Mito alimenta debate da reforma política

Da Coluna de Maria Inês Nassif, do Valor Econômico
Existem alguns mitos sobre a política partidária brasileira que devem ser derrubados para que o debate sobre a reforma política seja feito dentro de parâmetros de racionalidade. O maior mito talvez seja o da falta de representatividade dos partidos. Se essa foi a realidade no período pós-redemocratização, quando apenas um partido, o PT, despontava com conteúdo de classe e maior organicidade, não se pode estendê-la para a realidade de hoje. A partir de 1994, quando o quadro partidário tendeu à polarização entre a coligação PSDB-PFL, de um lado, e o PT, do lado oposto, essas agremiações passaram a atrair, de forma crescente, apoios de parcelas definidas da opinião pública que não apenas se identificam com elas, mas influenciam-nas. Aliás, uma relação orgânica de um partido com os setores sociais que representa nunca é de mão única: uma ideologia não é formulada unilateralmente, mas é a síntese de formulações de vários agentes políticos que interagem num dado momento histórico. Uma vitória eleitoral é produto do convencimento da maioria de eleitores de que uma síntese de formulações é a mais "racional", a mais conveniente ou a mais importante no momento.
A partir de 1994, quando o PSDB passou a ser uma alternativa efetiva de poder, ele foi levado por um movimento constante de polarização com o PT, partido mais identificado com setores de esquerda. O partido de Fernando Henrique Cardoso foi ocupando gradativamente o centro ideológico e nas eleições de 2002, com a radicalização do debate político, incorporou a representação de setores mais à direita, enquanto o PT conseguia o apoio de parcelas do eleitorado de centro para se viabilizar como alternativa de poder. Desde então, PFL, hoje DEM, e PSDB disputam o eleitorado conservador, ou se aliam para conquistá-lo, mas ambos mantêm uma forte identidade política com esse eleitor. Da mesma forma, ao fazer a opção por integrar a oposição de forma subordinada a esses dois partidos, o PPS não conseguiu se separar politicamente deles. Os partidos de oposição, na verdade, passaram a se acotovelar em um espaço ideológico limitado, no lado extremo ao do PT, reforçando uma polarização que não necessariamente sobreviveria se não tivesse sido alimentada ao longo do tempo. Ainda assim, seja qual for o número de partidos que se sobrepõem nesse espaço político, eles têm representado de forma eficiente o pensamento de parcelas de eleitorado. Existe um trânsito efetivo do pensamento de setores da sociedade nesse segmento partidário, e vice-versa.
Do outro lado, se o PT agregou, ao longo da sua existência, o pensamento "pequeno-burguês", a polarização com o bloco partidário de oposição faz dele, preferencialmente, o depositário de grupos ideológicos mais à esquerda. Embora o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não tenha rasgado dinheiro - muito pelo contrário, no primeiro mandato compôs com o capital financeiro que ameaçou o país no processo eleitoral que o levou ao poder -, no segundo mandato, com a radicalização da oposição, passou novamente a transitar os interesses de setores à esquerda que ameaçaram desertar na época dos escândalos do mensalão e a se configurar como a alternativa de poder "menos pior" que a do bloco oposicionista.
No final das contas, um discurso extremamente conservador e a coincidência de interesses de partidos que tiveram origens distintas, como o DEM, o PSDB e o PPS, acabaram, do outro lado, forçando também uma maior identidade dos setores de esquerda, que hoje integram formalmente o PT ou os partidos de esquerda a ele aliados, ou simplesmente apoiam o bloco governista. Os partidos que tentaram fazer uma oposição à esquerda não conseguiram sensibilizar setores que, embora descontentes, não saíram da área de influência do PT, quer porque essas legendas não se configuraram como alternativas viáveis de poder, quer porque foram engolidas pela onda de radicalização que trouxe o PT de volta à posição de partido que polariza com um candidato e/ou partido que representa setores conservadores. De alguma forma, o modelo de oposição feito pelo bloco PSDB/DEM/PPS tem anulado a possibilidade de uma oposição à esquerda.
A acomodação ideológica dos partidos em disputa não é fruto do acaso. Todo movimento político é dado pela prática. A ideologia configura uma opção de poder. Os partidos, quer de oposição, quer de situação, fizeram escolhas, e essas escolhas resultaram numa polarização do quadro partidário. Essa divisão política entre dois pólos, na prática, tem neutralizado os efeitos da excessiva pulverização do quadro partidário, porque os blocos têm bastante identidade e funcionam como um grande partido político. Se mais de uma legenda representa um setor da sociedade, isso não quer dizer que as legendas-irmãs não tenham conteúdo ideológico ou não organicidade - quer dizer simplesmente que esses setores são representados por mais de uma legenda.
Escapam dessa lógica o PMDB e os pequenos partidos de direita, que são forças políticas inorgânicas, porém capazes de dar estabilidade a governos, independente da posição política de cada um deles. Ainda assim, não se pode ignorar a função ideológica que, dentro deles, exercem os blocos suprapartidários - a bancada ruralista, por exemplo, tem uma atuação mais consistente que a de qualquer partido político, é capaz de negociar dentro do governo e no bloco oposicionista para fazer valer os interesses de classe e tem enorme poder de barganha.
O outro mito prestes a ser desmistificado é o despolitização do eleitor brasileiro. A polarização teve também o efeito de incentivar a identificação do cidadão com o partido que melhor o representa, mesmo que isso inicialmente ocorra no sentido da negação, isto é, o indivíduo passa a apontar a sua preferência partidária por oposição a alguma das forças políticas em conflito. Isto é: apoia o PSDB pelo fato de este se contrapor ao PT, ou o PT por ser antitucano.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
E-mail maria.inesnassif@valor.com.br
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Não tenho saudades


Tenho ainda vivo na memória os derradeiros momentos da finada ditadura militar, eles me lembram do cheiro de um velho mimeógrafo. Sou de uma geração que varava madrugadas para distribuir no dia seguinte pequenos panfletos, os “posts” da época, onde imaginava ali contribuir para uma revolução, no mínimo. Na pior das hipóteses, botar pijamas nos velhos generais. Ganhou esta. Mesmo assim, comemorei “pacas”, como dizia à época. Talvez por imaginar que alguns daqueles poucos panfletos que consegui rodar, naquela velha maquineta de grêmio estudantil, que teimava em rasgar o estêncil, tinham feito seu estrago, tal como desejava.

Sempre lembro disso quando converso com novas gerações, que já cresceram com computadores, alguns já com a internet. Era uma tarefa tosca, demorada. Para se ter uma idéia, fechar o texto com várias nervosas cabeças juvenis, com infinitas questões de ordem, era o mais rápido. Produzir, um sufoco. Cada erro de digitação na matriz tinha toda uma delongada técnica artesanal para a correção. Apenas valia pela farra noturna, sustentada por fortes bebidas baratas, que motivavam alguns erros pavorosos nos textos e na diagramação.

Missão cumprida. Não veio a revolução socialista, tal qual eu lutava, mas a digital. Paciência, e viva! Ficou muito fácil a tarefa de distribuir aquelas poucas centenas de caracteres. E ainda com figurinhas coloridas! Maravilha! E muito mais. O público agora é planetário, se interessar. Antes, algo restrito, escondido, com o temor constante de sermos apanhados pela vigilante repressão política.

Pois, sobre esta conquista há ameaças pairando. A informação sempre foi revolucionária. E a liberdade de expressão é um permanente incômodo para o poder econômico e seus variados gerentes. Neste momento, querem mudanças na lei para neutralizar o que alcançamos. Usam de pretextos para justificar propostas de controle. O objetivo é claro, inibir o cidadão de expressar seu pensamento. Querem que a informação apenas circule com o aval do cartel da mídia, que tem em seu DNA a ideologia de quem detêm o poder, e que agora pode trabalhar sem nenhuma lei que regulamente sua atividade. Artigos, parágrafos, alíneas, incisos, apenas para o cidadão que deseja opinar. Querem a volta dos mesmos temores, agora sob a vigília do judiciário.

Mesmo sem nova lei, já temos hoje uma boa amostra do que desejam no futuro: o site VG Notícias, de Várzea Grande, MT, que fica a menos de 200km de Diamantino, cidade do presidente do STF, Gilmar Mendes e seus capangas, está proibido de publicar noticias sobre o prefeito licenciado da cidade, Murilo Domingos. A decisão é do juiz titular da segunda Vara Cível do município, Marcos José Martins de Siqueira, que não levou em conta a defesa da jornalista responsável pelo site, Edina Araújo, que afirmou que todas as matérias publicadas pelo site são baseadas em documentos públicos e podem ser comprovadas. A decisão do juiz é um primor de incoerência e prepotência. diz:
“É bem verdade que a postura de impedir a veiculação de matéria jornalística, via de regra, implica ofensa ao Direito Constitucional da Informação. Contudo, quando a notícia apresenta potencial prejuízo à imagem, deve, excepcionalmente, subordinar-se aos necessários ajustes, sem que isso implique desrespeito à Constituição Federal”

Como assim? O prejuízo da imagem é ofensa que justifica “excepcionalmente” desrespeito ao direito à livre expressão, garantido pela maior lei, a Constituição? Como ficaria, então, a recente denúncia de Diogo Mainardi contra Victor Martins, diretor da ANP, que não foi comprovada? O tempo todo ele sustentou, com empáfia, que era mesmo uma tentativa de atingir o ministro Franklin Martins, irmão de Victor. Que juiz impediria as próximas colunas do fasciscolunista da Veja, baseado no mesmo princípio de prejuízo da imagem?

Amigos, é briga, e das boas. Em meus não tão bons tempos eu diria que é mais um capítulo da tal luta de classes. Nesta quinta-feira tem ato na Assembléia Legislativa de São Paulo contra o AI-5 Digital, o projeto do senador Azeredo. Não vamos permitir que acabem com nossa conquista. Não quero voltar para o meu velho mimeógrafo.
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O projeto Serra 2010 e a denúncia da Veja contra Yeda Cruisius

Por bom tempo a revista Veja protegeu a governadora do Rio Grande do Sul. Mesmo com as evidências do seu desastroso desgoverno, na edição 2092, de 24 de dezembro de 2008, a Veja produziu matéria elogiando a governadora. Sob o título “A casa está em ordem”, a revista ignora as denúncias e elogia a administração Yeda. Naquela época, o país todo já sabia das graves denúncias contra Yeda. O vice-governador, Paulo Feijó (DEM) mostrou ao país gravações contendo desvios para financiar deputados aliados, bem como desvios no DETRAN (44 milhões) e BANRISUL. Mas isso não incomodava a Veja, que seguia na defesa da governadora. O que mudou de lá para cá?
A verdade é que Yeda é um governo que já foi liquidado politicamente. As pesquisas para 2010 mostram o ministro Tarso Genro (PT) na frente, seguido do peemedebista José Fogaça, prefeito de Porto Alegre. Não adiantava insistir na tecla, Yeda não se salvava. A revista mudou de tática, mas não mudou de lado. Produziu uma matéria leve, pela gravidade das denúncias, mas suficiente para enterrar de vez o governo Yeda. Assim, a revista volta a posar de independência, mas é jogada política para eleger Serra 2010. Não tenham dúvida que o projeto de Serra continua de pé.
Yeda era empecilho para o PSDB no Estado, pois pretendia disputar reeleição. Serra teria que dividir o palanque ao lado de uma governadora manca, que mostrou ao Rio Grande do Sul o estilo tucano de governar: corrupção, privatismo e baixo investimento social. E pelo visto, não é um estilo aprovado pela população. Não é por acaso que as lideranças nacionais do PSDB logo trataram de abandonar Yeda, deixando-a sozinha na difícil tarefa de se defender. Ninguém quer colar sua imagem nela. Serra que o diga.
Assim, a Veja liquida a governadora e dá espaço para as articulações do PSDB nacional em torno da candidatura de José Fogaça (PMDB). Em vez de uma candidata impopular, Serra passa a ter um forte candidato no palanque estadual. Fogaça talvez seja o único que pode unir grande parte da classe política do Rio Grande do Sul contra o PT, de Tarso Genro. É a candidatura anti-PT, pois eles hoje estão todos no governo Yeda, mas a roupagem muda. Serra fortalece no Estado. É uma ironia que o partido precise sacrificar sua única governadora para fortalecer seu candidato presidencial no Estado. A revista Veja faz o serviço sujo ao grão-tucanato.

Nota 1: Enquanto o PT bate-cabeça, o PSDB já articula com Fogaça. O PT nacional dá sinais de que entregaria de bandeja o governo gaúcho para o PMDB, em troca de apoio à candidatura Dilma. Serra, nesse caso, ficaria enfraquecido no Rio Grande do Sul. Mas o que parece é que o PMDB não quer o PT, prefere o PSDB de Yeda. Afinal, precisaria dividir mais o poder. Desde já o PT deveria colar Yeda no PMDB, desgastando o principal partido de sustentação do seu governo, mas essa atitude poderia atrapalhar o plano de aliança nacional com o partido. Desse jeito, o PMDB se fortalece, aproveitando-se das fraquezas do PT e PSDB.

Nota 2: Para o cidadão comum fica difícil explicar porque se mantém no cargo a governadora gaúcha, com tantas denúncias de desvios para campanha eleitoral, além de desvios com outras finalidades, enquanto cassa o governador do Maranhão com provas testemunhais e suposto abuso de poder contra a candidata filha de Sarney.

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Operação abafa



Falando em "apicultura" a Abelhinha publicou uma nota afirmando que os e-mails divulgados pelo PSOL tinham como destinatário o vice Paulo Feijó. Afirmou categoricamente. E sem apresentar provas! Denuncismo! O Rio Grande não merece isso!
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"Era só mais um Silva...": uma história, uma canção.

Desde muito tempo, tenho o hábito de escrever textos mais livres e curtos, sem as naturais limitações e amarras presentes em meus artigos e textos acadêmicos: são reflexões, reminescências ou mesmo desabafos que hoje em dia publico no "Abobrinhas Psicodélicas". Porém, antes de criar o blog, eu costumava enviar esses textos descompromissados para alguns amigos, via e-mail, com o objetivo explícito de compartilhar minhas idiossincrasias e, é claro, de receber das pessoas que gosto e admiro suas impressões a respeito delas. Alguns desses "textículos" (ops!) provocaram longas, calorosas e, na maioria das vezes, divertidas discussões na minha lista de e-mails. Ontem, remexendo em algumas mensagens antigas de correio eletrônico, acabei encontrando um deles, escrito em dezembro de 2007, e que, por me trazer boas lembranças, decidi "ressuscitar" e publicar aqui.



Em uma madrugada de um ano indefinido na primeira metade da década de 1990, voltava eu, já meio de porre, de uma noitada em um boteco suburbano que não existe mais (percebemos que estamos ficando velhos, no momento em que começamos a contar o número de bares nos quais bebemos um dia e que já fecharam!), quando, depois de um bom tempo de espera no ponto de ônibus, apareceu um “piratão” caindo aos pedaços, com o som a toda altura, tocando um funk daqueles. Apesar do sacrifício que isto representava para um roqueiro jurássico como eu, embarquei ao som do “pancadão” e procurei abstrair. Não sei se a música que estava tocando trazia alguma lembrança especial ao motorista, mas o fato é que a dita cuja foi repetida, pelo menos, mais umas três vezes ao longo da minha mui "agradável" viagem. Assim, meio que forçadamente, comecei a prestar atenção na letra e imediatamente aquele “refrão-chiclete” ficou grudado nos meus ouvidos: “Era só mais um Silva/que a estrela não brilha/ele era funkeiro/mas era pai de família”. Então, comecei a reparar em alguns detalhes e notei que ela tinha um quê de crônica urbana, no estilo de alguns velhos sambas, e ao descer do ônibus já a estava achando bem interessante. Depois disto, ainda ouvi o tal funk algumas vezes, mas sempre de passagem e de forma fragmentada (em alguma banca de camelô na Uruguaiana, no som de um carro que passava na Rua ou em algum rádio perdido nas vizinhanças). Agora, depois de tantos anos, voltei a ouví-lo, do início ao fim, no CD das Chicas e confirmei a minha primeira impressão: de fato, a letra é muito boa e se situa, com certeza, entre as melhores coisas produzidas pelo Funk carioca. A gravação das Chicas está muito legal, incorporando ao balanço do gênero, uma levada mais pop e um arranjo de primeira linha que utiliza instrumentos aparentemente díspares - e estranhos ao universo funk - como Viola, Violoncelo, Caxixi, Zabumba e Timbal, além de ter, é claro, o belo vocal das meninas que realça e valoriza a ótima letra.



Ouça as "Chicas" cantando o "Rap do Silva":



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