Todos partidos para o castelo de areia

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico
02/04/2009

Então, ficamos combinados: quando uma operação policial pegar um partido com a boca na botija, fazendo caixa dois com dinheiro de empreiteira, o responsável pela investigação deve acessar o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e copiar e colar (ctrl C, ctrl V) o nome de todos os partidos registrados oficialmente.

Segundo os líderes dos partidos de oposição que foram citados na Operação Castelo de Areia - uma investigação originalmente motivada por denúncias de que a empreiteira Camargo Corrêa teria cometido supostos crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal - é pouco elegante denunciar como implicados na Operação apenas aqueles contra os quais foram levantadas provas. Não acusar o PT, o PV e o PTB é prova do partidarismo da Polícia Federal, que teria sido governista, segundo seus detratores, mesmo apontando igualmente, como beneficiários de supostas doações ilegais que teriam sido feitas pela construtora, os partidos governistas PP, PSB, PDT e PMDB.

A regra não conta, todavia, quando o PT e seus aliados são o centro da investigação. No escândalo do “mensalão”, o caso levado de forma mais discreta foi o do caixa dois da campanha do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que usou em 1998 o mesmo esquema que o PT e seus aliados, para arrecadar dinheiro de campanha. Não seria de bom tom, afinal, dar grande publicidade ao caso do tucano mineiro.

O grosso dos que esperam julgamento no STF, por conta de suposto envolvimento no “mensalão”, é governista. Nesse caso, pode-se dizer que a PF é oposicionista? Deixou de ser quando mencionou o PSDB, o DEM e o PPS em outra investigação? Se a Operação Castelo de Areia for julgada no futuro pelo STF, e este considerar que o suposto caixa dois da Camargo Corrêa não fez réus, e o suposto caixa dois do “mensalão” sim, a Corte será governista ou oposicionista? No caso do “mensalão”, o trabalho conjunto do Ministério Público Federal constituiu o que o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes, chamou de “algo lítero-poético-recreativo”? Ou esteve adstrito às funções constitucionais das instituições envolvidas? O que diferenciou, então, o caso do “mensalão” da Operação Castelo de Areia?

E daí, ficamos também assim: o controle exercido pelo Ministério Público sobre a Polícia Federal é “algo lítero-poético-recreativo”, e portanto o MP e a PF estão fora de controle, pelo menos no caso da Operação Castelo de Areia e na Operação Satiagraha, as que são objeto das indignações do presidente do STF. Diz Mendes: “Muitas vezes o Ministério Público Federal é parte naquilo que chamamos de ação abusiva da polícia (…). Quando o Ministério Público atua em conjunto com a polícia, quem vai ser o controlador dessa operação?” Ele defende uma “vara especializada no controle das atividades policiais”, que poderia ser instituída “facilmente” pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual o presidente do STF é também presidente - ou seja, supõe-se que uma simples canetada de Mendes tem o poder de eliminar o controle constitucional que o MPF tem sobre a polícia. Isso quer dizer que a Constituição se submete ao CNJ? E, se assim for feito, Mendes, como o “presidente do Judiciário”, passaria exercer o controle sobre a polícia e, com a sua serenidade e neutralidade, evitaria o “aparelhamento do aparato policial, um aparelhamento político” da PF, e a excessiva complacência do MPF?

A Operação Castelo de Areia foi movida pelo Ministério Público, investigada pela Polícia Federal e monitorada pela 6ª Vara da Justiça, da qual é titular o juiz Fausto De Sanctis, que o CNJ do ministro Mendes processa pelas sentenças discordantes tomadas por ele contra as suas próprias. Uma ação da PF que foi acionada pelo MP e teve o controle de uma autoridade judicial não é um complô partidário - é assim que legitimamente se processam as investigações. Isso está longe de ser um clube “lítero-político-recreativo”.

Na verdade, dá para apostar que os procuradores, policiais e juízes envolvidos num trabalho dessa envergadura tenham pouco tempo para frequentar clubes lítero-político-recreativos. Apenas nenhum promotor, policial ou juiz pediu licença ao STF para concluir quais eram os crimes passíveis de indiciamento e quem os cometeu, nem submeteram suas conclusões ao STF, porque não é esse o papel da alta Corte nesse momento. Vai ser no futuro, se algum indiciado recorrer de sentenças ou procedimentos que considerem injustos ou ilícitos. Como, normalmente, pessoas com poder econômico costumam recorrer até a última instância judicial, o STF em algum momento vai se posicionar sobre o caso. E como parlamentares podem estar implicados, o caso deve parar direto no Supremo. Outra razão para Mendes não emitir juízos sobre o trabalho do MP, da PF e do juiz de primeira instância: afinal, vai julgá-lo mais para a frente.

A PF virou alvo do presidente do STF desde a deflagração da Operação Satiagraha que, entre outras coisas, botou duas vezes na cadeia o empresário Daniel Dantas. Mas ainda assim, não percebe o risco que está correndo. As decisões que toma, mesmo técnicas, não estão apenas sendo combatidas por divergências quanto a métodos. O trabalho de descrédito da PF, do juiz De Sanctis e de mais alguns que têm levado adiante investigações por crimes de colarinho branco é para acuar toda a instituição policial. Se os grupos internos dão munição para essa ofensiva externa contra os seus adversários de corporação, por conta de uma disputa de poder, não perceberam que a PF é atingida sem poupar ninguém - e que esse movimento de opinião pública incitado por algumas figuras públicas torna cada vez mais arriscado, para qualquer grupo dela, a investigação de casos politicamente complicados, que envolvam interesses econômicos mais poderosos.

Outro risco que se corre é a instituição STF ficar identificada como aquela que pode estar permeável a interesses. Num país altamente injusto, a mais alta Corte perder sua imagem de mediadora - e justa - e fixar-se como aquela que zela exclusivamente por grandes interesses, é o fim de esperanças de uma parcela da população altamente desassistida. É melancólico.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br
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Partidos vazios



Se prestarem atenção nos dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) semana passada, os partidos políticos têm bons motivos para se preocupar.

Em janeiro de 2008, cerca de 90% dos eleitores brasileiros não pertenciam a nenhuma legenda. Um ano depois, esse índice subiu para 91,6%. São 119,7 milhões de eleitores sem vínculos partidários. A comparação chama ainda mais atenção quando se vê que o colégio eleitoral cresceu cerca de 2,9 milhões neste período, ao passo que o número de não-filiados aumentou 4,3 milhões.

A tendência é consistente. Afeta todas as legendas e ocorre em todas as unidades da federação. A única exceção foi o PRB, partido próximo à Igreja Universal do Reino de Deus, que conseguiu passar de 121 mil para 157 mil filiados. Só o PMDB, maior partido do país, perdeu 14% de seus aderentes (cerca de 300 mil), percentagem próxima à do PSDB, do DEM e do PT. Mesmo os micro-partidos ideológicos, tipo PSTU e PCO, retrocederam cerca de 3%.

Como explicar isso? Estarão os partidos decepcionando os eleitores ou são estes que encontraram outra maneira de encaminhar suas reivindicações? O problema é institucional, pode ser resolvido com uma legislação eleitoral e partidária mais justa e adequada? Ou é de ordem moral, derivado do “excesso de corrupção” e dos “altos salários” que desgastariam a imagem dos políticos entre a população, como alega uma complicada corrente de opinião que vai da direita ultraconservadora à extrema-esquerda “revolucionária”?

Não há resposta cabal para o fato, mas é fácil visualizar suas consequências. O enfraquecimento da relação entre partidos e eleitores é um indício de que se afrouxaram os laços entre a sociedade e o sistema político. Pode ser que os cidadãos já não se importem tanto com o modo como são governados e prefiram se distanciar da democracia representativa. Sem eles, no entanto, a representação soluça e termina sob monopólio dos partidos, que se tornam seus únicos protagonistas, “donos” de suas regras e de seus resultados. Com isso, a política representativa se converte em atividade de profissionais que não são “vistos” pela sociedade e não se importam em trazê-la para o centro do palco.

A questão é delicada porque a democracia representativa continua sempre mais vital em sociedades complexas e multiétnicas como são as nossas. Nela, o fundamental papel de dar operacionalidade à política, às reivindicações sociais e às decisões de governo tem cabido aos partidos, que foram inventados precisamente para isso.

Os partidos se dedicam a organizar a chegada ao governo ou a oposição ao governo. Encarregam-se de criar condições para que os interesses parciais desta ou daquela classe evoluam, se encontrem com os interesses parciais de outras classes e dêem origem a algum denominador comum que represente mais fielmente o conjunto. Mesmo as organizações de esquerda, que sempre se recusaram a limitar sua ação ao plano estrito do parlamento, representam grupos sociais, dão voz a eles e podem agir como construtores de hegemonia, de novas orientações culturais. São os partidos e a luta entre eles dentro e fora do parlamento que possibilitam o processamento democrático das demandas e a estruturação de uma agenda de políticas.

Se os cidadãos os ignoram, temos um sinal de alerta. Que soa forte quando percebemos que são ralas as chances da sociedade se auto-representar ou de resolver seus problemas pela via da “participação direta”.

Para entender melhor a questão, temos de olhar para o modo como se vive. O esvaziamento dos partidos tem a ver com uma mudança profunda que está abalando a ordem social. Alguns sociólogos costumam usar a metáfora da “vida líquida” para se referir a isso, salientando a exacerbação de um antigo processo de “derretimento” que estaria a afetar tudo aquilo que há de “sólido” e instituído. Em decorrência, a incerteza e a insegurança tenderiam a amortecer o desejo de participação política dos cidadãos. Outros falam de “sociedade em rede” e dão destaque às tecnologias de informação que, ao se tornarem experiência cotidiana, alteram a comunicação, o trabalho e a formação da consciência. Embaralhando os fluxos de decisão, numa dinâmica em que o econômico se sobrepõe ao político, a “sociedade em rede” faz com que os centros (os governos, os Estados, os partidos) percam potência e não consigam mais controlar espaços e pessoas, que frustradas deles se desinteressam.

Tais configurações casam com a individualização e a democratização típicas da nossa época, que “soltam” os indivíduos de seus grupos de referência e os incentivam a “pensar com a própria cabeça”, ou seja, a agir e a decidir autonomamente, mesmo que segundo padrões definidos pela mídia ou pelo mercado. Perversas e sutis formas de controle se generalizam em um ambiente onde tudo parece fora de controle. A obsessão por controlar (das pessoas à própria vida) convive paradoxalmente com o desejo ilimitado de liberdade.

As sociedades deixam assim de produzir adesões e lealdades simples, automáticas, tumultuando as identidades. Dá para imaginar como isso rebate na política.

Não precisamos levar essas hipóteses ao pé da letra, pois as mudanças sociais são assimétricas, espalham-se por tempos longos e demoram a ser captadas pelas instituições. Mas se tais explicações têm alguma serventia, é a de nos alertar para o que ocorre nos rios profundos que movem as sociedades. Servem para nos dizer que as instituições precisam mudar, que as práticas não podem permanecer rotinizadas, que a linguagem política têm de ser renovada dia-a-dia, independentemente de credos, livros ou heróis.

Ou a política democrática honra seu compromisso com a secularização e abandona os deuses que porventura já não falam a língua do tempo, ou arrisca-se a perder valor inapelavelmente. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/03/2009].

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Lei de Imprensa agora só para a internet

O STF deve decidir hoje pelo fim da Lei de Imprensa, pedido do deputado Miro Teixeira, notório lobista do cartel da mídia. A lei é do tempo da ditadura e previa em alguns casos punições mais graves do que no Código Penal. Que vá. Mas o interessante é que sem a lei, a mídia continuará, talvez agora ainda com mais empenho, propondo a regulamentação da internet, via o projeto do tucano Eduardo Azeredo. Quer dizer, lei só contra a concorrência, que cresce e afeta seus negócios. Pesquisa divulgada na última sexta pela agência Reuters explica o motivo.

Enquanto isso, na Inglaterra, com quatro séculos de jornalismo, o site do The Guardian resolveu brincar no primeiro de abril com a notícia que seu jornal em papel passará a ser produzido apenas no Twitter. Foram pesados os comentários, com frases como “já vão tarde”, “árvores serão salvas”, “aproveitem para demitir os jornalistas”. Parece que faz sentido a pesquisa publicada no mesmo Guardian, onde jornalistas estão nas categorias menos confiáveis, com apenas 3%, quase rebaixados para o segundo turno, junto com os banqueiros, com 2%.
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