O Prêmio Nobel de Obama e a Encruzilhada Norte-Americana no Iraque e na Ásia Central.

De maneira até certo ponto surpreendente, o presidente dos EUA, Barack Obama, foi o escolhido para receber o Prêmio Nobel da Paz de 2009. Tal premiação deve ser entendida muito mais como um estímulo à ocorrência de transformações concretas na política externa norte-americana – e também como um respaldo das forças progressistas do mundo a um presidente que, eleito com um discurso de mudança, tem enfrentado uma séria oposição interna por parte dos setores mais conservadores de seu país -, do que como o reconhecimento dos resultados de ações práticas do governo estadunidense. De modo geral, em seus aspectos mais significativos, os movimentos de política externa da potência hegemônica ainda não sofreram alterações significativas com o novo governo. É lógico que hoje – como geralmente ocorre em governos democratas – os EUA tem dado uma ênfase maior ao multilateralismo e ao fortalecimento das organizações internacionais, além de assumirem compromissos com o restante do mundo em relação à questões como meio-ambiente, direitos humanos e desarmamento. Porém uma das questões centrais da agenda internacional permanece quase que no mesmo patamar da Era Bush: a política norte-americana para o Oriente Médio e para a Ásia Central. Nestas regiões, além da manutenção do apoio irrestrito ao Estado de Israel, os EUA afundam cada vez mais nos atoleiros do Iraque – de onde não conseguem sair (apesar das declaradas intenções de Obama de que isto ocorra em breve) devido à fragilidade das instituições do “reconstruído” Estado iraquiano – e do Afeganistão, local em que a milícia talibã mantém-se bastante forte – e por conta disto, o novo governo norte-americano aumentou o efetivo das forças militares que ocupam o país – e onde trava-se um, ainda, discreto jogo geopolítico entre EUA e Rússia envolvendo o acesso aos recursos energéticos na Ásia Central. Neste sentido, algumas questões que levantei em um paper apresentado em um evento acadêmico em 2005 – ainda no início do segundo mandato de George W. Bush – permanecem bastante atuais. Reproduzo abaixo alguns trechos desse trabalho:

(...) ao pensarmos o mundo neste início de século XXI, temos de levar em consideração que estamos vivendo na ordem mundial que se ergueu sobre os escombros da Guerra Fria, e que esta ordem é baseada na hegemonia de uma superpotência – os EUA – que impõe as suas políticas, os seus valores e a sua visão de mundo às demais nações do Globo. Portanto, o decantado processo de Globalização, na verdade, deveria ser chamado de “Americanização”. Do "soft power" da Era Clinton ao intervencionismo expresso pela Doutrina Bush, o que temos assistido são os movimentos de uma potência imperial procurando fazer valer os seus interesses, a partir da “crença de que o mundo pode se tornar seguro com uma Pax Americana na qual a hegemonia global dos Estados Unidos se estabeleça num futuro previsível”.¹

(...) é importante assinalar que, paradoxalmente, foram o fenômeno da globalização e o desenvolvimento tecnológico que possibilitaram o surgimento de organizações como a Al-Qaeda, bem como a “democratização” do uso de armas de destruição em massa. Tais fatos contribuíram para que “mesmo os mais estáveis e eficazes Estados” perdessem “o monopólio da força coerciva, entre outras razões devido à chegada de inúmeros instrumentos de destruição novos, pequenos e portáteis e da extrema vulnerabilidade da vida moderna às perturbações repentinas, por pequenas que sejam”.² Este processo também foi facilitado pela pressão exercida pelos EUA e seus aliados ocidentais sobre a URSS, no momento de sua desintegração (dentro da lógica triunfalista do fim da Guerra Fria), que fez com que, naquele momento de crise, muitos segredos tecnológicos chegassem às mãos de organizações não-estatais.

Em segundo lugar, deve se ressaltar o apoio sistemático dos EUA ao Estado de Israel, baluarte do ocidente no Oriente Médio, e ator principal de um dos principais focos de tensão do mundo contemporâneo, os conflitos árabe-israelenses. Este apoio, agravado pelas péssimas condições de vida do povo palestino e pelos inúmeros acordos políticos feitos pelos norte-americanos com setores considerados “confiáveis” do mundo árabe, fazem com que a região torne-se um terreno fértil para o surgimento e a proliferação de grupos fundamentalistas islâmicos que difundem o ódio a tudo que os EUA representam. Não se pode esquecer que o mais famoso desses grupos, a Al-Qaeda, fez de um objetivo político de caráter local – a derrubada da dinastia dos Saud e o controle dos lugares sagrados do islã – uma luta de caráter global.

Finalmente, não se deve esquecer o já assinalado aprofundamento do abismo existente entre ricos e pobres que veio no bojo da nova ordem mundial. Nos últimos 30 anos, a movimentação financeira passou de U$ 70 milhões/dia para U$ 1,5 trilhões/dia, capitais esses que acabam convergindo para os países centrais do sistema, em particular, para a grande potência hegemônica (...)

Por tudo isto, a concretização da Pax Americana, triunfalmente anunciada no início da década de 1990, parece estar bastante distante e a grande potência do norte enfrenta diversos obstáculos para consolidar sua hegemonia imperial. Neste momento, o mundo parece ser um lugar muito mais inseguro para se viver, do que há duas décadas atrás e a crença central da modernidade – a de que razão, o progresso e o conhecimento científico trariam a emancipação da humanidade – está cada vez mais esmaecida (...)

Referências Bibliográficas:

¹ GRAY, John. Al-Qaeda e o que significa ser moderno. Editora Record, Rio de Janeiro/São Paulo, 2004.
² HOBSBAWM, Eric. “A Falência da Democracia”. In: Caderno Mais – Folha de São Paulo, 9/9/2001.
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Caderno de esboço

Maria Terezinha
(carnaval de Florianópolis/SC)
Aquarela
Inédito
2001
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Caricatura

Mario Quintana
Grafite
Inédito
2007
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Cartum

Imagem e semelhança
Bico de pena (nanquim)
Inédito
2009
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Tempo de trapaça


"Nas demais sociedades civilizadas vale o princípio pelo qual

é permitido tudo o que não é expressamente proibido em lei.

No Brasil é proibido tudo o que não é expressamente permitido"

Todo cidadão que acompanha, mesmo de longe, o noticiário político seria capaz de jurar que há uma campanha eleitoral em andamento no Brasil e que diversas pessoas querem suceder ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2010. Há a ministra Dilma Rousseff e o deputado Ciro Gomes, do lado do governo, o governador José Serra, pela oposição, e outros mais. Ao mesmo tempo, o público é informado diariamente de que não há nenhuma campanha eleitoral e nenhum candidato à Presidência. Os comícios não são comícios. A propaganda não é propaganda. Os candidatos não são candidatos. O que é isso tudo, então? É exatamente o que parece, mas o governo e a oposição não podem dizer que é. Podem fazer tudo. Mas não podem falar; aí já seria contra a lei, que, na sua ambiciosa lista de regras destinadas a regular tudo, marca o dia 6 de julho do ano que vem para o começo das campanhas. Como se sabe, temos leis eleitorais rigorosíssimas neste país, possivelmente as mais severas do mundo. Enquanto nas demais sociedades civilizadas vale o princípio pelo qual é permitido tudo o que não é expressamente proibido em lei, no Brasil dos tribunais eleitorais a coisa funciona ao contrário: é proibido tudo o que não é expressamente permitido. É uma surpresa, no fundo, que alguém consiga ser eleito com tanta proibição assim – e a saída para os políticos, inevitavelmente, é trapacear. É o que está acontecendo no momento.

É ruim, porque a campanha eleitoral de 2010, como tantas que vieram antes dela, começa em cima de uma falsificação por atacado da verdade. O presidente Lula, por exemplo, viaja sem parar pelo Brasil fazendo comícios e pedindo votos para quem for o candidato do governo – e ameaçando o país com a ruína se o eleitorado cometer a estupidez de preferir um outro nome. Mas ele diz que está "inspecionando obras". (Já da inspeção que a lei manda fazer, a dos tribunais de contas, o presidente vive reclamando.) E os comícios, com ônibus fretado, despesa paga pelo Erário e sorteio de casas entre a plateia? "Qualquer reunião com mais de três pessoas já é comício", diz Lula. Ou seja: o que é que se vai fazer? Afinal, o presidente da República não pode ficar trancado em casa. Se acham que é comício quando ele discursa em lugares onde há gente reunida, paciência. Quanto aos votos que pede para a ministra Dilma, nenhum problema. O presidente diz que está apenas elogiando uma grande servidora do governo – e apenas dando a opinião de que ela seria um colosso como sua sucessora. Que mal haveria nisso?

A ministra Dilma, por sua vez, faz rigorosamente tudo o que os coordenadores de campanha prescrevem para um candidato. Há tempos deixou de comparecer com regularidade ao seu local de trabalho e passou a correr de um lado para outro atrás de votos, seja em shows de música popular com o cantor Dominguinhos, seja em "fiscalização de obras" nas margens do Rio São Francisco; há pouco foi vista inaugurando um estádio de futebol em Araraquara. O que isso tudo teria a ver com as funções que é paga para exercer na Casa Civil? Do lado da oposição, a peça de teatro é estrelada pelo governador José Serra, que quer a Presidência tanto quanto qualquer um dos seus adversários, mas diz que só vai tocar no assunto no ano que vem. Serra não pode fazer campanha aberta como Lula faz; tem de se contentar com os limites impostos pelo seu cargo. Carrega a mão, por exemplo, na propaganda oficial; a última, no gênero, é a decisão da Assembleia Legislativa que autoriza o governo a fazer publicidade de suas obras em outros estados, para "promover o turismo" em São Paulo.

Registre-se, enfim, a notável contribuição do deputado Ciro Gomes, que recentemente passou a ter seu domicílio eleitoral em São Paulo, para manter aberta a possibilidade de candidatar-se ao governo paulista. Mas o deputado não mora em São Paulo; só a Justiça Eleitoral acredita nisso. Tudo o que fez foi passar quatro horas na cidade, no começo de outubro, apresentar um endereço de fantasia e assinar um papel num cartório garantindo que reside ali. Um cidadão "comum", como diria o presidente Lula, não pode ter um domicílio falso; aliás, vive tendo de provar onde mora com contas de luz, correspondência de bancos ou carnês de crediário, e se der um endereço que não é realmente o seu vai, com certeza, arrumar complicação. Já para ser candidato a presidente da República ou governador do estado não há problema nenhum.

Não se sabe, é claro, quem vai ganhar as eleições de 2010. Mas a verdade, desde já, está levando uma surra.

JR GUZZO
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