Não pode passar despercebido ao mais desavisado e ingênuo leitor dessa revista o ranço, o azedume de preconceitos e vícios jornalísticos apresentados sobre a questão indígena brasileira. Porém a factualidade do texto também está comprometida por desvirtuamentos de pesquisa, compreensão e análise que certamente intencionam provocar uma impressão extremamente negativa da questão indígena em nosso país.
Os autores da matéria “A farra da antropologia oportunista”, ao que tudo indica jornalistas jejunos no trato de tais assuntos, parecem perseguir uma linha editorial ou um estilo jornalístico em que a busca de objetividade possível é relegada ao interesse ideológico de denegrir as conquistas dos segmentos mais oprimidos do povo brasileiro e demonstrar o seu favorecimento aos poderosos da nação. Primam por um estilo sardônico, próprio de jornalistas que fazem de seu ofício a defesa inquestionável do status quo social e econômico brasileiro, aludem a supostos fatos a partir de evidências descontextualizadas e apresentam citações sem a mínima preocupação com comprovação.
Mércio Gomes sobre a difusão de preconceitos e a ignorância da revista Veja
Revista Veja também fraudou citação do professor Mércio Gomes
- Frase atribuída a Mércio Gomes
“Diante desse quadro, é preciso dar um basta imediato nos processos de demarcação“, como já advertiu há quatro anos o antropólogo Mércio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai e professor da Universidade Federal Fluminense.
- Resposta de Mércio Gomes
A farra do jornalismo oportunista? « Savoir-Faire
Com base nesses dados, a porcentagem de 77,6% alegada na reportagem da revista Veja não se sustenta sob qualquer argumento. Além disso, a matéria dá a entender que basta requerer a terra para se ter acesso a ela, ou mesmo que o governo em exercício estaria sendo uma espécie de “facilitador” do processo. Isso não se sustenta no caso das terras de quilombo e nem das terras indígenas, uma vez que o governo em exercício demarcou e homologou menos terras (em extensão e quantidade) do que o governo anterior!
A matemática esotérica dessa reportagem parece estar baseada numa alegação da Senadora Kátia Abreu, de que “90% do território brasileiro estaria congelado e inacessível ao ‘progresso’, como terras indígenas, quilombos, parques, cidades e infra-estrutura”. Ela disse ter encomendado uma pesquisa junto à Embrapa que provaria a veracidade dessa afirmação… espero que, diferente da Senadora, os pesquisadores em questão saibam soma, subtração e porcentagem.
Revista Veja e o fiasco da falsa citação
Vejam a real beleza da coisa: em sua resposta, A VEJA NÃO REPRODUZ A FRASE QUE O EVC DIZ QUE NÃO DISSE, para que o leitor não possa compará-la com a frase que ele disse, e ver que (1) ELAS NÃO SÃO IGUAIS, e (2) A FRASE DO EVC SAIU NA VEJA ENTRE ASPAS, COMO DECLARAÇÃO REPRODUZIDA LITERALMENTE. O leitor tinha todo o direito de achar que era uma frase saída da boca do EVC. Não era: A FRASE FOI INVENTADA PELA VEJA.
Mais adiante o NPTO se enche de lirismo, e diz: «Nem se vocês enfiarem o Reinaldo Azevedo no cu do cadáver fresco do Lévi-Strauss você vai conseguir fazer essa idéia sair de dentro de um antropólogo.»
Até o perspectivismo amazônico serve para fazer piada da revista Veja
a Veja fez uma matéria sobre uns picaretas que abusam da legislação sobre demarcação de terras indígenas (naturalmente, dando a entender que todos os índios que receberam terras são na verdade aquele seu cunhado picareta vestindo cocar de carnaval – tem um cara assim mesmo na reportagem, vê lá se é seu cunhado). Achei os números citados na matéria meio esquisitos, mas vou deixar para alguém que entenda disso a discussão dos dados.
O que eu achei comovente, mesmo, é que, aparentemente, eles inventaram uma citação do Eduardo Viveiros de Castro, maior antropólogo brasileiro e um dos maiores do mundo. Ao menos é o que diz o próprio EVC, que afirma, que bonito, que sequer teve contato com os caras que fizeram a matéria. Vamos esperar a resposta da revista.
Se os antropólogos do recinto me permitem a piada, é uma questão de perspectiva: o EVC viu a citação e, na cabeça dele, não era dele