Cada um se colocava diante de Deus e fazia um balanço de toda a sua vida, regredindo até onde a memória pudsse alcançar. Colocávamos tudo, à luz de Deus e aí, tranqüilamente, refletíamos sobre o porquê da vida e o porquê dos zigue-sagues deste mundo. No final, alguém recitava em voz alta no corredor o famoso salmo 50 do Miserere no qual o rei Davi suplicava o perdão a Deus de seus pecados. E também se proclamavam as consoladoras palavras da epístola de São João:“Se o teu coração te acusa,  saiba que Deus é maior do que o teu coração”.
Éramos, assim, educados para uma entrega total, um encontro face a face com a morte diante de Deus. Era um entregar-se confiante, como quem se sabe na palma da mão de Deus. Depois, íamos alegremente para a recreação, tomar algum refresco, jogar xadres ou simplesmente conversar. Esse exercício  tinha como efeito um sentimento de grande libertação. A morte era vista como a irmã que nos abria a porta para a Casa do Pai.
A outra experiência diz respeito ao dia da morte e do sepultamento de algum confrade. Quando morria alguém, fazia-se festa no convento, com recreação à noite com comes e bebes. O mesmo ocorria depois de seu sepultamento. Todos se reuniam e celebravam a passagem, a páscoa e o natal, o vere dies natalis (o verdadeiro dia do nascimento) do falecido. Pensava-se: ele na vida foi, aos poucos, nascendo e nascendo até acabar de nascer em Deus. Por isso havia festa no céu e na terra. Esse rito é sagrado  e celebrado  em todos os conventos franciscanos.
O frade que deixou esse mundo, entrava na comunhão dos santos, está vivo, não é um ausente, apenas um invisível. Há celebração  mais digna da morte do que esta inventada por São Francisco de Assis que chamava a todos os seres de irmãos e irmãs e também a morte de irmã?
A percepção da morte é outra. As pessoas são induzidas a conviver com a morte, não como uma bruxa que vem e arrebata a vida, mas como a irmã que vem abrir a porta para um nível mais alto de vida em Deus.
Cada cultura tem a sua interpretação da morte. Estive há tempos entre os Mapuches, no sul da Patagônia argentina, falando com os lomkos, os sábios da tribo. Eles têm bem outra compreensão da morte. A morte significa passar para o outro lado, para o lado onde estão os anciãos. Não é abandonar a vida, é deixar seu lado visível para entrar no lado invisível e conviver com os anciãos. De lá acompanham as famílias, os entes queridos e outros próximos, iluminando-os. A morte não tem nenhuma dramaticidade. Ela pertence à vida, é o seu outro lado.

Poderíamos passar por várias outras culturas para conhecer-lhes o sentido da vida e da morte. Mas fiquemos no nosso tempo moderno. Há um filósofo que trabalhou positivamente o tema da  morte: Martin Heidegger. Em sua analítica existencial afirma que a condição humana, em grau zero, é a de que somos um ser no mundo, este não como lugar geográfico, mas como o conjunto das relações que nos permitem produzir e reproduzir a vida.
condition humaine é estar no mundo com os outros, cheios de cuidados e abertos para a morte. A morte é vista não como uma tragédia e sim como a derradeira expressão da liberdade humana, enquanto o último ato de entrega. Essa entrega sem resto abre a possibilidade para um   mergulho total na realidade e no Ser. É uma espécie de volta ao seio de onde viemos como entes mas que buscam o Ser. E finalmente, ao morrer, somos acolhidos pelo Ser. E aí já não falamos porque não precisamos mais de palavras. É o puro viver pela alegria de viver e de ser no Ser.
Para o homem religioso, este Ser não é outro senão o Supremo Ser, o Deus vivo que nós dá a plenitude da vida.
Leonardo Boff escreveu Vida para além da morte, Vozes 2012.
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MÚSICA - “Sois rei”: como Roberto Carlos deixou vendidos os colegas do ‘Procure Saber’

Diário do Centro do Mundo


by Kiko Nogueira
Chico, Sérgio Ricardo, Gil, Roberto, Caetano
Chico, Sérgio Ricardo, Gil, Roberto, Caetano

Roberto Carlos deu um chapéu em sua turma do Procure Saber. No início de outubro, Caetano Veloso, o mais vocal do grupo de artistas, havia escrito em sua coluna no Globo que “a atitude de Roberto foi útil para nos trazer até aqui”. Deixava clara a ascendência de RC sobre os demais.
Todos se manifestaram. Faltava justamente ele. Até que Roberto apareceu no “Fantástico” falando que era a favor das biografias não-autorizadas -- desde que houvesse “ajustes” e “conversas”. O PS rachou.  No artigo de hoje, Caetano diz o seguinte: “E RC só apareceu agora, quando da mudança de tom. Apanhamos muito da mídia e das redes, ele vem de Rei. É o normal da nossa vida”.
Roberto ainda gravou um vídeo com Erasmo e Gilberto Gil, afirmando que tem o dever de buscar seus direito. Mas: “Sem censura prévia. Sem a necessidade de que se autorize por escrito quem quer falar de quem quer que seja.” Paula Lavigne foi afastada do papel de porta-voz e o advogado de Roberto, Kakay, assumiu o comando.
Roberto é autor o mito fundador do Procure Saber. Sua censura à biografia escrita por Paulo César de Araújo em 2007 é um clássico. É ele a grande referência, é ele quem dá o tom. O que todas as idas e vindas do Procure Saber revelaram, entre outras coisas, é que nunca se ouviu falar de entidade tão desencontrada. Além disso, ficou patente, indiscutível, o poder de Roberto sobre seus colegas de geração.
O que talvez pudesse ser visto como algo questionável -- seu controle doentio sobre sua imagem, a falta de transparência nas entrevistas e declarações, a paranóia -- era um modelo. Uma coisa é se espelhar numa carreira de sucesso e procurar aprender com isso. Outra é seguir alguém como se ele fosse um rei, inquestionável e infalível. E quando o rei muda de opinião?
Em homenagem ao Procure Saber, eis um papo entre RC, Chico e Geraldo André em 1966, publicado na revista Manchete. Está no livro Roberto Carlos Em Detalhes (que você pode baixar aqui).
Assim que chegou ao encontro, Roberto Carlos foi logo afirmando que o negócio dele não era falar e sim cantar, mas se dispôs a responder a todas as perguntas dos dois colegas. Chico Buarque abriu a conversa perguntando a Roberto Carlos se ele ia mesmo escolher umrepertório de música brasileira para gravar. "Bem, eu preciso pensar muito antes de fazer um repertório nacional", respondeu o cantor. "Por que pensar muito?", retrucou Vandré, fiel à sua ideia de que quem sabe faz a hora, não espera acontecer. "Sabe o que é?", ponderou Roberto Carlos. "Acho que preciso ter muito cuidado, por já estar num género e de repente começar em outro. Não sei se teria de começar tudo de novo ou pegar a coisa pela metade. Seria assim um..." Antes de ele achar a palavra, Chico Buarque completou: "Um jogo?". "É. Um jogo", confirmou Roberto. "E você não gosta de jogar?", perguntou Chico. "Gosto", respondeu Roberto. 
Vandré, Roberto e Chico
Vandré, Roberto e Chico
"Então, por que não entra no nosso jogo?", provocou Vandré. "Estou na dúvida", confessou o cantor. "Você não acha que o grande prestígio que tem, sua grande popularidade, colocado a serviço da música popular brasileira, traria um grande benefício para ela?", insistiu Vandré. "Me alegra muito ouvir isso, principalmente partindo de você, Vandré. Mas fazer música, para mim, embora viva disso, não é um negócio. A música é a música. Ela não deve ser feita para servir a outros interesses. Ao menos a minha, eu só faço quando tenho vontade e do jeito que tenho vontade."
Aqui Roberto Carlos procurou marcar uma grande diferença de visão a respeito da música popular. Mas Vandré não aceitou a ideia de música pela música e questionou se Roberto não estaria ganhando dinheiro demais com a profissão. "Não posso me queixar. Mas não componho para faturar. Se faturo, é outro problema", respondeu o cantor. "De qualquer forma, deve ser bom faturar como você", provocou Chico Buarque. Roberto não se intimidou e partiu para o ataque lembrando o alto valor de cachê que Chico estava cobrando para se apresentar.
"Não é bom faturar, Chico Buarque?", devolveu Roberto. "Bom, lá isso é. Mas, não é essencial. Ou, ao menos, não é a única coisa importante para quem faz música", respondeu o autor de A banda. "E você, Vandré, o que diz quanto a faturar?", insistiu Roberto Carlos. "Com música, recebi pouco até agora", defendeu-se o autor de Disparada. "Mas seu nível de vida não é dos piores", questionou Roberto. "Tenho outra profissão. E minha vida não é fácil", defende-se Vandré. "Que profissão?", quis saber Roberto. "Fiscal da Sunab", respondeu Vandré.
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Réquiem




Wolfgang Amadeus Mozart -  Réquiem em D menor (K.626)
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Vendeu-se à mídia...


O procurador que apostou na blindagem errada

Por Luis Nassif*
A enrascada em que se meteu o procurador da República Rodrigo De Grandis se deve à sua aposta na blindagem errada: julgou que o PSDB fosse um todo homogêneo e não se deu conta de que a blindagem da mídia beneficiava exclusivamente o grupo ligado ao ex-governador José Serra.
A primeira prova de fogo de De Grandis foi a Operação Satiagraha. Nela, os principais atores - juiz Fausto De Sanctis e delegado Protógenes Queiroz - foram alvos de uma campanha implacável – da mídia, como um todo, reforçada pelo Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes.
De Sanctis e Protógenes mostraram estrutura psicológica para resistir ao massacre a que foram submetidos. De Grandis encolheu-se, assustou-se.
Quando a Satiagraha recrudesceu,  seus parceiros apontavam para seu pouco entusiasmo, o desagrado de ser interrompido em alguma festa para tomar alguma medida urgente, a demora em responder a algumas questões, nada que o comprometesse mas que já demonstrava seu desconforto de enfrentar empreitada tão trabalhosa - que, para procuradores mais vocacionados, poderia ser o desafio da vida.
Definitivamente, De Grandis não tinha a estrutura psicológica e a vocação dos que se consagraram no combate ao crime organizado, como os procuradores Vladimir Aras, Raquel Branquinho, Luiz Francisco, Celso Três, Janice Ascari e Ana Lúcia Amaral - firmes e determinados, alguns até o exagero, como várias vezes critiquei.
O convite inacreditável a Mainardi
Na primeira vez que foi alvo de ataques, De Grandis arriou.
Ocorreu quando o colunista de Veja Diogo Mainardi avançou além da prudência e anunciou que entregaria pessoalmente ao juiz da Operação Chacal (na qual Dantas era acusado de grampear adversários e jornalistas) o relatório da Itália sobre as escutas da Telecom Italia. (...)
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(Edição final deste blog)
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