Três mitos sobre a eleição de Dilma
Dois pesos
Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.
Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.
Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.
Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.
O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".
Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano. Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.
Você que acreditou naquela manifestação recheada de oposicionistas ao governo Lula na defesa da liberdade de imprensa ocorrida no Largo São Francisco, apoiada pelos grandes jornalões, o Estadão à frente, não será fácil entender o que é liberdade para essa gente. Um mero ato de campanha eleitoral. Afinal, como explicar agora que o Estadão demite uma jornalista por escrever um artigo que simplesmente coloca a verdade no devido lugar, embora seja indigesto para a turma oposicionista.
Mesmo que discorde do teor da matéria, a verdadeira liberdade de imprensa deveria garantir o direito à diversidade de opiniões. Se o jornalista não tem liberdade para exercer sua profissão, como podemos classificar a imprensa de livre.
O jornal quando explicitou seu apoio ao candidato José Serra fez questão de afirmar que isso não significava interferência no conteúdo da cobertura jornalística. Talvez seus profissionais tenham acreditado naquela lorota. Porém, na primeira matéria que trata de dar um equilíbrio à produção jornalística, o Estadão simplesmente pune a jornalista com a demissão.
Agora vocês entendem o significado de liberdade de imprensa para Estadão/Folha/Veja/Globo, bem como para os DEMOS-TUCANOS.
Lembrete: Poucos dias atrás, Andréia Neves, irmã de Aécio Neves, reuniu-se com o jornal Hoje Em Dia, de Belo Horizonte. Logo após a reunião, o editor de Política do jornal, Orion Teixeira, foi demitido, depois de 20 anos no cargo. O jornalista tinha reformulado a linha editorial que culminou com a produção de matérias investigativas. Curiosamente, após a vista de Andréia Neves, o jornal voltou a fazer matérias de apoio a Anastasia e Aécio.
Menos imposto é mais dinheiro no bolso?
Debate político para gente grande
É muito delicada a discussão que tem tomado corpo sobre a tese de que o "lulismo" interdita o debate político. Do lado da direita, os argumentos usados para sustentar a afirmação têm sistematicamente misturado temas discutidos intensamente há pelo menos duas décadas entre os movimentos sociais e organizações da sociedade civil, subtraído as suas conclusões, ajuizado um "viés autoritário" - principalmente quando elas se referem à democratização da comunicação e aos direitos humanos - e as "denunciado" como decisões ou intenções de governo. É suprimida a informação de que houve um intenso debate nesse processo, porque isso desautorizaria a conclusão de que o governo é autoritário; e também se omite a informação de que a discussão envolveu agentes sociais no máximo mediados por organizações de governo, porque isso tiraria o caráter governista que se pretende dar a essas idéias.
Do lado da esquerda, a interpretação é a de que um líder populista com grande poder de atração sobre setores populares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à frente de um governo mais permeável a reivindicações dos movimentos sociais e com uma ligação histórica com o sindicalismo, seria desmobilizador por definição e o grande responsável pelo "descenso" das lutas sociais. Não apenas o debate político à esquerda seria interditado pela mobilidade do governo Lula junto aos setores populares, mas as próprias conquistas populares estariam relativizadas pela falta de conflito. Uma conquista social, por essa visão, apenas é legítima quando fruto de uma luta, de um sacrifício - uma visão épica do socialismo.
Essas visões padecem de alguns vícios. Primeiro, partem do diagnóstico de que o único responsável pelo agendamento do debate é o governo. Isso não é verdade. Embora Lula exerça uma liderança carismática sobre grande parcela da população, foi um presidente que caminhou quase dois mandatos sobre a trilha de agendamentos dos dois maiores partidos oposicionistas, o DEM e o PSDB, excessivamente reverberada pela grande imprensa. A agenda, inicialmente, teve como parâmetros de julgamento a pauta neoliberal do período anterior - à qual, diga-se de passagem, o primeiro governo Lula esteve perfeitamente adequado. Como as divergências na área econômica foram muito reduzidas no primeiro período, o tema moral passou a pautar exclusivamente o debate da oposição, sem que o governo pudesse interferir nessa dinâmica, já que não influencia os principais meios de comunicação. Nos dois casos, da agenda neoliberal e da agenda neo-udenista, o debate político tende a ser restrito - no primeiro caso, porque se parte do princípio de que não existe inteligência na discordância; no segundo, porque um clima permanente de agressão não leva a qualquer conversa em profundidade. É apenas uma luta de boxe.
O que teoricamente deveria ser um debate político sobre a ética, no entanto, não aconteceu, pelo menos do lado institucional. A política ascendeu rapidamente às páginas policiais dos jornais sem que em nenhum momento se tenha debatido como proceder a uma renovação de quadros políticos e como dar substância ideológica a partidos que, relativamente novos, já apresentam sinais de senilidade.
Marginalmente, o debate ético ganhou a sociedade civil via movimento Ficha Limpa que, embora seja pelo menos uma iniciativa, não teve capacidade de manter mobilizados seus atores para fazer um diagnóstico mais profundo sobre as mazelas do sistema político brasileiro. Aliás, sem uma discussão e uma ação política que encare com igual urgência as deficiências da Justiça, a lei poderá se constituir, no futuro, num importante instrumento nas mãos das oligarquias estaduais, que têm ainda forte influência sobre as justiças estaduais - quando não nas instâncias superiores -, e a política continuará sendo o refúgio para malfeitores que usam o mandato legislativo como peça de defesa, valendo-se do foro privilegiado. Estes dificilmente terão uma condenação que lhes suprima o direito de se candidatar.
A outra visão, de que o governo traz em si o poder de desmobilizar os movimentos sociais, é relativa. De fato, o Bolsa Família desarticulou importantes agentes de mobilização popular, mas os movimentos sociais vinham de um período de esvaziamento anterior - assim como os sindicatos -, no período em que seus adversários venderam com relativo êxito o peixe de que as diferenças de classe tinham acabado, e uma conjuntura permanente de estagnação tirou o poder de fogo das lutas reivindicatórias.
A recolocação em pauta do debate político não é, portanto, um assunto e uma responsabilidade só de governo. Não se sustentaria dessa forma, aliás, porque o governo tem um poder de agenda restrito. E esse debate é de interesse da situação e da oposição, tanto à esquerda como à direita. Isso porque todos os atores que se movem na cena política são parte hoje de uma grande crise de representatividade. Falta debate político porque os partidos têm falhado no papel de mediadores de setores sociais e de formuladores de projetos políticos. E têm falhado porque não conseguem dar substância e matéria-prima para a unidade interna, já que são partidos de quadros que pedem votos ostentando discursos baseados quase que exclusivamente no discurso pessoal - "eu sou", "ele é".
Um sistema político sem partidos que mereçam esse nome tem se mostrado incapaz de dar um efetivo salto do país para uma verdadeira democracia. O sistema político brasileiro é o próprio entulho autoritário; existem quadros partidários importantes que são uma pesada herança da ditadura. O sistema mostra-se incapaz de se renovar, formar novas lideranças, atrair valores novos da sociedade civil. A forma como os partidos lidam com isso, quando fazem oposição, e o modo como repercute essa atuação em setores que se identificam com eles, consolidam um preconceito com a política que apenas contribui para afastar ainda mais os bons quadros.
O único jeito de resolver isso é conversar sobre política que nem gente grande.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
Renda para os haitianos (Justiça às terças)
Entre quarta-feira [13 de janeiro] e sábado [16 de janeiro], caminhar pelas ruas do centro de Porto Príncipe e de Pétionville era observar o civismo dos haitianos que, muitas vezes, e como nós, sem entender claramente o que havia acontecido, procuravam cuidar dos feridos, resgatar aqueles que ainda estavam vivos sob os escombros, e dispor de seus mortos. O que vimos foi, de um lado, solidariedade, de outro a ausência quase que total e absoluta das forças da ONU e da ajuda internacional.
Bolsa Família: Uma resposta à altura do Ministro Patrus à Globo
A emissora, sob a orientação de Ali Kamel, sistematicamente ataca o programa que é sucesso reconhecido por estudiosos do Brasil e do mundo. Aliás, o Bolsa Família é modelo de políticas públicas que o governo Lula tem exportado para outras nações. Os próprios organismos internacionais reconhecem a importância do programa para o combate à desigualdade social e geração de renda. A Globo, por outro lado, não se conforma com o fato de que parcela ainda pequena dos recursos do Estado é distribuída para os mais pobres.
Sobre o ministro Patrus Ananias, esse blog defende sua atuação política. É, sem dúvida, um dos melhores ministros do governo Lula. Sob sua batuta, os programas sociais foram consolidados, melhoraram a gestão e tiveram avanços significativos. Para quem conhece o trabalho de Patrus mais tempo, isso não é novidade. Além disso, o ministro é uma grande reserva ética e moral do PT, a figura mais expressiva do PT mineiro.
Esse blog defende Patrus 2010 presidente. É uma candidatura com forte apoio de Minas e Rio, e com facilidade de penetração nas regiões Norte e Nordeste do país. Não tenho dúvidas de que é o melhor candidato do PT para vencer José Serra, o provável candidato do PSDB. Mas como a ministra Dilma largou na frente, sendo a preferida do presidente Lula, Patrus Ananias deverá caminhar para o governo de Minas. Aliás, Dilma também é uma boa escolha, embora não saiba dizer até que ponto sua inexperiência política não pesa na dura campanha eleitoral de 2010. Não tem nada de Pimentécio, esse blog apóia o candidato Patrus em 2010. Segue o post do Crápula-Mor:
Resposta do Ministro Patrus sobre a Globo
Nos próximos textos, vou compartilhar com os leitores um pouco da minha experiência no Forum Social Mundial. Começo com o que considerei o ápice da minha trajetória no evento. Depois de descobrir que não haveria um debate sobre Cotas Universitárias, organizado pelo programa de pós-graduação em Direito da UFPE, que eu pretendia assistir, comecei a rondar pela UFPA. Parei em um auditório, onde corria o boato de uma atividade com a presença do Ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Acabou ali a minha andança. Peguei um material do Ministério do Des. Social (muito bem produzido) que estava disponível, sentei em uma poltrona lá na frente, e fiquei esperando. Não demorou e começaram a chegar os integrantes da mesa: professores, prefeitos, representantes de ONGs e, para minha surpresa, o Senador Eduardo Suplicy! Desprendido, o Senador começou ele próprio a distribuir aos presentes livros de sua autoria: o Relatório de Viagem ao Iraque e Renda Básica de Cidadania. Mais tarde, depois que muitos já haviam falado, chegou o Ministro Patrus Ananias, ex-prefeito de Belo Horizonte, hoje responsável pela Rede de Proteção Social do Governo Lula, que inclui o Bolsa Família.
O debate se deu entre aqueles que defendem, como o Senador Suplicy, uma Renda Básica de Cidadania assegurada a todo e qualquer cidadão brasileiro, rico ou pobre, e os que acreditam que, no momento, os programas sociais devem focar nas pessoas mais carentes, posição do Ministro Patrus. O debate foi profundo, de alto nível, amigável e até descontraído, já que a todo o momento tanto o Ministro quanto o Senador faziam questão de reafirmar a amizade que têm. Seria até leviano tentar reproduzir um debate de mais de 3 horas. Mas, basicamente, os defensores da Renda Básica geral e irrestrita alegaram que os Governos que experimentaram esta proposta tiveram os resultados mais expressivos na desconcentração da renda, o modelo acaba com a vergonha por parte daqueles que recebem o benefício (já que seria direito de todo cidadão), e ainda dispensa as contrapartidas exigidas pelo Governo – como freqüência escolar e vacinação – que podem retirar o benefício de pessoas que realmente precisam. Do outro lado, o Ministro Patrus alegou que não é possível comparar a situação do Brasil com a de outras nações e que, pelo menos por enquanto, é melhor distribuir os recursos da área Social para programas voltados apenas para a população mais pobre, historicamente mais atingida.
Ao final das falas, abriram para perguntas. Claro, levantei a mão. Perguntei aproximadamente o seguinte: “Ministro Patrus, eu gostaria de trazer a discussão para o campo da Comunicação. Ontem mesmo, o Bolsa Família foi pauta do Jornal Nacional. Na matéria, mostraram uma moça que recebe o auxílio, dizendo que preferia que a renda viesse de um emprego, e um especialista, dizendo que o Governo deveria investir mais e gastar menos. Sendo ‘o gasto’ o Bolsa Família. Matérias como essa dão a entender que Programas de Transferência de Renda inibem ou prejudicam a geração de emprego. Entretanto, a realidade mostra justamente o oposto. Como o Senhor avalia a relação da mídia com a temática da transferência de renda?” Não sei nem se eu teria autorização para divulgar a resposta, mas já que são temas públicos...
Patrus Ananias foi categórico! Não tive como registrar as palavras exatas, infelizmente. Mas o Ministro falou que os Programas Sociais têm grandes inimigos, a Rede Globo é certamente um dos maiores. Disse que já ouviu de editores globais que eles respeitam a pessoa do Ministro, sua trajetória, mas são contra os Programas do Governo. Para Patrus, é nítida a má vontade da mídia para com as ações do Desenvolvimento Social, pois existe uma verdadeira disputa pelos próprios recursos da nação.
Enquanto os Governos anteriores investiam em infra-estrutura, para que a classe empresarial fosse beneficiada, este Governo destina parte dos recursos públicos para a população mais pobre. O discurso do “mais investimento e menos gasto” está mascarando uma falácia: de que o desenvolvimento econômico por si só garante avanço social. Para o Ministro, isto não procede, já que o próprio Brasil teve momentos de grande crescimento econômico, mas a pobreza e a miséria persistiram. Daí a necessidade de Políticas Sociais. Ficou claro que o Bolsa Família não está isolado, mas compõe toda uma rede de Programas, que também incluem capacitação profissional, doação de equipamentos, compra da produção de pequenos agricultores, financiamento pelo Pronaf, democratização do acesso à água (com Cisternas) e à eletricidade (com o Luz Para Todos), Restaurantes Populares, enfim. Uma série de medidas que substituem 'assistencialismo' por Políticas Públicas de Desenvolvimento Social, e resgatam brasileiros da situação de miséria e pobreza, incluem massas no mercado de consumo – o que gera um efeito multiplicador e beneficia toda a economia, e garantem o direito constitucional ao mínimo de dignidade, à segurança alimentar, à vida.
Bolsa família e a qualificação de trabalhadores
O resultado já começa a aparecer. Cerca de 10 mil beneficiários do Bolsa Família devem passar por um programa de capacitação para trabalharem na construção civil, operação de máquinas e em elétrica e mecânica. Isso porque o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome assinou ontem (dia 05/02) convênio com a Construtora Norberto Odebrecht (CNO) para utilizar o Programa Acreditar - que já é desenvolvido pela companhia para ensinar os trabalhadores das obras da Usina de Santo Antônio, em Rondônia - para capacitar os beneficiários do principal programa de transferência de renda do governo.
Claro, a oposição esperneia, faz barulho, tenta ganhar no grito. Não era de esperar uma reação muito diferente por quem propaga aos quatro ventos que o governo é ruim, ainda mais um elogio pela ação do governo. Também fica cada dia mais evidente que a maioria da população não está nem aí para o que diz a oposição, e o governo segue cada dia mais bem avaliado (é só ver a última pesquisa Census, Lula 84% de aprovação). Segundo a oposição, qualquer ação do governo, por melhor que seja para a população, é sempre com o objetivo para eleger o sucessor (a) do presidente Lula. Coisa mais óbvia, o estranho é se o governo preferisse ser derrotado nas próximas eleições. Mas o papel do governo é governar, é para isso que é eleito, e o papel da oposição é cobrar, ou melhor, estrondar a boca do trombone. Só que uma oposição inteligente tem que saber a hora de gritar para não dar um tiro no próprio pé. Caso o cobiçado senhor (a) eleitor (a) desconfie que o grito da oposição é sinal de que ela não preocupa com suas demandas, o eleitor (a) pode resolver deixá-la no mesmo lugar, ou seja, na oposição.
Nota: O programa de qualificação dos beneficiários do bolsa família é mais uma prova da excelente gestão do mineiro Patrus Ananias à frente do Ministério do Desenvolvimento Social. Meus parabéns ao ministro.
Governo amplia o alcance do Bolsa Família e oposição critica
O aumento no teto da faixa de renda para ingressar no Bolsa Família vai representar 1,3 milhão a mais de famílias beneficiadas neste ano, segundo informou o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Atualmente, 11 milhões de famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família. Com o aumento, o programa passará a abranger 12,3 milhões no decorrer deste ano. A inclusão das novas famílias será feita de forma escalonada. Em maio, serão incluídas 300 mil. Em agosto, 500 mil e mais 500 mil em outubro.
Desde o início do agravamento da crise internacional o governo vem tomando uma série de medidas para manter o nível da atividade produtiva, preservando emprego e renda. Entre as medidas encontram-se liberação de compulsório para os bancos, incentivos fiscais (redução do IPI, por exemplo), liberação de recursos para o BNDES e outros programas específicos para os setores da economia. Um dos programas mais aguardados é o Plano Nacional de Habitação que pretende elevar em 50% o número de moradias novas construídas em 2009.
As medidas do governo são acertadas, pois preservam o emprego e renda. Todavia, a oposição política não levantou levante contra as medidas que beneficiaram o sistema bancário ou as montadoras de veículos. Mas, quando se trata de elevar o alcance do Bolsa Família, a oposição volta com aquela lenga-lenga de medida eleitoreira. Embora não haja eleição neste ano, o discurso tosco da oposição é como samba de uma nota só: qualquer medida para proteger a população mais pobre dos efeitos da crise é eleitoreira. Veja aqui na Folha On Line.
O senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, disse que a oposição vai tomar providências contra o "pacote social" de Lula. Segundo ele, a medida visa atrair eleitores para 2010. No raciocínio da oposição política, o governo não pode tomar medidas que beneficiem os mais pobres, justamente os mais sensíveis a momentos de crise internacional, mas somente aquelas que beneficiam setores mais privilegiados da sociedade (isto é, os eleitores mais fiéis do PSDB). É a essa a oposição política que temos hoje em dia.
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Banco Mundial: Uso de recursos do Bolsa Família é adequado
O que o executivo do BIRD disse apenas confirma as análises do banco feitas até agora com relação ao programa. Mas também mostra a falta de sintonia de nossa imprensa e da oposição política quando se trata de melhorar as condições de vida dos mais pobres. Na semana passada, publicamos neste blog sobre os preconceitos da imprensa brasileira na visão do BIRD com respeito aos programas sociais. Uma visão de fora das políticas do governo Lula mostra que elas são acertadas e contribuem para a redução da desigualdade social. Clique aqui para a matéria completa no Jornal da Mídia.
Clique aqui para saber tudo que foi publicado neste blog sobre o Bolsa Família.
Preconceitos da imprensa brasileira, segundo o BIRD
A preocupação do BIRD é quanto ao risco da opinião pública brasileira de não compreenderam os objetivos dos programas sociais. Ou seja, a mídia não exerce o seu papel de informar adequadamente a opinião pública. A verdade é que ela costuma fornecer desinformação para seu público. Nesse sentido, o déficit de informação aqui é gigantesco, em qualquer assunto que entra na pauta política.
Esse blog já escreveu sobre o partidarismo (clique aqui para ler) que se vê na mídia brasileira. Ultimamente, a mídia nem é mais direitista, esquerdista ou centrista, mas defensora de interesses puramente partidários. Passaram a ser meros defensores de projetos ou estratégias ligados ao PSDB, DEM e PPS, independente do mérito da questão. Ninguém mais defende nossos jornalões, até o BIRD pulou fora desse barco.
Este blog defende as idéias do Manifesto de Mídia Livre. Vejam o artigo abaixo:
Do Sítio do Partido dos Trabalhadores
Rui Falcão*
Uma avaliação do Banco Mundial (BIRD) sobre como a imprensa brasileira (escrita) cobre os fatos associados ao Bolsa Família constitui-se em testemunha eloqüente do preconceito, da má vontade, má fé e ignorância de grandes veículos de comunicação em relação ao programa e, por extensão, à implementação de ações do governo Lula em cumprimento ao preceito constitucional que obriga o Estado brasileiro a respeitar os direitos sociais.
Infelizmente, os leitores em geral, com exceção dos assinantes do jornal Valor Econômico, não puderam ter acesso ao conteúdo do documento, por razões óbvias: os meios de comunicação aos quais coube a carapuça recusaram-se até agora a divulgá-lo. É, pois, com o propósito de fazê-lo chegar ao conhecimento geral que transcrevo aqui o resumo, com base no que foi noticiado no Valor.
O Banco Mundial observa, de início, que a imprensa brasileira acompanha o Bolsa Família com atenção raramente vista em casos semelhantes no mundo, e tem preferência por mostrar mais as suas falhas que as suas virtudes. Assim, por exemplo, diz o estudo, a imprensa está mais preocupada com os desvios do programa – como a inclusão irregular de beneficiários – do que com eventuais imperfeições, como a existência de excluídos que deveriam ser contemplados e que por algum motivo não o foram ainda.
O documento informa que o Banco Mundial, ao contrário da imprensa nacional, avalia positivamente o programa e sugere a outros países que imitem a experiência brasileira. E, com tato diplomático, os pesquisadores do BIRD, para prevenir a opinião pública desses países quanto ao risco de incompreensão da natureza e dos objetivos do programa, a exemplo do que ocorre no Brasil, decidiram levar a eles também o debate estampado nas páginas dos jornais brasileiros. “O Bolsa Família é como jabuticaba, uma criação original do Brasil, que deu certo”, afirmou a pesquisadora Kathy Linders, do Departamento de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, uma das responsáveis pelo estudo, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Para a pesquisa, foram escolhidos seis jornais, três deles de circulação nacional, e acompanhados desde 2001, quando tiveram início, no governo FHC, programas de transferência de renda condicionada aos mais pobres, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação, reunidos pelo governo Lula no Bolsa Família.
Parêntesis, para um comentário: como era de esperar, o Banco Mundial, ao pressupor uma continuidade entre os programas de ambos os governos, deixa de lado a radical diferença doutrinária e política que distingue um do outro: os programas sociais de FHC, cunhados na ideologia neoliberal, limitavam-se a ajudar os pobres, aliviá-los das agruras da pobreza, assumida não como um produto da desigualdade gerada pela prevalência do poder das elites na gestão dos recursos públicos, mas como uma fatalidade, enquanto os do governo Lula visam a resgatar uma dívida social do Estado brasileiro, a atender aos direitos sociais, inscritos na Constituição Federal de 1988.
Para os neoliberais do Banco Mundial, e para os tucanos, que lhe são subservientes, as reivindicações sociais e culturais podem ser aspirações legítimas, mas jamais direitos. A visão neoliberal rejeita todo enfoque coletivo do direito: o indivíduo é o único sujeito juridicamente titular de direitos; e os violadores do direito somente podem ser indivíduos que devem assumir, como indivíduos, a plena responsabilidade. Ou seja, a pobreza é assunto restrito unicamente à esfera privada, nada cabendo ao Estado senão promover a “filantropização” das políticas sociais — no lugar do atendimento aos direitos sociais —, mediante estímulo a ações de “responsabilidade social” empresarial e iniciativas pontuais de primeiras-damas, como o programa “Comunidade Solidária” de FHC.
A visão neoliberal vê o mercado – e não o Estado - como o principal coordenador dos conflitos de interesse na sociedade e concebe essa sociedade composta por indivíduos atomizados. Dentro dessa lógica da suposta inexistência da sociedade, substituída pelo mercado, os indivíduos passam a ter de sobreviver por conta própria no mercado, em que são obrigados a competir uns com os outros e a incorporar maneiras de se tornarem competitivos. Aos menos capazes de se aliviar do fardo das desigualdades, resta perecer, assim como falecem as empresas ineficientes.
Retomando o estudo do Banco Mundial: desde 2001, quando o governo FHC passou a dar alguma atenção para os programas sociais, de cunho assistencial, o debate na imprensa foi pautado por avaliações favoráveis às transferências de renda. Já as críticas aos problemas de implementação aumentaram sensivelmente após 2003, ano em que assumiu o governo Lula. O número de artigos sobre a Bolsa Família publicados entre 2003 e 2006 foi quase o dobro do total de artigos sobre o tema, no governo FHC, observa o estudo.
Os pesquisadores constataram que, entre os “temas quentes” da imprensa, os relatos sobre fraudes e controles, que ocupavam 10% das matérias durante o governo FHC, passaram a constar de 50% dos artigos publicados, em 2004, no governo Lula. Nos anos seguintes, com a implementação das providências de controle e revisão do cadastro tomadas por Lula, o tema perdeu importância relativa, até ocupar menos de 20% dos artigos em 2006.
Os técnicos do Banco Mundial comentam também que a imprensa nem sempre diferencia entre problemas causados por fraudes e irregularidades burocráticas, de um lado, e desconhecimento de regras ou erros em formulários, de outro, o que, na avaliação dos especialistas, dá aos leitores uma impressão equivocada sobre a natureza dos “desafios” do programa. A propósito, enfatizam que um terço das notícias sobre irregularidades tem como fonte o próprio governo, as suas agências de controle ou os ministérios. Somente em mais de um quarto das notícias foi a imprensa quem investigou e encontrou problemas. Está aí uma notícia que a imprensa em geral jamais fez chegar ao conhecimento do leitor, acrescentamos nós, num evidente propósito de desqualificar o sistema de acompanhamento e controle do programa por parte do governo Lula.
Segundo informa Valor Econômico, em reunião com autoridades do Ministério do Desenvolvimento Social e da Presidência da República, em 01/04/2008, os técnicos do banco sugeriram “campanhas e cursos para que os jornalistas adotem os termos técnicos no tratamento noticioso das irregularidades dos programas”.
Seria muito profícuo que tais campanhas e cursos começassem por informar que existem diferentes abordagens da pobreza e distintos modos de combatê-la. A maneira de definir e lidar com a pobreza revela conflitos sociais, ideológicos e políticos entre grupos de interesses, entre classes, partidos políticos e agências multilaterais, entre outros. A imprensa brasileira está longe de ser neutra nesse debate, como mostra o estudo do Banco Mundial.
A seguir, tais campanhas e cursos poderiam contribuir para remover preconceitos sociais e morais existentes na sociedade brasileira, que inspiram boa parte das críticas da imprensa ao Bolsa Família. E por detrás de uma abordagem limitada de pobreza (à renda, por exemplo), as campanhas e cursos poderiam apontar a existência da dimensão da desigualdade — questões de acesso à educação, ao trabalho, contextos políticos e sociais perversos e sua reprodução, étnicos, de gênero e de reconhecimento social, gerados, entre outros, por uma situação econômico-social iníqua, que privilegia elites minoritárias, há séculos no controle do poder do Estado e que impede a grande maioria do povo brasileiro de se apoderar da própria cidadania.
O discurso moral dos “falcões do colunismo” distingue o bom pobre do mau pobre. Graças a esse artifício, evitam indispor-se com seus eleitores contrapondo-se frontalmente a um programa aprovado pela maioria do povo brasileiro, ao mesmo tempo em que abrem espaço à sua retórica de desqualificação, por supostamente produzir efeitos inversos aos pretendidos, serem ineficazes e eleitoreiros.
Parte das críticas ressalta o efeito indesejável da concessão de benefícios. Um deles é que os benefícios seriam tantos que os beneficiários passam a não querer trabalhar mais. Essa visão reflete, mais do que um preconceito, falta de informação sobre a situação na qual boa parte da população brasileira vive. De fato, o Bolsa Família gera alívio imediato na economia familiar, mas não é suficiente para que as famílias vivam unicamente dele.
Ademais, como observa a pesquisadora Sarah Mailleux Sant’Ana, o trabalho é compreendido pelos beneficiários do Bolsa Família não apenas como um modo de obter renda, mas também como meio de inserção social que lhes permite serem reconhecidos e respeitados como cidadãos úteis ao conjunto da sociedade. A maioria das pessoas desempregadas oficialmente ou que não têm empregos estáveis realiza trabalhos informais e temporários para aumentar a renda familiar, mas também trabalhos não remunerados que fortalecem os laços de solidariedade.
Outro preconceito refere-se ao destino dos benefícios. Nas Ciências Sociais, aprende-se que a categoria economia não é compreendida pelas pessoas somente pela renda, mas também pela ação (e sentido) social que a renda e os laços sociais criam. No trabalho de campo, realizado por Sant”Ana, observou-se que a maioria das famílias entrevistadas gasta os recursos recebidos na sobrevivência direta e imediata, mas outras fazem investimentos. A imprensa ignora o papel social, de expectativa de reconhecimento e inclusão, associado a esses investimentos. É o caso de duas beneficiárias: uma comprou um tanque para lavar roupa para fora, que o aluga para vizinhas e o empresta para amigas; outra parcelou a compra de um aparelho de DVD com parte do Bolsa Família para criar um cinema comunitário em sua casa, cobrando R$0,50. Nas festas de crianças, os filmes são oferecidos gratuitamente. Ao proceder dessa maneira, o que elas têm em mente é não somente capitalizar a renda, investir para que possam gerar mais renda, mas também fortalecer seus laços sociais e solidários, observa a pesquisadora, potencializando dessa forma as possibilidades de sua inserção social e de reconhecimento como cidadãos livres e ativos.
Nesse sentido, gastar parte do dinheiro do Bolsa Família no cabeleireiro para participar de um casamento pode ser considerado não um desvio de finalidade, mas um investimento de trocas simbólicas: o gasto na boa apresentação pessoal é uma deferência para com os noivos e convidados. Reciprocamente, em um momento posterior de necessidade, as pessoas assim honradas poderão retribuir de modo solidário. As mulheres que cuidam das crianças dos outros gratuitamente asseguram que, quando precisarem, seus filhos também serão cuidados.
Isso é dizer que sobreviver é assegurar o atendimento das necessidades biológicas e ao mesmo tempo assegurar um lugar (social) na comunidade. A escala da renda não é o bastante: pode-se ser rico (financeiramente) e fraco (socialmente); pobre (financeiramente) e forte (socialmente), afirma Sant’Ana. Sobreviver é ser capaz de se manter socialmente. Nesse sentido, as trocas são indispensáveis: mais que a movimentação de dinheiro e de bens, é a sensação de compartilhar de um destino comum que importa. É preciso relacionar-se, criar aliados, ou seja, abrir-se, ser visto para que os objetos necessários (móveis, tanques, bicicletas) circulem.
É desse modo que os próprios beneficiários percebem o Bolsa Família. A grande maioria dos entrevistados demonstra satisfação, não diretamente com a materialidade do benefício (a transferência de renda), mas com outras iniciativas, como o Programa Nacional de Agricultura Familiar, o acesso à eletricidade, o acesso aos remédios nas farmácias populares, o acesso à saúde e melhorias na escola. A relação com a vizinhança, de acordo com os entrevistados, também melhorou com o fortalecimento de laços de solidariedade e de novas amizades. Por aí se pode observar que o programa desempenha um papel relevante na garantia de uma autonomia mínima, na capacidade de planejar o futuro, no consumo e na qualidade alimentar, entre outros.
Outro preconceito, que poderia ser desfeito nas campanhas e cursos, é que o Bolsa Família seria um instrumento político de manipulação eleitoral, uma recaída no clientelismo clássico. Esquece-se, assim, deliberadamente que na esfera pública de direitos inscreve-se a obrigação do Estado de assegurar o direito à subsistência a todos os habitantes de uma nação. A esse respeito lembra-se que sob os auspícios do governo Lula, em setembro de 2006, foi aprovada no Congresso Nacional a Lei Orgânica da Segurança Alimentar, que consolida a concepção de uma renda mínima como direito do cidadão. Essa lei dissocia o direito à subsistência de iniciativas de um partido político ou de um governo e insere-o na agenda social brasileira como obrigação legal do Estado. A não garantia desse direito representa uma violação dos direitos fundamentais e lesão do direito à vida.
Também faz parte do conjunto de preconceitos morais dos falcões do colunismo a obsessão por responsabilizar os pobres pela situação precária em que vivem. A denúncia desse preconceito, indissociável do pensamento neoliberal, poderia ser utilizada pedagogicamente nas campanhas e cursos sugeridos pelo Banco Mundial, para suscitar a discussão na imprensa sobre o papel do Estado no resgate da dívida social.
Rui Falcão é jornalista, advogado e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores. Foi deputado federal, presidente do PT e secretário de governo na gestão Marta Suplicy.
Bolsa Família para exportação
Da Isto É Dinheiro
ADRIANA NICACIO
O MAIS NOVO ARTIGO NA pauta de exportações brasileira atrai a cobiça global – e não se trata de aviões da Embraer nem de sandálias Havaianas. Dos Estados Unidos à República de Gana, há dezenas de países interessados num produto que exibe bons índices de eficiência, rende dividendos políticos e tem no Banco Mundial um garoto propaganda. É o Bolsa Família.
O programa despertou a atenção mundial pela capacidade de elevar o IDH, reduzir a evasão escolar e criar uma nova massa de consumo. A procura é tão grande, que o ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, tem ido a vários países. Da mais recente viagem, ao Vietnã, Patrus voltou com o compromisso de firmar uma cooperação com o governo local, após ouvir da ministra do Trabalho, Nguyen Thi Kim Ngan, que ela precisa reduzir a extrema pobreza de 15% para 11% até o final deste ano. Nos últimos meses, o ministro já esteve no Equador, Chile, China, Paraguai, Argentina e Egito. Em breve, Patrus embarca para a Áustria e busca um espaço na agenda para ir à Argélia. “O Bolsa Família tem se expandido porque dá resultados e é reconhecido pelo Banco Mundial”, disse o ministro à DINHEIRO.
Foram esses argumentos que a senadora Hillary Clinton, pré-candidata à presidência dos Estados Unidos, usou para justificar a importação do Bolsa Família para o seu plano de governo. “Vamos investir em programas sociais que dão poder às famílias de construírem seus próprios futuros, como o Bolsa Família, do Brasil”, garante a candidata, que ainda está atrás de Barack Obama. Mas a idéia não é pioneira nos Estados Unidos.
Desde o final do ano passado, está em fase de experiência o projeto Opportunity NYC. Irmão do Bolsa Família, ele foi levado para a capital financeira americana pelo prefeito, Michael Bloomberg, após uma apresentação de Patrus Ananias em Nova York. No momento, o Opportunity NYC atende cinco mil famílias nas regiões pobres da cidade, como Harlem e Bronx. A diferença é que os benefícios são pagos com a fortuna de Bloomberg e com recursos da Fundação Rockefeller. “A política social do Lula deu certo e desperta a atenção do mundo porque também rende votos”, diz o professor de Ciências Políticas da Universidade de Brasília, David Fleischer.
Egito é o próximo país da fila. Na próxima semana, dá início ao projeto-piloto do Bolsa Família, que atenderá 600 famílias, no bairro de Ain El Sira, no Cairo, um dos mais pobres da cidade. E foi o Banco Mundial que incentivou o país árabe a adotar o programa brasileiro. “Ele cumpre um objetivo social relevante”, explica o diretor do Bird no Brasil, Vinod Thomas. Antes do Egito, a comissão brasileira esteve na África do Sul e no Quênia. Mas é na República de Gana, país com 20 milhões de habitantes, que estão concentrados os esforços para expandir os programas sociais de Lula.
No momento, há um grupo de técnicos repassando conhecimentos sobre sistemas de avaliação e monitoramento do Bolsa Família. O Programa que será implementado já tem nome – Livelihood Empowerment Against Poverty – e está sendo supervisionado pelo Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional (DFID), órgão do governo britânico responsável pelo desenvolvimento sustentável e pela redução da pobreza nos países africanos. “A partir dessa experiência, pretendemos montar um pacote de assistência técnica para programas sociais e de transferência de renda com países africanos”, explica a analista do Departamento do Cadastro Único do MDS, Kátia Cristina da Silva.
Comentário do blogueiro:
O país faz política social desde Getúlio Vargas, mas só agora parece ter encontrado o caminho. O novo programa “Territórios da Cidadania” é mais um passo nessa direção, pois integra políticas públicas, melhorando a eficiência, mas principalmente a efetividade, em regiões de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Falta ainda o governo enfrentar de vez o problema da saúde pública. O primeiro passo é retirar o ministério da Saúde da barganha política.
O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa urgentemente de aperfeiçoamento. É preciso que a proposta do SUS se torne efetiva. O SUS tem problemas de gestão, carência de recursos e definição clara de responsabilidades entre os entes federativos. Não dá mais para aceitar prefeito omisso e negligente, e também governador que não investe o mínimo exigido na saúde, ficarem impunes, e ainda cobrando medidas do governo federal na televisão. Essa seria uma boa bandeira para a oposição política do governo.
Só que a turma do tucano-demo (PSDB-DEM) prefere entrar na Justiça para acabar com os programas sociais, como ProUni e Territórios da Cidadania, e classifica o Bolsa Família de “bolsa esmola”. É a oposição que temos.
POLÊMICA: PARA COMPREENDER A FORÇA DE LULA
Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique
Ladislau Dowbor*É tempo de fazer as contas. Com a deformação geral dos dados pelo prisma ideológico da grande mídia, torna-se necessário buscar nas fontes primárias de informação, nos dados do IBGE, como andam as coisas. A reeleição mostrou forte aprovação por parte dos segmentos mais pobres do país a Lula, mas os números reais sobre a evolução das condições de vida do brasileiro surgem com o atraso natural dos processos de elaboração de pesquisas. O IBGE publicou a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio de 2006, e também os Indicadores Sociais dos últimos 10 Anos. Vale a pena olhar a imagem que emerge: ela explica não só os votos, como o caminho que temos pela frente.
O principal número é, evidentemente, o aumento de 8,7 milhões de postos de trabalho no país durante o último governo. Isto representa um imenso avanço, pois se trata aqui de uma das principais raízes da desigualdade: grande parte dos brasileiros se vê excluída do direito de contribuir para a própria sobrevivência e para o desenvolvimento em geral. Entre 2005 e 2006 o avanço foi particularmente forte, com um aumento de 2,4%, resultado da entrada no mercado de trabalho de 2,1 milhões de pessoas. A expansão do emprego feminino é particularmente forte (3,3,%), enquanto o dos homens atingiu 1,8%. A formalização do emprego é muito significativa: 3 em cada 5 empregos criados são com carteira assinada. Atingimos assim, em 2006, 30,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada, um aumento de 4,7% em um ano. O avanço é pois muito positivo, mas num quadro de herança dramático, que o próprio IBGE aponta: “mais da metade da população ocupada (49,1 milhões de pessoas) continuava formada por trabalhadores sem carteira assinada, por conta-própria ou sem remuneração [1]
O segundo número, que ocupou as manchetes de todos os jornais, é a elevação dos rendimentos dos trabalhadores em 7,2%, entre 2005 e 2006. É um número extremamente forte, e coerente com os anos anteriores: a remuneração dos trabalhadores vinha caindo desde o final dos anos 1990, e começou a se elevar em 2003, desenhando desde então uma curva ascendente. Este é um número de grande importância, pois a desigualdade é, de longe, o nosso problema número um. É um número que reflete os avanços na criação de postos de trabalho vistos acima, e também os avanços no salário mínimo.
O salário mínimo teve um ganho real de 13,3% em 2006 relativamente a 2005, o que representa um salto fortíssimo para os trabalhadores que estão no que se chama hoje de “base da pirâmide” econômica. Consultas com pessoas que trabalham com as estatísticas da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese/Seade sugerem que 26 milhões de trabalhadores foram abrangidos por este aumento. Além disto, como o salário mínimo é referência para o reajuste das aposentadorias, outras 16 milhões de pessoas teriam sido beneficiadas.
Aumento consistente nos salários e avanços no combate à desigualdade – inclusive entre as regiões
Um comentário é necessário aqui: um aumento de cem reais para uma família que tem um rendimento de, por exemplo, 4 mil reais não é significativo. No entanto, cem reais representam, para pessoas que têm de sobreviver com algumas centenas de reais por mês, um imenso alívio, a diferença entre poder ou não poder comprar melhor alimento ou um medicamento para a criança. A utilidade marginal da renda, em termos de impacto para o conforto das famílias, vai diminuindo conforme a renda aumenta. Do ponto de vista econômico, maximizar a utilidade dos recursos do país envolve o aumento da renda dos mais pobres. Isto vale tanto no aspecto social, em termos de satisfação gerada, como em termos de geração de demanda e conseqüente dinamização das atividades econômicas. O pobre não faz especulação financeira, compra bens e serviços. Tirar as pessoas da pobreza não é caridade, é bom senso social, e bom senso econômico.
Outra dimensão que vale a pena comentar é que tanto a PNAD 2006 como a Síntese de Indicadores Sociais 1996-2006 documentam amplamente, são os avanços no nível da educação. Para já, é um mundo: no Brasil, são 55 milhões de estudantes, 43,7 milhões na rede pública, e 11,2 milhões na rede privada. Se incluirmos professores e sistema de apoio administrativo, temos aqui quase um terço da população do país. A expansão quantitativa maior deu-se na gestão anterior à do presidente Lula, mas os avanços continuam fortes.
IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Síntese de Indicadores 2006: Comentários
IBGE — Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2007 – está disponível aqui
[1] IBGE, PNAD 2006. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio, para quem não está familiarizado, constitui o principal instrumento de avaliação de como anda a situação das familias no país. A PNAD 2006 entrevistou 410.241 pessoas, em 145.547 domicílios, e representa a situação real de maneira confiável, ainda que desagregável apenas ao nível de Grandes Regiões ou de Estados, o que encobre desigualdades locais, perdidas nas médias. Os dados estão disponíveis online, nos “Comentários 2006”
[2] Ver os dados na Sintese de Indicadores Sociais 1996-2006 do IBGE, gráfico 4.1, e páginas seguintes, doc. s.p. – O documento completo, Síntese de Indicadores Sociais 2007 – Uma análise das condições de vida da população brasileira 2007 – está disponível aqui. Sobre as tendências de desagregação da família, ver o nosso artigo “Economia da Família”, sob a rubrica Artigos Online no site http://www.dowbor.org/
[3] IBGE, PNAD 2006, Comentários, p. 7
[4] Vale a pena consultar o sistema de seguimento dos 149 programas sociais distribuídos entre vários ministérios, disponível sob “Geração de Emprego e Renda”, em http://www.mds.gov.br/: cada programa é apresentado com os seus objetivos e custos, além de contato para quem precisar de mais informação
[5] Para o conjunto de propostas relativas á dinamização do “andar de baixo” da economia, ver Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, http://www.dowbor.org/ sob Artigos Online.
MAIS DIFERENÇAS QUE SEMELHANÇAS ENTRE LULA E FHC NA ECONOMIA
Enquanto o fracasso é órfão de pai e mãe, o sucesso costuma dar briga de tapa pela paternidade. Nem se sabe ao certo quanto pode durar o êxito da política econômica do governo Lula, mas é recorrente a disputa pela autoria do feito. Num certo tipo de ambiente, o mote de que a única coisa boa da economia de Lula é a continuidade do que foi feito no governo Fernando Henrique pipoca mais do que catapora.
De tão repetido, já parece um daqueles lugares-comuns* que acabam soando falsos ou como solução de estilo preguiçosa. Assim como toda desculpa é esfarrapada, toda dúvida é atroz, toda ascensão é meteórica, e toda mentira é deslavada, há quem não consiga mencionar o sucesso da economia de Lula sem a fatal ressalva de que isso não passa de continuidade do governo FHC. Percebe-se, facilmente, até pela especialidade profissional dos falantes e escreventes, muitas vezes longe da economia, que a maioria não sabe bem onde está metendo a colher. Mas isso não tem importância, não é mesmo?
O governo Lula seguiu o padrão do anterior – prioridade com a estabilidade da moeda, ênfase em reformas microeconômicas – em parte de seu primeiro mandato, com Antonio Palocci à frente da economia. Mesmo ainda com Palocci e, depois, mais francamente com Guido Mantega, a política econômica descolou da anterior de tal forma que só mesmo uma miopia ideológica para explicar a insistência na visão distorcida.
Pode-se até discordar do que passou a dar dinâmica à economia, mas nunca enfiar as políticas adotadas no governo atual no mesmo saco das implantadas ou, pelo menos desenhadas, na quadra anterior. Não há comparação, por exemplo, na política de valorização real do salário mínimo, adotada contra muitos bem pensantes de luvas de pelica. Muito menos na expansão do crédito – com destaque, para o bem e para o mal, da modalidade de crédito consignado – e, por fim, mas não por último, a maneira de encarar a previdência social. Onde dá mais para comparar, o setor fiscal, os nostálgicos de FHC preferem não bater o bumbo. De fato, carga tributária e endividamento, que explodiram com FHC, ainda não desinflaram com Lula.
Nem mesmo os programas de transferência condicionada de renda, tão invocados como prova de continuidade, se sustentam como tal. Há nítidas diferenças – no foco, na abrangência, no acompanhamento e até nas falhas – entre as bolsas-escola de origem e o bolsa-família de hoje. Sem falar em outros programas menos votados, como o “Luz para todos”, e no famoso PAC, de que muitos duvidam e malham por antecipação, embora fosse mais prudente aguardar um pouco mais antes de cair de pau.
Até a política monetária, que se concentra no cumprimento das metas de inflação, adotadas em 1999 – e, essa sim, mantém desde então o mesmo curso –, começa a se ver diante de novidades. Há, mais recentemente, fora do Banco Central, uma escalada no governo em busca de saídas não monetárias, na tentativa de desviar o rumo de elementos macroeconômicos centrais, como os juros e o câmbio, do inglório destino determinado por uma ortodoxia já fora de moda
– ver, a propósito, a atuação do BC americano.
Além de medidas já adotadas – IOF em aplicações financeiras de estrangeiros e fim da cobertura cambial para exportadores –, está previsto para logo um pacote de benefícios tributários de estímulo às exportações de manufaturados e à inovação tecnológica, que o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, chama de política industrial. Se essas medidas vão funcionar – ou mesmo se serão implantadas por completo – também ainda é cedo para garantir. Mas a direção, que conta com o apoio aberto do presidente Lula, é clara. E não tem muito a ver com o que se procurou implantar no governo de FHC.
(*) Os lugares-comuns citados na sentença seguinte fazem parte de uma longa lista coligida pelo jornalista Sérgio Rodrigues, do blog Todoprosa (www.todoprosa.com.br), a quem o autor agradece a cessão.
Comentário do blogueiro: Salvo a política monetária, não há quase nada de parecido, como querem sugerir alguns. Não há dúvidas da preponderância da política monetária, mas é preciso sair do debate unicamente centrado nela. Além disso, como o governo atual tem uma política fiscal mais rígida (para o bem e para o mal), cada vez mais a participação dos juros no total de gastos do governo se reduz. Mas o país cresce pouco. Será? Se tirarmos o resultado pífio de 2003, os anos seguintes foram satisfatórios (não bons). É claro que se compararmos com Argentina, Venezuela, China, Índia e Rússia, o crescimento brasileiro é baixo. Mas comparar com os dois primeiros não vale. O primeiro além de ter tido forte recessão no início da década, vive uma escalada inflacionária. O segundo foi amplamente beneficiado pela disparada dos preços do petróleo, ou seja, não dá para avaliar a qualidade do governo pelo seu crescimento. Já os três últimos é pedir demais na conjuntura atual. Tenho impressão de que a maioria da população não enxerga a política econômica de Lula como parecida (nem igual) à de FHC. É um bom sinal. Não adianta repetir o discurso tosco.
Em defesa dos Territórios da Cidadania
Na eleição de 2004, a classe média paulistana estava pé da vida com a prefeita Marta Suplicy, justamente porque suas políticas beneficiavam majoritariamente os mais pobres. A classe média paulistana sentia-se fora da partilha do bolo. A verdade é que qualquer política pública influencia a decisão do voto. A classe média urbana brasileira em grande parte dava apoio à ditadura militar porque era beneficiária de políticas públicas como financiamento habitacional generoso. Não era eleição, mas o resultado é o mesmo. Fica difícil questionar agora as políticas públicas voltadas à redução da pobreza e da desigualdade social. É o caso dos Territórios da Cidadania.
As políticas públicas voltadas para os mais ricos, além do voto dos seus beneficiários diretos, têm potencial de elevar o financiamento eleitoral para os políticos e partidos políticos que as produzem. É fato notório que o financiamento eleitoral beneficia políticos e partidos com maior quantidade de recursos. Não quer dizer que serão eleitos, mas dinheiro não atrapalha eleição. É a maneira que os ricos compram o apoio dos políticos e partidos que defendem seus interesses. Por que ninguém vem dizer que são políticas eleitoreiras. Veja o artigo abaixo:
Em defesa dos Territórios da Cidadania
Ladislau Dowbor*
Política que favorece os pobres sempre renderá votos, pois os pobres são pobres, mas não burros. E são muitos, efeito indiscutível de séculos de políticas elitistas. Ao tentar bloquear um programa que abre portas para um processo modernizador inclusivo, a oposição a Lula dá um tiro no pé.
Às vezes a gente precisa desabafar um pouco. Escutando entrevistas na CBN, ouvi um desabafo indignado (no sentido parlamentar da palavra), de um deputado dizendo-se escandalizado com o programa Territórios da Cidadania. Como é dinheiro para as regiões mais pobres do país, evidentemente trata-se de uma medida eleitoreira, de uma autêntica compra de votos, raciocina ele. Há quem queira declarar o programa inconstitucional.
A armadilha que prende os pobres é impressionante. Eles votam. E como são muitos, o que se fizer em favor de seus direitos rende votos. Logo, raciocinam alguns, qualquer medida que favoreça os pobres constitui demagogia, autêntica compra de votos. Ah, se os pobres não pudessem votar... Considerando que a desigualdade é de longe o principal problema do país, tentar travar políticas que a reduzam não é oposição, é sabotagem.
O programa Territórios da Cidadania destina 9,3 bilhões de reais (valor próximo do valor do Bolsa-Família) a 958 municípios situados nas regiões mais pobres do país. Vem sendo preparado desde o início da primeira gestão de Lula, através de identificação de territórios a serem privilegiados, no quadro de uma metodologia desenvolvida pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). A seleção envolveu critérios como baixo IDH, e agrupou os territórios segundo o sentimento de identidade efetivamente existente nas comunidades interessadas. Assim uma bacia hidrográfica pode, por exemplo, constituir um “território” mais significativo do que um município isolado. Isto favorece a apropriação organizada dos aportes pelas comunidades. Foram alguns anos de trabalho.
Paralelamente, e mais modestamente, desenvolveu-se uma pesquisa nacional, coordenada por Paulo Vannuchi, Pedro Paulo Martone Branco, Márcio Pochmann, Juarez de Paula, Silvio Caccia Bava e eu mesmo. Agentes econômicos e sociais locais (pequenas empresas, ONGs, sindicatos, gerentes de banco, prefeitos, pesquisadores) foram consultados, para identificar medidas capazes de gerar um ambiente de dinamização do desenvolvimento local. Partindo da diferenciação de Milton Santos entre o circuito superior e o inferior da economia, fomos perguntar ao andar de baixo o que seria bom para ele se apropriar do seu próprio desenvolvimento.
Dezenas de organizações como o Sebrae, Cepam, Ibam, Instituto Pólis etc. participaram.
O programa prevê apoio tecnológico e institucional; sistemas de informação e comunicação; geração de emprego e renda; programas ambientais. O que falta ao pobre não é iniciativa, é oportunidade.
O resultado foram 89 propostas descritas num documento-síntese, entregue ao presidente Lula e amplamente divulgado, nos principais foros de discussão sobre o desenvolvimento local. O documento, com o título “Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local” está disponível, entre outros, no meu site (em formatos doc ou pdf. A linha geral do documento reflete a demanda: no plano local, além do apoio financeiro, são necessários apoio tecnológico, apoio institucional, sistemas locais de informação e de comunicação, programas de capacitação, programas de geração de emprego e renda e programas ambientais. Em outros termos, necessitamos de um programa integrado de apoio. O que falta ao pobre não é iniciativa, é oportunidade, e isto se organiza. Aliás, a pesquisa nos familiarizou com a riqueza de sistemas de apoio ao pequeno produtor e ao desenvolvimento local que existe em outros países. O MDA também participou do projeto.
É fácil dizer que se trata da compra de votos. O programa tem prioridades, em particular o saneamento básico. E a aplicação passa pela constituição de conselhos locais destinados a gerir os recursos. É um eterno problema: os municípios têm capacidade de geri-los? Trabalho há anos com o desenvolvimento local — e com pessoas e instituições que compreenderam que a pobreza não é apenas um problema de distribuição, mas sobretudo um problema mais amplo de inclusão produtiva. Já parei de me colocar a questão filosófica do ovo e da galinha. Se não houver recursos, ninguém aprenderá a administrá-los. Isto vale inclusive para as bobagens que escrevem os que se opõem ao Bolsa-Família, dilema semelhante, mas que remonta aos peixes: na realidade, ninguém aprende a pescar com a barriga vazia.
O importante é fazer os recursos chegarem. E igualmente importante, assegurar que junto com eles, cheguem políticas mais amplas de apoio. Lembro-me de ter feito muitas vezes, em outros tempos, sugestões em Brasília, para que fossem destinados recursos à base da pirâmide social, pois não só com soja e automóvel se faz desenvolvimento. Eram rechaçadas com um argumento definitivo: "eles não sabem administrar, vai haver corrupção". Eu ficava comovido com as preocupações de Brasília em impedir a corrupção dos pobres.
A oposição ao programa Territórios da Cidadania é uma besteira monumental. A pressão não deveria buscar o travamento do programa, como estão tentando pessoas que têm uma visão curiosa do que é ser “democrata”. Mas, ao contrário, a ampliação do mesmo — para assegurar que haja apoio institucional, capacitação, informação e outras medidas que permitam que o processo seja apropriado de maneira criativa em cada localidade. Esta apropriação, ou empoderamento como tem sido chamado, é essencial. Trata-se de uma mudança de cultura política, da compreensão de que o desenvolvimento não se espera, se faz.
As ONGs são fundamentais para a apropriação das políticas pelos interessados. Também aqui, ouvem-se vozes indignadas: não estaria muito melhor gerido o recurso na mão de uma empreiteira? Aprendemos penosamente, nas últimas décadas, que sem recursos não se faz nada; mas também que programas de pára-quedas, respondendo apenas à lógica da oferta e não da demanda, são insuficientes. As organizações da sociedade civil têm sido fundamentais nesta apropriação das políticas pelos próprios interessados, como se vê, por exemplo, no sucesso do programa de cisternas da ASA ou da Pastoral da Criança.
Naturalmente, também aqui ouvem-se vozes indignadas (sempre no sentido parlamentar) querendo uma CPI correspondente para investigar ONGs: não estaria muito melhor gerido o recurso na mão de uma empreiteira? É um jogo de faz-de-conta. Fiz avaliações de políticas deste tipo para numerosos países, a serviços das Nações Unidas. Aprendi a separar as contas do faz-de-conta. Não faço a minha avaliação pelo volume de discursos parlamentares, e sim por conversas com o primeiro e segundo escalão técnico, que são os que dirigem os projetos, que carregam o piano, com pouco tempo para discursos. Tiram freqüentemente leite de pedra, pois a máquina administrativa herdada não foi feita para ter agilidade na prestação de serviços, e sim para administrar privilégios. Raramente aparece na imprensa a avaliação concreta dos projetos e programas. As indignações parlamentares são muito mais coloridas, e fazer contas é mais complicado.
Por outro lado, dei-me ao trabalho de ler a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgada há poucos meses. No conjunto, os resultados são extremamente, e inegavelmente, positivos. Positivos num mar de atraso; atraso que nos reduziu à situação da nação considerada modelo de desigualdade, padrão a ser evitado (avoid Brazilianization, comenta-se nos organismos internacionais). O balanço simplificado dos números pode ser num artigo anterior para Le Monde Diplomatique Brasil. Apresentar resultados positivos, segundo uma minha aluna, é suspeito: eu devo ser amigo do Lula. O argumento é curioso: apresentar números negativos é mais objetivo?
Política que favorece os pobres sempre renderá votos, pois os pobres são pobres, mas não burros. E são muitos, efeito indiscutível de séculos de política de direita. Uma oposição que queira travar estas políticas acaba dando um tiro no próprio pé. O país está maduro para um processo modernizador inclusivo. Tentar impedi-lo para quê? Oposição é ótimo: pressionem para que se faça mais.