Mundialização, medo e insegurança

As idéias de “modernidade líquida” e de “vida líquida” estão firmemente associadas ao nome de Zigmunt Bauman, 82 anos, professor emérito das universidades de Leeds (Inglaterra) e Varsóvia (Polônia). Circulam amplamente e têm o mérito, entre outros, de ajudar a que se compreendam certos aspectos emblemáticos do mundo em que vivemos: a falta de controle, a insegurança estrutural e a grave redução das possibilidades de governo da sociedade, especialmente se isso for entendido como afirmação de uma racionalidade técnica todo-poderosa.

Bauman é um sociólogo pouco interessado nas regras metodológicas e nos ritos acadêmicos da sociologia. Seus textos são repletos de metáforas, não prestam reverência à produção mainstream e parecem estar o tempo todo buscando dialogar com o sofrimento, as dificuldades e as humilhações enfrentadas pelos homens e mulheres dos dias atuais. A vida cotidiana ocupa o centro mesmo de seus inúmeros livros e artigos, muitos dos quais traduzidos e publicados no Brasil.

Como ele mesmo observou em diversas entrevistas, escolheu estudar sociologia “convencido de que com ela seria possível mudar o mundo”, expectativa que se lhe impôs com grande força dramática quando retornou à Polônia destruída pela II Guerra, depois de ter se refugiado na União Soviética em 1939 para escapar das perseguições nazistas contra judeus e comunistas. Ainda que aquela convicção não tenha se confirmado e que muitas pessoas encontrem em seus livros argumentos para a adoção de uma visão pessimista da mundialização, Bauman jamais deixa de enfatizar que o estágio “líquido” em que nos encontramos produz muitas tragédias, mas também oferece inúmeras possibilidades de ação e de construção de novas e melhores formas de vida.

Bauman rompeu progressivamente com o dogmatismo marxista, ambiente no qual cresceu. Em 2002, falando para o jornal italiano Corriere della Sera, observou ser muito grato a Gramsci por tê-lo auxiliado neste empreendimento verdadeiramente existencial: “Devo muito a ele, por ter permitido que eu me afastasse condignamente da ortodoxia marxista. Sem vergonha por tê-la compartilhado e sem o ódio de tantos ex-marxistas. (...) Gramsci é fundamental porque refuta o determinismo segundo o qual, no marxismo oficial, os homens são somente bolas de bilhar, simples peças da história. Oferece uma visão flexível dos homens: somos criados pela história e, ao mesmo tempo, somos artífices da história. Aqui se pode encontrar também algo de Borges: a história é um livro que estamos escrevendo e no qual somos simultaneamente escritos”.

No último dia 27 de janeiro, o jornal O Estado de S. Paulo, em seu Caderno Aliás, publicou uma ótima entrevista com Bauman. Realizada por Flávia Tavares via e-mail, ela nos fornece ricas pistas a respeito do mais recente livro do sociólogo polonês editado em português: Medo Líquido (Rio de janeiro, Jorge Zahar Editor, 2007). Vale a pena ler.

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A tapioca do Serra: falta transparência nos gastos com cartão tucano

O caso da tapioca colocou sob suspeita os gastos de um ministro de Estado. Já a tapioca do Serra revela a cada dia mais excentricidades nas despesas. Sou da opinião de que esse assunto deve ser trata sob a ótica da melhoria dos controles sobre os gastos e da transparência. O que se sabe até agora é que precisa melhorar não só controle dos gastos como a distribuição dos cartões.

No governo federal, fala-se em 11 mil cartões, e já se achava absurdo. Não sei dizer se o número é realmente absurdo, tendo em vista a dimensão do serviço público federal. Certamente, falta alguma forma de definição melhor na distribuição do cartão: ordenador de despesas, por exemplo, não deveria ter acesso a cartões. Quem controla uma despesa no setor público não pode beneficiar-se dela. É só uma questão de controle eficaz, nos moldes das melhores práticas de gestão de risco. Agora, vem o Josias de Souza e diz que no governo Serra existem mais de 42 mil cartões. Se há suspeita de descontrole na distribuição de cartões do governo federal, imagine no governo Serra. Esse descontrole parece ainda mais latente.

E pior ainda, não há qualquer transparência dos gastos com cartões do governo Serra, ao contrário do sítio Portal da Transparência do governo Federal, que discrimina as despesas com cartão corporativo (foi isso que permitiu todos saberem da despesa no free shopping da ministra Matilde Ribeiro). Se não há transparência, a investigação dos gastos torna-se difícil, o que também dificulta a identificação dos desvios.

A Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, apontou algumas excêntricas ou, no mínimo, suspeitas. Uma trata de aluguel de carro por uma funcionária da Secretaria Estadual de Saúde, que gastou RS 5.910,00 para o aluguel no dia 18/05/2007. Tudo isso num só dia. Difícil será explicar esse gasto. Bem mais difícil que a tapioca do Ministro Orlando Silva. Há também o caso de outra funcionária da Saúde que realizou 11 saques acima de R$ 200 mil reais e um saque acima de R$ 190 mil reais. Isso sem contar inúmeras despesas pequenas em locais bastantes suspeitos: lojas de doces, loja de games, tapeçaria, billar, etc.

Além disso, criou-se uma verdadeira aversão aos saques em dinheiro no caixa. Passou-se a idéia de que seriam despesas sem condições de comprovação. O que não é sempre verdade. Ficou aquela impressão de que seria uma espécie de cartão Bolsa Família dos servidores graduados do governo. A oposição caiu de pau. Só que a oposição tem um problema: o governo Serra. Se ela realmente acredita que as despesas feitas com saque em dinheiro são ilegítimas, como explicar que o governo Serra consumiu nada menos que R$ 48 milhões de reais em 2007 em despesas com cartão de débito sacando diretamente do caixa. Representam 44,58% do total de R$ 108 milhões de reais gastos. Cabe à oposição, especialmente o PSDB, dar as explicações. Mas não venham com essa de que não devem explicações, que os gastos são todos legítimos e que quem tem deve explicar é apenas o governo petista. Fugir das explicações colocando a culpa no PT é fácil, ainda mais que não é o PT que governa São Paulo. Da mesma forma que cobram explicações do governo federal, o governo Serra também deve explicações à sociedade.

De fato, esse assunto tornou instrumento de luta política. A imprensa publicou gastos do governo federal sem critério, alguns legítimos, outros corretamente ilegítimos. Mas o importante é que a coisa tomou uma proporção que não dá mais para fugir da questão: estabelecer mecanismos de controles mais efetivos nos cartões. O que não pode acontecer é querer voltar ao sistema antigo, que era obsoleto e não permite qualquer transparência. Além disso, há fortes indícios de que as despesas naquela sistemática eram maiores (considerando todas despesas na rubrica suplementos de fundos).

A oposição viu uma forma de enfraquecer politicamente o governo. A oposição serve é para isso mesmo, incomodar o governo, ser um fiscal da sociedade, na expectativa de trocar de lado com o governo: tomar o poder. Imaginar outro papel para a oposição, como a tal oposição responsável e construtiva, é pura bobagem. A responsabilidade da oposição está em mostrar para a população os desvios do governo. Só que os caminhos muitas vezes são tortuosos.

A oposição já fez o barulho dela, e se dependesse só dela, acabaria com esse assunto rapidamente. Justamente para não respingar nos seus. Mas como não há como controlar todos os passos, surge agora denúncias de uso irregular do cartão de débito do governo Serra. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. O governo, que não é bobo, sentiu cheiro de queimado, e deseja respingar fogo também para o lado da oposição. Talvez seja por isso que os líderes do PSDB no Senado andam tão acuados depois que o líder do governo, Romero Jucá, apresentou o requerimento de CPI. Quando falam da oposição no Senado na imprensa, só aparecem líderes do DEM. Investigação é sempre boa no quintal do outro, por isso que o PSDB nem quer ouvir falar de investigação no governo Serra. E ainda mais quando se trata de um presidenciável como Serra, aquele que provavelmente terá o papel de tentar reconduzi-la ao poder.

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Gestão Serra gastou R$ 108 milhões com ‘cartões’, do Blog do Josias

Aos pouquinhos, a farra dos cartões corporativos vai se transformando numa encrenca suprapartidária. Iluminando-se os subterrâneos financeiros da gestão de José Serra no governo de São Paulo, descobre-se que o tucanato comparece à encrenca dos cartões em posição nada confortável.

Notícia veiculada pela Folha nesta sexta-feira (8) informa que, em 2007, o governo paulista torrou notáveis R$ 108.384.269,26 em dinheiro de plástico, chamado em São Paulo de "cartão de débito". É uma quantia bem mais vistosa do que os R$ 78 milhões que os cartões corporativos federais despejaram no mercado durante o ano passado.

Há em São Paulo 42.315 cartões. De novo, muito mais do que o congênere federal: oficialmente, a CGU (Controladoria-Geral da República) diz que somam 7.145 os funcionários autorizados a portar os cartões federais. Extra-oficialmente, estima-se que o número de cartões passa de 11 mil.

Há mais: sob Serra, também se utiliza o cartão financiado com verba pública para efetuar saques na boca de caixas eletrônicos. Procedimento vivamente desaconselhado pelo TCU. Do total gasto em São Paulo no ano de 2007, 44,58% deixou o erário na forma de saques. Coisa de R$ 48,3 milhões. Na esfera federal, os saques somaram 75,26% do total.

Há pior: na administração tucana, a transparência é menor, muito menor, diminuta. As despesas com cartões só estão disponíveis no sistema informatizado que serve aos deputados na Assembléia Legislativa de São Paulo. Em Brasília, a maior parte dos dados encontra-se ao alcance de qualquer brasileiro no chamado Portal da Transparência.

O governo de São Paulo tampouco está imune aos gastos de aparência exótica. Por exemplo:

- Em 28 de julho de 2007, um dos cartões da administração paulista deixou R$ 597 na Spicy, uma conhecida loja de acessórios chiques para cozinha. O que foi comprado? Os computadores da Assembléia não trazem a informação. Limita-se a anotar a saída do numerário, num item batizado de "despesas miúdas e de pronto pagamento".

- Em 4 de abril do ano passado, pagou-se com um cartão do governo de São Paulo R$ 977 na loja de presentes Mickey. De novo, "despesas miúdas e de pronto pagamento".

- Em 11 de maio de 2007, foram à caixa registradora de uma churrascaria paulistana R$ 6.500. Despesa realizada com um cartão da Secretaria de Segurança.

Em nota oficial, a assessoria de Serra se manifestou assim: "Não existe cartão corporativo no governo do Estado de São Paulo. Nenhum secretário, secretário-adjunto ou qualquer autoridade estadual possui cartões do governo para qualquer tipo de gasto. Nenhum servidor possui cartões para pagamento de despesas pessoais.”

“O que existe”, prossegue a nota “é um sistema eletrônico para a realização de despesas do dia-a-dia, como compra de combustíveis, peças para automóveis e suprimentos de informática [...]. As secretarias com maior gasto (Saúde, Educação e Segurança Pública) são justamente as que se destacam na prestação de serviços diretos ao cidadão, e precisam manter as maiores estruturas de pessoal, viaturas e unidades.”

O deputado estadual Simão Pedro, líder do PT na Assembléia Legislativa, diz que, por ora, "não há indícios para um pedido de CPI". Informa, porém, que vai realizar uma apuração pessoal dos gastos do Estado.

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Cartões Corporativos do governo: uma vitória da transparência

Há sem dúvida uma celeuma em torno dos cartões corporativos. Evidentemente que deve servir para alguma coisa, como melhorar o controle das despesas realizadas nessa modalidade. Transformar o tema em bandeira ética, como querem alguns, é um verdadeiro despropósito, que não ajuda em nada a melhora nos gastos públicos. Como disse em outra ocasião, não gosto muito de aventurar na seara ética, pois entendo ser canoa furada. Grupos descontentes por estarem fora do poder se enveredam pela defesa da ética ditando boas maneiras. Na política, é sempre alta a possibilidade de inimigos de hoje serem aliados no dia de amanhã. Um grupo partidário (ou mais partidos) prega pela ética, supostamente por ser seu adversário corrupto, porém lá na frente podem estar de braços dados. São as conveniências políticas. Quer dizer que o partido ou governo era corrupto, mas agora são aliados (ou seja, não é mais corrupto). Estranho não é mesmo. Como ficam todos aqueles que pegaram carona na onda ética anterior? Realmente, esse não é um bom ponto de partida.

A imprensa tem o dever de informar, e não é meu papel criticá-la nesse sentido. Só que às vezes o que se tem de menos é informação, mas sobram análises fundamentalistas e nada isentas. Alguém pode me chamar atenção de que exigir isenção é tolice, porém seria interessante fornecer mais informação. A cobertura da mídia em relação aos cartões corporativos sofre desse mal. Se não fosse a blogsfera, que tem ajudado a melhorar a qualidade da informação, o déficit de informação seria gigantesco. O problema é que pode levar parcela da sociedade a acreditar que menos transparência é bom. Digo isso porque há sinais de que parte da opinião pública (ou publicada como preferirem) adquiriu uma certa resistência à utilização dos cartões corporativos. A forma com que o tema foi colocado até agora pode levar o cidadão comum (inclusive a classe média instruída) ao erro de preferir o retorno da sistemática antiga: o servidor deverá portar dinheiro e trazer notas fiscais e papéis para justificar os gastos.

Os cartões corporativos do governo são um avanço para a administração pública. Ingenuidade é imaginar que papel e dinheiro na caixinha dos órgãos públicos para gastos com suplementos de fundos seriam uma melhor solução para promover transparência das despesas para a sociedade. A sistemática anterior é obsoleta e ficou para trás. Nos tempos da informática, os cartões corporativos permitem controlar mais eficazmente os gastos de servidores públicos no trabalho. Como tudo fica registrado, o usuário não poderá alegar futuramente que não realizou tal despesa. Portanto, cartão corporativo eleva a transparência. Pode-se ser contra ou a favor do governo, mas elevar a utilização do cartão é uma medida acertada.

Isso não quer dizer que não possa existir má utilização dos cartões corporativos. As notícias da imprensa nas últimas semanas mostraram indícios de que algumas despesas com cartões não foram corretas. A questão é que não há evidência de que esse seja um problema específico do cartão corporativo. A ausência de cartão não impede que despesas sejam realizadas incorretamente. Não há razão para supor que uma despesa realizada indevidamente com cartão corporativo não teria sido com a sistemática de portar dinheiro e comprovar posteriormente o gasto. A diferença é que a identificação do dinheiro gasto com cartão é feita com maior agilidade. Pode-se saber mais rapidamente dos desvios.

Antes da disseminação dos cartões corporativos na estrutura do governo federal gastava-se mais com a rubrica de suplementos de fundos (que envolvem os cartões corporativos e as chamadas contas tipo B – dinheiro nas caixinhas dos órgãos públicos). Prova disso é que as despesas nessa modalidade foram bem superiores nos anos de 2001 e 2002, em que o governo FHC gastou R$ 213,60 milhões e R$ 233,2 milhões respectivamente. Com maior utilização dos cartões, essa despesa caiu em 2003 para R$ 145,1 milhões; em 2004 de R$ 145,9 milhões: em 2005 de R$ 125,4 milhões; em 2006 de R$ 127,1 milhões; e no ano de 2007 em R$ 176,9 milhões. O governo diz que a elevação das despesas foi resultado de despesas extraordinárias como dois censos do IBGE em regiões isoladas, Jogos Pan-americanos e ações especiais da Polícia Federal. A explicação é razoável, quem quiser contestar que apresente dados mais consistentes, pois isso ainda não ocorreu.

A idéia de que houve uma explosão de gastos com cartão corporativo, sem contextualização, não é justa. Como justiça é algo utópico, a cobertura deveria apresentar simplesmente mais informação. E deixar que a opinião pública decida sozinha. Afinal, somos todos adultos. Análises distorcidas, fundamentalistas e com pouca informação, não ajudam em nada a formação de opinião. O que os números mostram é que houve uma redução nas despesas gerais de suplementos de fundos, não o contrário (como a cobertura jornalística tenta passar). Evidentemente, se há maior uso do cartão corporativo, sua despesa cresce. Mas não houve elevação do gasto geral na modalidade de suplementos de fundos. Isso é também uma informação. É uma informação tão relevante quanto aquela dos desvios (embora possam ser menos sensacionalistas). Ajudariam ao cidadão comum avaliar a verdadeira dimensão do cartão corporativo.

No caso do uso do cartão corporativo, é preciso separar o joio do trigo. O que é abuso daquilo que é absolutamente normal. A cobertura da imprensa deve conseguir separar gastos legítimos dos ilegítimos. O que se vê é uma corrida dos jornalões para apresentar todas as despesas com cartões corporativos, sem uma devida análise, como se fossem todos ilegítimos. O noticiário cobriu de gastos com a família do presidente Lula como se fossem ilegítimos, mas não deu qualquer destaque às explicações do governo (ver aqui as explicações do Ministro Chefe da Segurança Institucional - Má fé da imprensa). Nesse caso, o único erro que parece ter havido por parte do governo foi a publicação dos gastos no sítio Portal da Transparência, pois são informações que deveriam ser realmente sigilosas.

Compreendo a ansiedade da sociedade, que exige sempre mais transparência (não menos), mas não há qualquer cabimento publicar na internet, gastos do presidente, da segurança de seus familiares ou mesmo de ministros mais importantes do governo. Transparência é sempre desejável, mas há limites. Ninguém está falando que não deva ter controles (TCU, CGU ou alguma comissão especial do Legislativo), mas não deve estar disponível para quem queira acessar. Há razões de Estado que merecem prevalência nesse quesito. A segurança dos mandatários é uma delas. O governo pecou pelo excesso de transparência.

Um exemplo do absurdo na cobertura jornalística foi destacado pelo Blog do jornalista Josias de Souza, hospedado no sítio da Folha de São Paulo. O jornalista divulgou gastos do Planalto, como padarias, supermercados, casa de carnes. E sugeriu que foram gastos ilegítimos, pois os cartões corporativos seriam apenas para gastos emergenciais. Finalmente, o jornalista sugere que deveriam ser realizadas licitações públicas, pelo menor preço, para comprar os mantimentos e bebidas que servem as instalações do presidente. O pior que ele se diz espantado. Espantado estou agora com essa tese ridícula de que o presidente deveria comer carne licitada pelo menor preço. Tudo direitinho, publicado no Portal da Transparência. Realmente, a discussão tem pouca racionalidade e muito sensacionalismo. Ninguém é obrigado a gostar do governo, como também do presidente Lula, que é bem avaliado, mas um pouco de bom senso e serenidade não fariam mal.

Se há mau uso do cartão corporativo, quem fizer que assuma as conseqüências, e pronto. Porém, é preciso ser razoável. Não é possível condenar qualquer despesa simplesmente por causa do cartão corporativo. A maioria das despesas com o uso do cartão é legítima, inclusive daquelas realizadas com saque em dinheiro. Não se aprende muito transformando o tema dos cartões em bandeira ética ou instrumento de luta política. Parece que alguns, inclusive da imprensa, embarcaram nessa onda.

Se o problema for a simples luta política, seria desejável um pouco de isenção na cobertura. Como isenção é algo praticamente impossível, talvez mais informação e equilíbrio. Destacar os gastos realizados pelo Governo Serra, por exemplo. Conforme dados coletados pelo SIGEO (Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária), informados no sítio do IG pelo Conversa Afiada do jornalista Paulo Henrique Amorim, em 2007 foram gastos mais de R$ 108 milhões em cartões corporativos do governo Serra. Desse total, mais de R$ 48 milhões foram saque em dinheiro, ou seja, 44,58% do total. Comparando com o governo federal, que tem em sua estrutura o IBGE, a Polícia Federal, a ABIN e outros órgãos que usam intensamente cartões corporativos (inclusive saques em dinheiro) pela sua especificidade, os valores do governo Serra são substantivos. Apesar do líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antônio Carlos Pannunzio, negar a existência dos cartões, o Secretário da Casa Civil do Governo Serra, Aloysio Nunes Ferreira, confirmou sua existência e defendeu o uso, sob o argumento de que facilita a identificação da despesa. Ou seja, seria um instrumento mais transparente.

Da mesma maneira, é dever da imprensa informar - e já que está tudo publicado no sítio do Portal da Transparência -, que o segurança do ex-presidente FHC, Eduardo Maximiano, em um único dia, 06/08/2006, encheu o tanque de gasolina do carro seis vezes. Pelos valores envolvidos, o tanque estava bem vazio. Na verdade, considerando o valor mais alto obtido pela pesquisa semanal de combustíveis da ANP (Agência Nacional de Petróleo) em Higienópolis (SP), local em que foi usado o cartão, é possível que o tanque também seja maior que o encontrado nos carros normais. Há ainda situações que o segurança do ex-presidente encher o tanque de gasolina algumas vezes até quando o ex-presidente estava em viagem ao exterior, como no dia 30/10/2007. Tudo registrado, no Portal da Transparência.

A análise política não tem espaço para a ingenuidade. Por essa razão, não espero que a imprensa forneça mais informação para seu público. A informação que ela fornece é filtrada com seus interesses maiores. O que é uma pena. Porém, o mínimo que se exigiria é uma análise mais equilibrada e razoável. O que não pode acontecer é que o instrumento do cartão de corporativo caia no desuso, voltando-se para os métodos obsoletos e pouco transparentes. Ao se fazer uma cobertura condenando qualquer despesa com uso do cartão corporativo, sem distinção, corre-se o risco de em vez de aprimorar o uso dos cartões passar-se a condena-los. O que seria um retrocesso, pois implicaria em menos transparência. Isso não significa que não se deva controlar mais eficazmente sua utilização, principalmente no tocante aos saques em dinheiro (que, em certas ocasiões, é a única forma de realizar a despesa), bem como sua distribuição. A tecnologia dos cartões eleva a transparência dos gastos públicos. Certamente não representa obstáculo.
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Um Marx pouco conhecido e valorizado

“A separação momentânea é boa porque o contato constante faz com que as coisas se tornem muito monótonas, semelhantes e difíceis de serem distinguidas. Até as torres não parecem tão altas quando vistas de perto, ao passo que as coisas pequenas e cotidianas da vida crescem sobremaneira. Assim acontece com as paixões. Os hábitos tradicionais, que mediante a proximidade se apoderam do homem por inteiro e adquirem forma passional, desaparecem assim que seu objeto imediato perde-se de vista. As grandes paixões, que em virtude da proximidade de seu objeto se convertem em hábitos tradicionais, crescem e recuperam seu vigor sob a influência mágica da distância. Assim é com meu amor. Tal como o sol e a chuva quando agem nas plantas, o tempo só faz com que ele cresça. Meu amor por você, quando você está longe, surge tal como é na realidade: um gigante, que absorve toda a energia do meu espírito e todo o ardor do meu coração. Por sentir uma grande paixão, sinto-me de novo um homem.

A diversidade de temas em que o estudo e a cultura moderna nos enredam, tanto quanto o ceticismo com que necessariamente viciamos todas as impressões subjetivas e objetivas, têm o dom de nos tornar pequenos, fracos, ranzinzas e indecisos. Mas o amor – não o amor pelo homem feuerbachiano, não pelo metabolismo de Woleschott, não pelo proletariado, mas o amor pelo amorzinho, ou seja, por você – transforma novamente o homem em homem”.

[Marx, Carta a Jenny von Westphalen, 21/06/1856. Citada por Ernst Fischer, O que Marx realmente disse, Ed. Civilização Brasileira, p. 11]

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