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Florianópolis, “a cidade de Floriano”, 31 anos de Novembrada e as políticas do esquecimento

Fortaleza do Anhatomirim - Foto: Germano Schüur

Por Laurene Veras* especialmente para o blog.

Em 14 de outubro de 1893, o comandante Federico de Lorena declarou instalado o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil na cidade de Nossa Senhora do Desterro, em Santa Catarina. Em plena revolução federalista, Desterro passou a ocupar o status de uma capital do país paralela, ilegítima para os legalistas, estratégica para os federalistas do sul do país. O novo governo considerava-se separado da União, enquanto Floriano Peixoto, que comandava o país desde o Rio de Janeiro, não fosse deposto. Esta ‘vitória’ do movimento federalista durou seis meses, após os quais, enfraquecido por dissidências internas, o movimento revoltoso foi desmembrado e derrotado em 16 de abril de 1894, três dias antes da chegada do interventor federal Antônio Moreira César. Moreira César iniciou então uma operação pente fino na ilha de Santa Catarina e colocou toda força à sua disposição no encalço dos remanescentes revolucionários. A partir daí, Desterro testemunhou um dos momentos mais sangrentos e traumáticos de sua história. Em maio de 1894, após meses de perseguição, execuções, tortura e todos os conhecidos meios de repressão e coação praticados pelo Estado, ocorreu o que ficou conhecido – ou desconhecido, dependendo da interpretação – como o “Massacre de Anhatomirim”, quando cerca de 200 homens teriam sido executados na ilha presídio num movimento revanchista e arbitrário de extermínio e profilaxia política. Em 1º de outubro do mesmo ano, o então governador Hercílio Luz − cujo próprio primo e cunhado havia sido assassinado pela mão de ferro de Moreira César −, sancionou a lei que mudaria o nome da capital do estado de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis, em homenagem a Floriano Peixoto, ninguém menos que o mentor político dos verdugos dos ilhéus revolucionários. A troca do nome da cidade foi uma tentativa de varrer os fatos traumáticos de Anhatomirim para baixo do tapete da história e passar um verniz sobre uma ferida que deveria ser bem cicatrizada pelas políticas do esquecimento articuladas pelas autoridades competentes.

           
No que diz respeito à tradição e à dor, a Ilha de Anhatomirim faz parte do imaginário dos florianopolitanos como um lugar mal assombrado. As narrativas oriundas da tradição local contam estórias de fantasmas e maldições relacionados ao lugar. Entretanto, para além do anedótico e folclórico, após quase um século de esquecimento gerado no trauma, a significância da memória cultural se faz notar em um dos mais importantes levantes populares da História da ditadura militar no Brasil. Em 30 de novembro de 1979, o então presidente General João Figueiredo fez uma visita a Florianópolis a fim de conhecer o projeto de implantação de uma indústria siderúrgica na região e para a cerimônia de descerramento de uma placa em homenagem a Floriano Peixoto. O Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina organizou uma manifestação contra o regime militar, e a manifestação acabou ganhando força e destaque por causa da indignação causada pelo monumento em homenagem ao ditador da revolução federalista. O general foi hostilizado pela população e reagiu com agressividade. A confusão na Praça 15 de novembro foi generalizada, e a famigerada placa foi arrancada do lugar e queimada pelos manifestantes. Com base nesse fato, é possível afirmar que neste dia, dois chefes de regimes autoritários de épocas diferentes foram desafiados pelo povo. O episódio da Praça 15 de novembro ficou conhecido como Novembrada, mas assim como o esquecimento de Anhatomirim, a Novembrada também teve existência curta na memória oficial do país, especialmente por se tratar de um levante que ocorreu em meio à repressão da ditadura militar, a qual tratou de acionar as usuais ferramentas do esquecimento.


*Mestranda em Literatura, UFRGS.
Imagens Novembrada: Banco de Dados/JSC
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Campanhas institucionais da RBS servem apenas para vender jornal

“O amor é a melhor a herança: cuide das crianças” – campanha de 2005
“Educar é tudo” – campanha de 2006


Quando denunciamos, em 2005, a estratégia de marketing do Grupo RBS, a fim de criar/manter uma imagem positiva de sua empresa frente ao público do RS e SC, em suma, uma jogada de marketing, mais um blá blá blá para enganar os incautos, e, com isso, vender assinatura de jornal, bem como todo e qualquer produto errebesseano, jamais imaginávamos que os fatos iriam corroborar essa tese!


Em 2006, o filho de Sergio Sirotsky, neto de Jaime Sirotsky, tinha 9 anos, era uma criança! Antes tivesse estado aos cuidados do “diabo”, da “bruxa”, do “bicho papão”, da “mula sem cabeça” e do “boi da cara preta” que, estes sim, segundo a peça publicitária, cuidavam de seus filhinhos!



E o que dizer da campanha “Educar é tudo”, onde Educar é ensinar a pensar/[...]/ mostrar como é bom/poder fazer algo pra se orgulhar? O que os adultos ensinaram/ensinam a pensar aos adolescentes do gênero masculino, a respeito da condição feminina nos grupos sociais, principalmente, ao membro da terceira geração dos Sirotsky?


Educar é ensinar/ [...]/ Que há limites pra tudo. A família da jovem adolescente estuprada, impactada com os graves acontecimentos, deverá estar se perguntando, qual a noção de limite que os ricos ensinam aos seus filhos! Ainda mais, quando o Grupo RBS "ensina" Que educar é tudo/Tudo! Pra melhorar o mundo/Que a gente tem.


A jovem de Florianópolis engrossa a trágica estatística


Aqui, fica um alerta às famílias e às escolas, quiçá às seitas religiosas, que adotaram, ou costumam adotar, as campanhas institucionais do Grupo RBS: ponham na cabeça, de uma vez por toda, internalizem, que esse grupo é uma empresa privada, inclusive concessionária de um bem público [o espaço eletromagnético que é do povo brasileiro], um monopólio de comunicação que burla a Constituição Federal com a leniência dos governos e que tem dois objetivos primordiais para continuar a existir: o lucro e mamar nas tetas dos órgãos públicos [leia-se executivo, legislativo, judiciário] seja com isenções fiscais, ou com verbas publicitárias. E só!


As campanhas institucionais da RBS são um engodo, repito, servem apenas para vender jornal! Quem defende o estado mínimo, o mercado como regulador da ordem social, como o Grupo RBS faz em seus editoriais, na forma em como escolhe as pautas e as redige para seus meios impressos e eletrônicos, defende uma educação individualista, competitiva e consumista. As palavras do guri Sirotsky, escritas nas redes sociais, são uma triste amostra disso.

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PONTO FINAL NA VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E MENINAS

Prevenir, punir e eliminar fatos que compõem a macabra estatística

No enfrentamento à violência de gênero, o movimento de mulheres identifica, há quatro décadas, que a banalização dos fatos, dada sua freqüência e proximidade das pessoas, a leva a tornar-se um evento natural nas relações sociais. Faz parte do comportamento humano, portanto, aceitável.

Pelo menos três fatos no dia de hoje confirmam essa tese: o assassinato de Eliza Samudio, jovem que teve um filho com o goleiro Bruno do Flamengo (fato ocorrido em Minas Gerais), o estupro de uma adolescente em Florianópolis pelo filho de empresário de comunicação e o filho de um delegado de polícia, um caso caracterizado como “dorme Cinderela” (Santa Catarina) e agora um caso de estupro de uma mulher numa clínica médica em Porto Alegre, enquanto fazia uma endoscopia com sedação (Rio Grande do Sul). Muitos outros casos poderiam ser arrolados no dia de hoje, segundo a frequência em que ocorrem – 4 por minuto no Brasil (FPA, 2002).

Dados recentemente revelados pelo Mapa da Violência no Brasil 2010, realizado pelo Instituto Zangari, com base no banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), revelam a ocorrência de 10 assassinatos de mulheres por dia. Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio — índice de 4,2 assassinadas por 100 mil habitantes. Algumas cidades brasileiras, como Alto Alegre, em Roraima, e Silva Jardim, no Rio de Janeiro, registram índices de homicídio de mulheres perto dos mais altos do mundo.

As histórias de violência só se tornam alvo de indignação quando chegam aos meios de comunicação, pois no mais das vezes caem no esquecimento, quase sempre na impunidade da lei, mas na maioria dos casos, na impunidade da consciência coletiva, pois simplesmente “esquecemos”, são números de uma estatística macabra, que se perdem nos cotidianos das vidas comuns.

A forma de ver e enfrentar a violência contra mulheres e meninas tem que mudar. São mortes anunciadas, pois o goleiro Bruno já se pronunciara há cerca de dois meses como defensor de uma agressão. Outro colega seu comparou as mulheres com uma bola de futebol que pode ser chutada. O caso Abdelmassih (São Paulo, 2009), mostrou aonde pode chegar o assédio sexual e moral de pacientes em consultório, e a lista de jovens violadas sexualmente no Brasil tem 500 anos, passando pelas indígenas, pelas negras, chegando a todas as classes sociais e lugares.

A Rede Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, coordenadora da CAMPANHA PONTO FINAL NA VIOLENCIA CONTRA MULHERES E MENINAS, ao lado da Rede de Homens pela Equidade de Gênero, de Agende Ações de Gênero Cidadania e Desenvolvimento e Coletivo Feminino Plural, apoiada por Themis, Maria Mulher e três centenas de mulheres e entidades filiadas em todos os estados brasileiros, vem a público alertar para este problema.

É preciso denunciar, investigar, punir todos os agressores e matadores de mulheres e meninas. É preciso que a Lei Maria da Penha seja implacavelmente aplicada, sob o risco de o sistema de segurança e justiça ser considerado omisso e conivente com a violência de gênero, caracterizando como um feminicídio o que se processa no país.

É preciso que a sociedade se indigne e se mobilize para que nenhum caso de violência será tolerado. A violência contra mulheres e meninas é algo intolerável, inaceitável, fere a consciência da humanidade, é uma violação aos direitos humanos. Afeta a saúde, reduz anos e qualidade de vida das mulheres.

O Brasil, como signatário dos documentos internacionais de direitos humanos das mulheres, e tendo uma legislação nacional a ser cumprida, não pode calar-se e omitir-se.

Espera-se de cada autoridade que faça sua parte. E da sociedade, do movimento de mulheres e de homens pela equidade de gênero, que protestem contra estas manifestações do atraso cultural, do machismo e da omissão.


Porto Alegre, 8 de Julho de 2010

COORDENAÇAO EXECUTIVA DA CAMPANHA PONTO FINAL

Avenida Salgado Filho, 28, cj 601 – POA/RS – Fone 51 32124998. http://www.redesaude.org.br/portal/pontofinal/index.php
campanhapontofinal@gmail.com

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Sobre jovens e violência


Frente ao triste acontecimento ocorrido em Florianópolis, SC, envolvendo adolescentes de famílias abastadas, nada melhor do que reler o texto de La Vieja Bruja, Ao vencedor, as batatas.

Será que, neste caso, o Grupo RBS e sua claque de palpiteiros ainda apoiaria as teses defendidas por certos especialistas sobre delinquência juvenil?

Eis o artigo*:

Ao vencedor, as batatas

Alguns dos maiores méritos literários de nosso romancista maior foram seu universalismo e sua capacidade de dialogar com seu próprio tempo.

Em “Quincas Borba“, por exemplo, Machado de Assis, fiel a algumas características do realismo seu contemporâneo, denuncia como a luta pela sobrevivência na sociedade pode ser tão voraz quanto na natureza através da transposição do evolucionismo darwinista às relações sociais humanas. Não há neutralidade nas relações humanas, parece ecoar o humanitismo. Fracos e ingênuos como Rubião são manipulados e despojados de sua dignidade pelos mais fortes, pelos Cristianos Palha e Sofias de ontem e de hoje.

Machado de Assis, no entanto, jamais seria compreendido se se tomasse sua obra como mero mecânico produto de seu tempo. Seu universalismo e sua transcendência residem no fato de que é para denunciar o processo de selvagem luta pela sobrevivência na sociedade que se serve o romance machadiano de uma espécie de evolucionismo social. O humanitismo do filósofo Quincas Borba, professado pela boca de Rubião, herdeiro universal de seu pensamento, então, se transforma em crítica ácida à panacéia científica e se trata de uma das mais pertinentes metáforas da triste figura de toda cientificidade transposta às relações humanas que se pretenda moralmente neutra. Desse modo, o evolucionismo aplicado às relações humanas do bruxo do Cosme Velho não afirma que as relações sociais humanas são o que são em virtude de como a ciência descreve o mundo e é em si mesma, mas si em virtude de como o homem que faz ciência o descreve e é em si mesmo, a saber, parte de algum modo interessada.

Fazer ciência, portanto, parece ensinar o humanitismo, envolve escolhas.

De amostras e de conceitos, em certos casos.

A hipótese de que o cérebro de um psicopata ou sociopata seja estruturalmente diferente daquele das pessoas ‘normais’ é perfeitamente lógica. Não só porque desde o acidente com Phineas Gage, em 1848 (!), sabe-se que danos ao córtex pré-frontal estão associados a comportamentos anti-sociais, como também porque muitas pesquisas utilizando técnicas de neuroimagem semelhantes ao estudo gaúcho vêm sugerindo fortes indícios de estrutura cerebral anormal em psicopatas“.

Afirmar a priori que internos na Fase são psicopatas só pode ser feito por alguém que está distante do problema (…) Caracterizar a todos como psicopatas e medicá-los em massa aparece muitas vezes como forma fácil de contenção numa postura que abre mão do desenvolvimento de trabalho educativo e da recuperação possível para parte significativa desses adolescentes (…) inúmeros estudos demonstram que a participação na vida do crime é na maioria das vezes motivada pela busca de afirmação pessoal e de reconhecimento social e que poderá, portanto, ser agravada com procedimentos que baixem a auto-estima e a confiança em si. Se é certo que as pesquisas neurológicas têm uma contribuição a dar na compreensão do comportamento violento, é certo também que não se deve absolutizá-las ignorando estudos já desenvolvidos por especialistas de outras áreas, como sociólogos, psicólogos, antropólogos, educadores etc. Não há maior obscurantismo do que aquele que considera a pesquisa inquestionável“.

Os trechos acima correspondem, respectivamente, aos artigos “Contra o obscurantismo“, de Gustavo Ioschpe, publicado no jornaleco da Azenha de domingo último, 10, e “Ciência, obscurantismo e ética“, de Carmen Maria Craidy, publicado ontem nesse mesmo pasquim.

Gustavo Ioschpe, para quem ainda não sabe, é o mais recente almofadinha com MBA a cair nas graças do intelectual fracassado Marcelo Rech. Vejam os senhores com os seus próprios olhos, até porque não há outro modo de ver, os boatos que espalha o diretor de redação de Zero Hora a respeito do referido rapaz, tudo a fim de antecipar a história sobre o mito ao próprio mito, ou, como diz o vulgo, antecipar a imagem do homem ao próprio homem. Gustavo Ioschpe, para Marcelo Rech, trata-se de um dos principais polemistas do país, que chegou às páginas de ZH a fim de “trazer luz ao manto de escuridão que encobre a discussão sobre os rumos do ensino no Brasil“.

Bem, mas não era sobre isso que La Vieja queria falar, até porque tem ela coisas bem mais interessantes para pensar do que quem cai ou não nas graças do intelectual fracassado da Azenha.

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Como La Vieja dizia, ambos os artigos referem-se à discussão pública, cujo pontapé inicial, pelo menos aqui entre o povo cujas façanhas servem de modelo a toda a terra, até onde La Vieja saiba, foi dado por Marden Müller, por ocasião da publicação de “Eugenia reemergente“, instituída por conta do polêmico projeto de pesquisa sob a responsabilidade do neurocientista Jaderson da Costa (PUC-RS) e do geneticista Renato Zamora Flores (UFRGS), que tem como um de seus mentores o secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, aluno de mestrado de Costa, e que pretende descobrir, a partir da análise comparativa entre dois grupos, um formado por adolescentes internos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), os quais terão seus cérebros mapeados por ressonância magnética, e outro por adolescentes que não cometeram crimes, “se o que determina o comportamento de um menor infrator é sua história de vida e se há algo físico no cérebro levando-o à agressividade“.

Embora o referido estudo também pretenda levar em consideração aspectos genéticos, neurológicos, psicológicos e sociais de cada uma das cobaias, seu foco parece ser o fundo biológico da questão, uma vez que, segundo Osmar Terra, “Estamos nos baseando em trabalhos que já existem mostrando que há um período crítico no início da vida e que se uma criança é maltratada entre o 8º e o 18º mês ela adquire comportamento alterado na idade adulta“. Um dos trabalhos ao qual se refere Terra, ainda segundo a Folha de São Paulo via O Ôlho-Dínamo, seria um “artigo do grupo do neurocientista português António Damasio publicado em 1999“, que supostamente teria mostrado “que meninos que sofreram lesões no córtex pré-frontal -região do cérebro próxima à testa- tinham sérios problemas de sociabilidade após crescer“. Segundo Jaderson da Costa, como “A aquisição de convenções sociais complexas e de regras morais se estabelece precocemente“, lesões cerebrais em determinada fase da infância “podem resultar mais tarde numa síndrome parecida com a psicopatia“.

No entanto, ainda segundo a Folha, os cientistas fortes, aguerridos e bravos parecem querer saber se, independentemente das referidas lesões, meninos cronicamente violentos têm “atividade reduzida em alguma região do córtex pré-frontal, área cerebral ligada a tarefas mentais que envolvem juízo moral“. Se tal atividade reduzida for localizada nos pueris córtices pré-frontais a serem mapeados, então é possível que seus comportamentos cronicamente violentos sejam uma sua conseqüência, já que os portadores de tal reduzida atividade em tese não executariam bem tarefas mentais que envolvessem juízos morais.

Portanto, na medida em que o estudo de Damasio supostamente mostrou que problemas de sociabilidade podem ser uma conseqüência de pueris lesões cerebrais, é na procura por atividades reduzidas em alguma região do córtex pré-frontal independentemente das referidas lesões que parece residir a originalidade do projeto dos cientistas gaúchos. Encontrada tal atividade reduzida, a violência crônica poderia ser tomada como uma sua conseqüência. Tentaria-se provar que tal atividade reduzida, então, seria a causa de tal estado mental.

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Entretanto, se o estudo não se importa com as referidas lesões, mas sim com a hipótese de atividades cerebrais reduzidas delas independentes gerarem determinado estado mental, há um problema com sua amostra.

Muito embora amostras precisem guardar pertinência absoluta com hipóteses de estudo em alguns casos – tal como na hipótese de que batatas-inglesas brancas de 12 a 18 centímetros de perímetro sejam violentas com outras batatas-inglesas, inclusive as rosas, muito apropriadamente devam ser estudadas somente batatas-inglesas brancas de 12 a 18 centímetros de perímetro e não qualquer de suas rosáceas vítimas ou mesmo qualquer branca maior ou menor do que aquelas suas companheiras de lavoura -, dependendo do universo que se pesquise tais amostras podem ser escolhidas, e La Vieja não disse necessariamente impostas pela hipótese de estudo, mas sim escolhidas, de modo absolutamente aleatório, sem nenhum prejuízo à pesquisa, o que implica que, ainda de acordo com a hipótese anterior, no universo das batatas-inglesas brancas de 12 a 18 centímetros de perímetro cronicamente violentas considerado possa ser estudada qualquer batata-inglesa branca de 12 a 18 centímetros de perímetro que tenha manifestado o referido comportamento, e isso a fim de se descobrir se ele pode decorrer ou não de atividades tuberculares reduzidas. Brancas, evidentemente.

Esse parece ser o caso do estudo dos cientistas farrapos. E se é assim, nada, absolutamente nada justifica que a amostra livre e deliberadamente escolhida pelos cientistas, no universo dos adolescentes cronicamente violentos considerado, não pudesse ser formada por adolescentes cronicamente violentos que não cumprem medidas sócio-educativas. Qualquer adolescente com comportamento cronicamente violento, portanto, poderia fazer parte da referida amostra, tais como, por exemplo, como bem lembrou a Palestina em sua brilhante série de comentários à referida pesquisa, adolescentes reiteradamente envolvidos em infrações de trânsito de algum modo danosas à vida e mesmo reiteradamente envolvidos em pelejas urbanas, como soem digladiar-se os vulgo pit boys, ou algo que o valha, em geral covardemente. Desse modo, pelo menos um dos critérios utilizados pelos cientistas a fim de, reitero, livre e deliberadamente escolherem sua amostra, portanto, deve ter sido o de não se possuir, ou não se dirigir, automóveis, ou não se freqüentar academias, o que, se não diz muita coisa acerca do que tais adolescentes são em si mesmos, pelo menos nos diz muito sobre suas origens sociais.

Portanto, se a hipótese é a de que pode ser o comportamento cronicamente violento de alguns adolescentes uma conseqüência de atividades reduzidas no córtex pré-frontal, setor do cérebro ligado a tarefas mentais que envolvem juízos morais, prová-la implica que qualquer cérebro farrapo adolescente supostamente portador de tais atividades reduzidas é passível de democráticas ressonâncias magnéticas em busca desse elo perdido, com o qual sonham alguns deterministas, e não somente aqueles cérebros que cumprem medidas sócio-educativas na Fase. Como os possíveis portadores dessa boa-nova aos homens de boa vontade supostamente são todos aqueles adolescentes cujo comportamento pode ser dito como cronicamente violento, já que esse parece ser uma conseqüência daquele, qualquer adolescente que assim se comporte pode fazer parte da amostra. Do contrário, ou seja, selecionando-se arbitrária e preconceituosamente a amostra, que é o que está acontecendo, parece que se toma de antemão como verdadeira a tese que precisa ser provada, a saber, que o comportamento cronicamente violento de determinados adolescentes é uma conseqüência de atividades reduzidas em certos setores de seus cérebros, uma vez que cronicamente violentos parecem ser somente os comportamentos de adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas, coincidentemente unicamente aqueles que terão seus cérebros mapeados, o que, em boa lógica, equivale à velha e boa petição de princípio.

Algumas das teses acima esboçadas parecem encontrar algum eco nos comentários de Marden Müller e da Palestina, com os quais La Vieja concorda plenamente.

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E em bom caminho está Marcelo Rech se se entende por polemista aquele sujeito que faz profissão de saber mais do que sabe e que não tem responsabilidade alguma para com as implicações daquilo que escreve. Como se vê, a escola mainardi-carvalheana está dando belos frutos

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Leituras relacionadas do La Vieja Bruja:

Coragem para fazer o que mesmo, cara-pálida?

"Castigos Domésticos"
Sobre vencedores, ainda



*Os grifos, em azul, são nossos.
Arte: Eugênio Neves
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Quando o “menor” não é meu

Por Elaine Tavares em seu blog

A cidade de Florianópolis, no sul do Brasil, está estarrecida diante de algumas informações que chegam aos correios eletrônicos como se fosse um rastilho de pólvora. Uma garota de 13 anos, de um colégio de gente endinheirada, teria sido estuprada por colegas, praticamente da mesma idade. Um dos garotos seria filho de conhecido empresário, outro de um delegado. Uma carta de mães indignadas – que o colégio nega que sejam de lá – descreve a atrocidade com riqueza de detalhes. Nenhuma informação saíra na imprensa porque, dizem as mães, um dos estupradores é filho do dono de uma rede de comunicação. O jornal Diário Catarinense deu uma nota no dia 30 de junho, lacônica, divulgando o ocorrido, mas, alertando para o fato de que como todos são menores de idade o inquérito segue sob segredo de justiça. Nenhum nome, nenhuma informação a mais.

Muito bem. Corretíssima nota do DC. Quando são menores os envolvidos em crimes, não se divulgam nomes, não se publicam fotos. E mesmo se são maiores e não há flagrante, não se poderia divulgar porque haveria apenas uma presunção de crime. Os nomes só poderiam ser divulgados depois de as pessoas terem sido julgadas. E as fotos, só publicadas com a autorização do vivente. Mas, claro, isso só vale para os que conhecem a lei, no caso, os ricos, que podem ter bons advogados. Com os pobres, tudo é liberado.

Seria bom que o DC agisse assim em todos os casos que envolvessem adolescentes infratores. Seria bom que os jornais preservassem o direito dos menores, impedindo assim que eles ficassem marcados para o resto da vida por conta de alguma infração cometida nesta idade “tão problemática”. Mas ocorre que este debate está eivado de um recorde de classe. Quando são os pobres que cometem crimes, o que está implícito nos informes que nos chegam via TV ou jornal é de só poderiam acabar assim. “Não tem educação, não tem chances, estão fadados ao fracasso”. Como se isso fosse coisa natural. E não é assim. O prefeito Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, chegou ao absurdo de chamar as mulheres pobres e negras que vivem nos morros de “fábricas de marginal” porque, afinal, é de seus ventres que saem os filhos da pobreza.

Mas e quando quem comete um crime é um rico? Como a coisa anda? A primeira tese que se levanta é que a criatura deve ter algum problema mental. Vide o caso da loira que matou os pais, num fato que ficou semanas no ar. Pois é assim. Já se é um pé rapado quem mata os pais, aí está certo. É quase óbvio, é “da sua natureza”. Um juiz que rouba o INSS é protegido pela polícia federal. Jovens que matam um homossexual não tem seus nomes revelados para não terem seu futuro estragado. Não são menores, só ricos. Os canalhas que falsificam licenças ambientais, porque são empresários freqüentados por artistas e governadores são escoltados por agentes públicos, sem autorização para fotos. Depois, quando são soltos seguem suas vidas entre champanhes e festas. Nada os marca para sempre. Nada.

Agora este caso da garota violentada é mais um para esta triste estatística. Ficará em segredo de justiça para não manchar a vida dos garotos. Certamente haverão de se defender teses sobre graves problemas que teriam estes adolescentes, porque só isso poderia explicar tamanha infâmia, tamanha crueldade. Não é da natureza de jovens bem-nascidos cometerem atrocidades. Vamos lembrar os que queimaram o índio Galdino, hoje vivendo muito bem, em cargos públicos até. “Foi uma fatalidade”.

Ah! A hipocrisia burguesa! Todos os dias, em cada lugar deste mundão de deus os ricos estão violentando as gentes. De todas as formas. Parece ser da natureza de quem domina permanecer na impunidade. Por isso eles criam exércitos, milícias, leis, justiça. Porque estas coisas existem para eles, para proteção deles. É por isso que os gritos de “justiça, justiça” dos que estão à margem, fora do centro de poder, se perdem no vazio. A justiça é uma invenção dos poderosos para sua própria proteção. Só a eles serve. Vez em quando se dá uma vitória a um pobre para que o povo tenha a ilusão de que é possível confiar no sistema. Bobagem! Lei não é sinônimo de justiça.

Dou um exemplo de uma comunidade indígena dos Andes, por exemplo. Lá, se alguém viola o código da comunidade, é punido exemplarmente. O coletivo não pode ser maculado pela ação individual. A comunidade depende da harmonia. Se um homem mata outro ele não vai preso. Ele é obrigado a sustentar por toda a vida a sua família e a do outro que ele matou, vivendo essa vergonha para sempre. Porque um homem morto é um braço a menos na construção do coletivo. São regras simples, de comunidades simples.

No mundo capitalista a justiça é individual. Um homem morto é só um homem morto num universo de milhares de braços sobrantes. Uma peça, que é trocada, sem dor. Não há uma quebra no equilíbrio, porque é cada um por si. Por isso às famílias agredidas só resta chorar.

É o que ocorre agora, em Florianópolis, neste triste caso. A família da garota violada buscará justiça. Achará? O que devolve uma inocência perdida? O que recupera toda essa dor de nunca mais poder confiar em alguém? Como se retoma o equilíbrio numa sociedade medida pelo individualismo e pelo consumo? Quem se importa com essa dor? Haverá uma indignação momentânea e o caso cairá no esquecimento, como sempre é numa sociedade eternamente a espera do próximo espetáculo? Num estado dominado por um monopólio de comunicação, qual será a repercussão disso tudo?

Este é o estado da coisa. E deve ser pensado no seu todo. Os finos salões da burguesia também são capazes das coisas mais sórdidas. E não é por problema mental não. Só que aos poderosos tudo parece permitido. Até quando? Até que as gentes mudem este panorama, construindo uma outra sociedade que não esta, dominada pelo dinheiro de alguns. Porque hoje, aqui, neste modo de organizar a vida, a burguesia, por exemplo, pede histericamente a redução da idade penal para conter a violência cada dia maior. Mas, não é para todos. Isso vale apenas para quando o “menor” não é seu.

Arte/adaptação: Eugênio Neves

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