Dias passei por ruas a ver caras e números. Por dias vi que essas caras, de plástico, só existiam por haver outras, de carne. Umas, com mensagem clara: uma cara e um número. As outras, algo mais complexo, que poucos se deram ao trabalho de entender.
Por ter o privilégio da informação, sabia que postes foram poupados de cartazes nestas eleições. Sobraram para corpos, que tinham caras. Juízes legislam para caras de plástico. E postes.
Vendo, imaginei a cada dia que as caras de carne tinham também números, também histórias, pai, mãe, desejos, sonhos. Vi que parte destes sentimentos era de sono, apatia, melancolia. Mas, juro, vi até sorrisos. Até melhores do que os das caras de plástico, apesar do photoshop.
Refleti sobre economia. Quantas caras de carne valiam uma de plástico? Levando em conta o regulador mercado, aquele que existia antes da crise americana, certamente muitas. Vi que eram jovens as de carne, ganhavam seus primeiros trocados. As de plástico, até mais jovens, tinham mais valor agregado, e custos: marketing, fotógrafo, designer, gráfica, material, logística. As de carne, apenas um pai e uma mãe para produzir, um baixo custo, mas nada de valor. Uma relação muito desigual.
Tive pensamentos até mais complexos. Fantasiei que as de plástico tentavam dizer algo sobre um novo mundo, embora para isso só mostrassem uma cara, e um número. Sugeriam sobre um melhor momento para muitas caras, mas que fossem todas de plástico, é claro.
As outras não defendiam posição, pensei. Afinal, estão lá paradas, inertes, apenas existem pelo capricho do juiz, que poupou os postes de tal vexame. Não existem, são apenas corpos, com uma cara.
Idealizei contradições em luta: as de plástico defendendo sua importância. Afinal, movimentam a economia, pagam impostos, sustentam a saúde, os transportes, que as tais outras caras, de carne, usam e abusam. Daí seu valor. Por seu lado, as de carne diriam que também pagam impostos, eles estão embutidos em cada lata de leite, em cada bujão de gás, e que o preço por morarem longe é altíssimo, culpa das de plástico, que inventaram este modelo, cheio de carros com caras de plástico. Devaneio reducionista, eu sei.
Enlouqueci imaginando coisas. Uma revolução onde as caras de carne tomariam os cartazes, eliminariam as de plástico, reinventariam mensagens no espaço conquistado. Dizendo tudo de direito, cada um no seu quadrado.
Mas, caí na real. A verdade seria cruel. Os designers revolucionários impediriam tal movimento. Ali não caberiam tantas letras. Iriam sugerir poucas, mas belas, talvez apenas um número. E uma cara, sem dúvida, para ilustrar. Que usassem outros meios: TV, podcast, blog, banquinho, discurso no poste. Claro, neste caso se os juízes deixassem.