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O dia em que Mano Changes me representou melhor do que Raul Pont

É duro admitir, mas no caso da Lei Policarpo Quaresma, de autoria de Raul Carrion Jr. (talvez possamos nomeá-lo, no espírito da lei, e brincando um pouco, Raul Carrião Jr., ou Raul Carniça [é a tradução de "carrion" -- outras traduções possíveis são "asqueroso", "vil", "repugnante"] Jr., isso se não for o caso de traduzir "júnior" do português que falamos para algo mais luso, como farei aí embaixo, ainda brincando com a proposta), o pobre do deputado Mano Changes me representou muito melhor do que Raul Pont, apesar desse último ter levado meu voto.

(Aliás, se valer o espírito da lei, o deputado Mano Changes vai virar o deputado Irmão Mudanças!)

Isso porque, de acordo com a planilha de votação do dia 19 do projeto de lei 156/2009, de autoria de Raul Policarpo Quaresma Carrião Filho-de-um-Pai-do-Mesmo-Nome (é minha lusificação de "júnior"), o PT, o PDT, o PSB decidiram passar o vexame de aprovar um projeto ingênuo, inócuo e inoportuno do muitas vezes engraçado PCdoB. Já Mano Changes e a bancada do PP trataram o projeto adequadamente, ou seja como uma besteira. Aliás, na matéria do Sul21 sobre o assunto, só os deputados do PP falam algo sensato:
Posição bem distinta da defendida por Frederico Antunes (PP). Para o progressista, a maior parte das expressões atingidas pela proposta de Carrion já estão incluídas até mesmo nos dicionários. “Estamos discutindo uma questão de importância menor. Faríamos melhor se nem tentássemos legislar a respeito dela”, criticou Antunes. “Estamos pedindo que sejam traduzidos termos que usamos diariamente, que somos capazes de ler e compreender imediatamente o significado”. Jorge Pozzobom (PP) reforçou essa posição, dizendo que, em tempos de globalização, uma proposta dessas não faz sentido e que por isso o seu partido votaria contra o projeto.
Eis a ementa da lei:
Institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua portuguesa, sempre que houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências.
O insano projeto de lei supõe, falsamente, que as pessoas não falam usualmente na sua língua nativa, a qual é o português, e o qual cada falante enriquece a cada novo ato de fala.

(Como diz belamente o Merleau-Ponty, há a língua nova que surge, a língua falante, e a língua repetida, isto é a língua (já) falada. Há a língua falante que vai surgindo dos primeiros contatos com as novidades, que é como se fosse uma lufada de ar fresco na língua, e há essa língua falada, a qual simplesmente rumina o que antes foi experimentado. A expressão nova da fala falante é fundamental, pois sem ela não haveria a fala falada, aquela que é mera repetição no presente do que foi um contato com a novidade no passado. Falar é inventar, pois ser gente é ser falante, e ser falante é ser, antes de tudo, criativo. Se o fruto de tudo isso ofende os ouvidos dos lusófilos, pior para eles. Aceitar o humano é aplaudir a criatividade.)

A tolíssima lei exige que as pessoas "traduzam" (sic) o que falam e escrevem (mas suas línguas!) para uma língua que (sic) não seja estrangeira (ou seja, ou falantes nativos não falam a língua nativa, o que é bizarro).

Isto é, de acordo com a lei aprovada pelo parlamento gaúcho, com total apoio da bancada do PT, é ilegal se expressar na língua com a qual você pensa, pois esta não é sua língua nativa (sic!), mas sim (sic) uma língua estrangeira, a qual estranhamente você aprendeu convivendo com os falantes da língua nativa, não com um estrangeiro.

Daí, o que você deve fazer?

Bem, creio que você vai ter que andar com um português de Portugal a tira-colo, para que ele transforme o que você diz na sua língua nativa que é estrangeira (!) para a língua nossa (sic), a qual é falada por um português, logo um... estrangeiro.

Eu confesso que esperava mais do PT, e mais do Raul Pont, que é uma pessoa instruída.

A ingenuidade da lei vem do fato de que talvez até o tupi seja "estrangeiro", no sentido de ter palavras de línguas que o formaram.

O inócuo da lei vem do Houaiss registrando tudo o que de fato usamos, tornando qualquer "estrangeirismo" que fere aos ouvidos dos lusófilos (já voltarei a isso) em palavra do português -- e fazendo isso corretamente!

O inoportuno da lei vem da tentativa de moldar de uma maneira tolíssima o pensamento e a expressão.

Os defensores da lei simplesmente não sabem o que é uma língua viva, pois línguas são como rios: o que era Solimões vira Amazonas, o que era Amazonas vira Oceano Atlântico, o que era Oceano vira chuva...

Ou seja, "estrangeirismo" hoje, a língua "pura" (hahaha) amanhã; latim ontem, português hoje.

O Zé Porcher deu um exemplo simples: houve um tempo em que a palavra "alface" não era uma palavra nativa, mas hoje é.

O melhor texto sobre o assunto ainda é "A idioletice de Aldo Rebelo", publicado em 2007 pelo Idelber Avelar, quando o sr. Aldo Rebelo veio com proposta semelhante para a federação (e tentou tirar uns trinta mil reais do bolso do artista Millôr Fernandes por chamar a proposta de "idioletice").

Eu espero que o governador Tarso Genro leia esse texto, caso tenha alguma dúvida antes de vetar a lei. Reproduzo o trecho central:
Para resumir o que colegas mais pacientes que eu diriam de outra forma, o projeto de Aldo Rebelo contra os estrangeirismos é de imbecilidade: 
a) sociolinguística, porque ignora que sobre a língua viva não se legisla. 
b) filológica, porque não sabe que a evolução da língua inclui a incorporação de vocábulos estrangeiros. Ou será que a digníssima esposa do deputado usa porta-seios, ao invés de sutiãs? Será que ele ignora que este último foi, um dia, um vocábulo estrangeiro? 
c) pragmática, porque ignora que cada falante, individualmente, tenderá a ter a capacidade de selecionar os estrangeirismos adequados para cada contexto e, no caso de não fazê-lo, a própria interação subseguinte com os outros falantes atuará, corrigindo-o. 
d) psicolínguística, porque quer cercear legislativamente o leque de escolhas lexicais do falante da língua. 
O governador Tarso Genro é uma pessoa instruída, e pelo jeito vai vetar o projeto. A saída elegante pra não ofender a turma que votou a favor é consultar os especialistas.

Ainda bem!

Nenhum especialista de verdade na língua aceitaria um projeto tolo como este, assim como nenhum físico aceitaria um projeto de lei que revogasse a lei da gravidade, porque a mesma é uma das causas das dores nas costas.

Volto ao ponto que toquei acima, a lusofilia.

É claro que nem o deputado Raul Carrião nem o deputado Aldo Rebelo sabem o que é uma língua, pois do contrário não proporiam seus estranhos projetos antigravitacionais, tentando legislar sobre a língua viva, o que é mais ou menso o mesmo, no nível da confusão, que tentar modificar a configuração do Orkut com uma chave de fenda.

Uma matéria da Zero hora dá a entender que ele usa "centro comercial" pra "xopicenti", e "telefone inteligente" pra "smart phone".

Até aí, tudo bem, pois cada um fala como quer.

O estranho é ele achar que fala de maneira (sic) menos estrangeira do que os seus vizinhos, o que me faz rir de cuspir a farofa no monitor.

Como o Idelber postou no Facebook, o Houaiss de 2008 já traz, como termos do português (e do que mais seria??!), "shopping center" e "centro comercial". E acontece que não são sinônimos!

Se prestassem atenção à língua e ao dicionário, ao invés de prestar atenção a fantasias ingênuas, Rebelo e Carrião saberiam disso.

"Shopping center" é uma expressão do português que designa um centro de compras que tem uma arquitetura específica. Logo, não é sinônimo de "centro comercial", e o Carrião simplesmente tá se expressando mais ou menos em português ao usar "centro comercial" em um caso onde seria mais preciso usar "shopping center".

Mas talvez o espírito da sua lei seja outro, e bem pior, dado que a atenção e o respeito pelos estudiosos da língua é zero.

Talvez o espírito seja de ilegalização do trabalho do dicionarista que descreve a língua viva, sem colocá-la em um espartilho lusófilo. Se assim for, o que seria um cenário lamentável, ao invés de elogio ao dicionarista que dá conta da mutação da língua viva, haveria punição a ele por não manter uma suposta pureza lusófila.

Daí, se me perdoam a expressão, estaríamos f_d_d_s, como sempre estamos nos casos nos quais as leis prescrevem algo que simplesmente vai contra aquilo que as melhores teorias descrevem como sendo a realidade, a qual não pode ser abolida por ninguém, muito menos por quem vive no mundo da fantasia.

Nesse caso estaríamos mal porque uma preferência estética, a lusofilia, estaria impedindo a adequada descrição da realidade.

Nada contra as preferências estéticas, mas impô-las aos outros como verdades é o caminho pra intolerância, pro preconceito, pra discriminação e pra violência.

Para comparar, há boas razões para crer que boa parte da oposição à união civil homoafetiva é estética, dado que as pessoas que a rejeitam a consideram repugnante, e daí, via racionalização, propõe sua proibição.

Na realidade há gente que ama gente do mesmo sexo, há gente que ama gente de outro sexo, e há outras variedades. Muitas outras.

Nenhuma preferência ou repugnância estética pode impedir isso.

Do mesmo modo, há gente que fala de maneira lusófila, e há gente que fala de outras maneiras.

Nenhuma preferência ou repugnância estética deve impedir isso.

Esperemos que tal tentativa de imposição estética não esteja ao fundo dessa lei. Mas façamos isso exigindo que nossos legisladores deixem claro o que propõem, e façam isso respeitando o melhor conhecimento disponível sobre a natureza e o funcionamento da linguagem, não meras fantasias ou preferências estéticas.
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Como traduzir qualquer página de praticamente qualquer língua

Para desespero dos que não acham importante auxiliar os monoglotas, ainda que de maneira longe do perfeito, eis um método para traduzir qualquer página com um único clique do mouse:
  1. Entre no Google Tradutor.
  2. Clique em Ferramentas e Recursos.
  3. Desça até "Faça traduções com um clique na barra de ferramentas do seu navegador".
  4. Clique no botão (texto com fundo azul) "português", mantendo pressionado o botão direito do mouse.
  5. Arraste o botão até a barra de endereços que aparece no alto do seu navegador, logo abaixo de onde você escreve "www." para entrar em uma página.
  6. O botão vai aparecer no local que você colocou.
  7. Para usar a tradução automática, primeiro entre em uma página em praticamente qualquer língua estrangeira, depois clique no botão "português" da barra de endereços. Em alguns segundos a tradução estará pronta.
  8. Aproveite!
Outra opção é usar o Google Chrome.
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Cerveja Fucking Hell

Controversial Brand Name: German Firm Wins Right to Make Beer Called 'Fucking Hell' - SPIEGEL ONLINE - News - International:
"A autoridade de marcas da UE permitiu uma empresa alemã de fazer cerveja e vesti-la sob o nome de "Fucking Hell". Pode ser um palavrão em Inglês, mas em alemão poderia se referir a uma cerveja light - Hell - a partir da cidade austríaca de Fucking. Se ele vai ser fabricado lá é outra questão."
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Brasiliana, biblioteca digital da USP

http://www.brasiliana.usp.br/

Ótima coleção de clássicos brasileiros em ótimas versões eletrônicas. A USP está de parabéns.

Destaco a gramática do tupi de José de Anchieta, publicada em 1595.

Via P2P.
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Três equívocos de Aldo Rebelo (Brasil)

As opiniões de Aldo Rebelo são sofríveis em três áreas:

1 - visão equivocada sobre a relação entre reservas indígenas e fronteiras. Equivocada, pois é *função* das forças armadas defender as reservas, obviamente adentrando-as e patrulhando-as. Os indíos são garantias da nossa soberania, pois ocupam o território que é patrulhado pelas forças armadas. Aldo Rebelo deveria ler com calma as leis propostas, ao invés de chafurdar nos preconceitos.

2 - visão equivocada sobre o Tibete: para Aldo Rebelo, este país deve pertencer à China, pois foi anexado faz 700 anos. Esta é a falácia da origem, ou falácia genética: algo deve ser tal-e-tal agora porque era tal-e-tal no passado. Mas uma coisa é independente da outra. É feio confundir fato e direito assim desse jeito.

3 - visão equivocada sobre a língua: para ele o uso de estrangeirismos deve ser considerado infração, e punido como tal. Isso é um equívoco apoiado em uma visão tola da linguagem. Um linguista responderia, depois de parar de rir, que línguas são dinâmicas, e o que é estrangeirismo hoje, amanhã parece a mais autêntica demonstração de amor à língua pátria. O escritor Millor Fernandes disse que tal visão é uma idioletice de Aldo Rebelo, e foi condenado a pagar 30.200 reais em indenização ao deputado por isso.
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"Mas" é parecido com "e", mas é diferente (Língua)

Adoro as conjunções "e" e "mas". Elas são tão parecidas, mas tão diferentes.

Elas são parecidas na estrutura: requerem dois elementos, A e B, e requerem que os elementos sejam o caso.

Assim, para que "e" seja o caso, em "A e B", é preciso que A e B sejam o caso.

Para que "mas" seja o caso, em "A, mas B", também é preciso que A e B sejam o caso.

Isso quer dizer que as condições de verdade de "A e B" e de "A, mas B" são as mesmas. Mas "e" e "mas" têm significados diferentes. Enquanto "e" apenas pede que A e B sejam o caso, "mas" exprime restrição de B em relação a A.

Assim, para dar conta do significado de "mas" é preciso dar conta dessa expressão de restrição, a qual está ausente de "e". E não adianta apelar para as condições de verdade, pois "e" e "mas" têm as mesmas.

Pro meu gosto, a melhor maneira de lidar com isso é a de Maj-Britt Mosegaard Hansen, professora da Universidade de Manchester. No seu livro sobre advérbios, Hansen nos dá razões para tratar os significados das palavras como instruções aos ouvintes, e essa base funciona muito bem para o caso de "mas".

Assim, para dar conta da semântica de "mas", consideramos que o falante de "A, mas B" está instruindo o ouvinte a construir um modelo de A, um modelo de B, e a considerar que B restringe A de alguma maneira.
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