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À sombra do escândalo

Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa

A crise política produzida pela revelação de um esquema de distribuição de propinas em Brasília ganha novos e interessantes contornos no final desta semana carnavalesca.

O governador interino, Paulo Octávio Alves Pereira, que, segundo destaca o Globo, chegou a ensaiar três cartas de renúncia, anuncia que vai ficar no cargo, esperando para ver se a Justiça ou qualquer outro poder esotérico o arranca da cadeira. Já sem apoio do seu partido, o Democratas, o vice-governador no exercício não tem grandes ambições políticas, ao contrário do que fazem pensar as notícias dos jornais.

Paulo Octávio se mantém no cargo para tentar salvar seus negócios, totalmente vinculados ao governo do Distrito Federal.

O governador interino, que completou 60 anos de idade em plena crise, no dia 13 passado, sábado de carnaval, construiu seu império de empreiteiras e propriedades imobiliárias nas sombras do poder público. Ele representa a figura do capitalista que vive como parasita do Estado. Aparece nos bastidores de escândalos há duas décadas, desde a eleição do ex-presidente Fernando Collor de Mello, de cuja amizade também se beneficiou. Observar seus movimentos ajuda a entender como funciona a política na capital federal.


O mesmo esquema
Os jornais acompanharam as tentativas de Paulo Octávio de obter algum apoio para seguir no cargo, enquanto se acumulam as evidências de que o governador titular, José Roberto Arruda, terá seu mandato cassado. Sua última grande cartada foi a visita ao presidente da República, de onde esperava sair com algum alento.

Sabe-se que o presidente Lula da Silva não quer o ônus de ser o autor de uma intervenção no governo da capital, e o governador interino esperava alguma declaração que o ajudasse a recompor minimamente a governabilidade para seguir no poder. Mas, apesar de a reunião ter sido a portas fechadas, nada fica secreto na corte, e seu fracasso logo virou notícia.

Alguns dos blogueiros mais influentes de Brasília apostaram, no começo da noite de quinta-feira (18/2), que Paulo Octávio não completaria o fim de semana no governo. Um deles chegou a explicar "por que Paulo Octávio renunciou".

Erraram. Porque acharam que se trata apenas de política.

A motivação de Paulo Octávio não é o poder. É o dinheiro. Ele é apontado como o avalista do esquema coordenado por José Roberto Arruda, que já foi também, por mais de dez anos, o mesmo esquema do ex-governador Joaquim Roriz.


Os negócios da política
O Estado de S.Paulo publica na edição de sexta-feira (19) cópia de uma planilha de computador apreendida pela Polícia Federal, na qual está desenhado o esquema de loteamento de 4,5 mil cargos de confiança na administração do Distrito Federal, com os nomes de padrinhos e apadrinhados e os totais de salários dos cargos comissionados. Os principais beneficiários são deputados distritais. Dos 24 deputados de Brasília, 18 estão na lista, o que explica de certa maneira como funciona o esquema.

Mas a distribuição de cargos não era a única forma de pagamento pelo apoio dos parlamentares. Tinha também a farta distribuição de dinheiro vivo, como ficou provado nos vídeos que foram parar na internet. Mas ainda não é esse o núcleo e objetivo central do esquema escandaloso. O que, afinal, um empresário bem sucedido, sem necessidade de se expor à execração pública, está protegendo ao permanecer no cargo por uns poucos meses?

O que Paulo Octávio Alves Pereira tenta preservar, e que não aparece explicitamente no noticiário, é o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal. Essa informação abre a coluna "Painel" da Folha de S.Paulo de sexta-feira, mas o jornal não se estende em maiores explicações.

A mudança no planejamento urbano de Brasília é um velho sonho dos empreiteiros de Brasília. O projeto aprovado em 1997, no governo de Christovam Buarque, era pouco intervencionista. Por isso, o plano diretor foi reformado num dos quatro mandatos do ex-governador Roriz e, finalmente, no governo de Arruda, ganhou os contornos desejados pelo grupo, sendo aprovado pela Câmara Distrital em março do ano passado. Trata-se, segundo a nota da Folha, de uma verdadeira mina de ouro.A imprensa poderia contar um pouco mais dessa história e parar de fingir que a crise de Brasília é política. Negócios são sempre negócios.
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Dilema do PPS: do Partidão ao mensalão

Do Site Congresso Em Foco

Tradicionalmente de oposição em Brasília, partido viu ruir sua aposta em Arruda, não sabe o que fazer em outubro e tem ainda dois dos seus filiados diretamente envolvidos com o escândalo.

De pedra a vidraça: acostumados à posição de acusadores, Augusto Carvalho e o PPS sofrem para explicar suas relações com Arruda e o mensalão


Partido tradicionalmente de oposição no Distrito Federal, o PPS busca agora uma nova identidade. Com a revelação do esquema de propinas envolvendo membros do Executivo e do Legislativo, o partido perdeu seu candidato ao governo local. Para piorar, dois dos seus nomes mais conhecidos também são citados no inquérito 650DF, que deflagrou a Operação Caixa de Pandora. Por enquanto, os herdeiros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) estão na espera da conclusão das investigações, que podem manchar ainda mais a imagem da legenda na capital do país.

A Operação Caixa de Pandora revelou o mensalão do governador José Roberto Arruda (sem partido). De 27 de novembro para cá, Arruda viu sua base ruir. PMDB, PSDB e PPS determinaram a saída de seus filiados do governo. Na prática, porém, poucos realmente saíram. Na Câmara Legislativa, somente Alírio Neto (PPS) passou a ter postura oposicionista. Isso, porém, somente depois de a executiva nacional cobrar explicações ao deputado sobre sua postura, em especial na condução da CPI da Corrupção. Alírio chegou a ser ameaçado de expulsão depois de ter, na presidência da CPI, ter interpretado que uma decisão judicial serviria para fazer voltar todo o processo à estaca zero.

Sem perspectiva de poder

Ameaçado de expulsão do DEM, Arruda preferiu se desfiliar para evitar mais exposição negativa. Com a saída de Arruda do partido, acabou a perspectiva de poder dos partidos que formavam a base aliada. Como ele não pode se candidatar a cargo algum, os governistas procuram por alternativas. Paulo Octávio (DEM), o vice, chegou a dizer que não pretende se candidatar mais ao GDF. Nas pesquisas, também desgastado com as denúncias que o governo enfrenta, ele não se mostra um candidato viável. Nesse rastro, cresce nos levantamentos o ex-governador Joaquim Roriz (PSC).

Nesse cenário, onde o PPS passou oito anos na oposição, cresce a dificuldade do partido em encontrar um candidato para apoiar. As conversas começaram com legendas como o PSB, PV e o PDT. Porém, em um cenário onde as esquerdas devem se aglutinar ao redor do PT – e os verdes podem lançar candidato próprio para dar palanque à candidatura presidencial da senadora Marina Silva –, o quadro se complicou para o PPS, já que, nacionalmente, o partido está ligado ao PSDB e ao DEM, no Bloco Democrático Popular. “Não fechamos porta para nenhum partido”, disse o presidente regional do PPS, Cláudio Abrantes, ao Congresso em Foco.

De pedra a vidraça

“Vivemos uma situação sui generis para um partido que sempre teve a imagem de fiscalizador”, comentou Abrantes. A referência é óbvia. O deputado Augusto Carvalho fundou a ONG Contas Abertas, destinada a fiscalizar gastos do governo federal e dos demais poderes (ao assumir a Secretaria de Saúde, Augusto, por exigência dos demais integrantes da ONG, afastou-se da organização). Antes de ser deputado federal, Augusto protagonizou, como deputado distrital, investigações importantes contra o GDF, como a CPI da Educação, que presidiu. Fernando Antunes, que presidia o PPS local quando estourou a Operação Caixa de Pandora, é funcionário da Corregedoria Geral da União cedido ao GDF, foi presidente da União Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon) e foi vice-presidente da Transparência Brasil.

De pedra a vidraça, Antunes e Carvalho vêem-se agora na condição de investigados pela operação da Polícia Federal que investiga o mensalão do Arruda. No inquérito, Antunes e Carvalho, que comandavam a Secretaria de Saúde do DF, são acusados pelo ex-secretário de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa de cobrar propina da empresa Uni Repro Soluções Tecnológicas, detentora de contrato de prestação de serviços que em apenas dois anos elevou os gastos da secretaria com serviços gráficos de R$ 235 mil (2006) para mais de R$ 14,8 milhões (2008).

Além disso, Antunes é citado no inquérito durante uma conversa entre Durval Barbosa e o ex-secretário de Saúde e ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel, outro alvo da operação. No diálogo gravado por Barbosa com autorização judicial, os dois mencionam que parte do dinheiro arrecadado por Antunes e pelo deputado Augusto Carvalho servia para “ajudar” o presidente nacional do PPS, o ex-deputado federal Roberto Freire.

Em outra situação, Antunes foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) a devolver R$ 200 mil ao condomínio no qual foi síndico por quatro anos (1998-2002). Todos negam as acusações. Antunes e Carvalho já apresentaram suas defesas ao PPS, que espera a conclusão das investigações para tomar uma posição. Por enquanto, a postura é de passar confiança aos dois. “Nós vamos esperar a conclusão das investigações. Por enquanto, demos um voto de confiança aos dois”, disse Abrantes.

Operador

Porém, as controvérsias envolvendo o partido não param aí. O policial civil aposentado Marcelo Toledo Watson, apontado por Durval como um dos operadores do mensalão do Arruda, filiou-se ao PPS em 2 de outubro de 2009, três dias antes do prazo para filiações determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele já havia disputado as eleições de 2006 para deputado distrital, ficando como segundo suplente do PSL, que elegeu Raimundo Ribeiro (hoje PSDB).

Antes de estourar a Operação Caixa de Pandora, Toledo era cotado para ser candidato a deputado federal pelo partido. Também foi cogitado para ser suplente no Senado, provavelmente de Augusto Carvalho. Toledo foi gravado entregando um pacote de dinheiro a Durval Barbosa. Na conversa, Toledo dá a entender que o dinheiro que ele pagava era destinado ao vice-governador Paulo Octávio. Ele, segundo a conversa, precisaria dos valores para financiar campanhas de prefeitos do entorno do DF. Toledo é sócio da empresa Voxtec Engenharia e Sistemas Ltda., que faz parte do consórcio que começou a executar, em janeiro de 2009, um contrato no valor de R$ 21 milhões com o Transporte Urbano do Distrito Federal (o DFTrans). O dinheiro entregue a Durval seria a propina cobrada à empresa.

O PPS nega que a filiação dele tenha se concretizado. Seu nome, porém, está no sistema do partido, com o número de filiação 804828. O site tem uma cópia do documento. A explicação da sigla é que a entrada só é concretizada quando enviada ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Procurado pelo Congresso em Foco, ao TRE disse não ter condições de verificar se a filiação foi à frente ou não. Já o TSE afirmou que somente o partido pode confirmar a informação.

O Congresso em Foco apurou ainda que, antes do escândalo estourar, a entrada de Toledo no partido causou ciúmes. Membros mais antigos do PPS reclamaram da possibilidade de ele ser suplente ao Senado. Isso antes de a Operação Caixa de Pandora estourar. Um deles relatou ao site que foi cobrar do então presidente Antunes se ele realmente tinha se filiado. “Ele mal chegou e já quer sentar na janelinha? Isso não pode acontecer”, afirmou. Hoje, o PPS não parece querer Toledo sequer sentado na última e mais escondida poltrona do seu ônibus. O fato é que hoje, o PPS em Brasília parece oscilar entre duas alternativas nada confortáveis. A menos pior delas: como resolver em outubro a aposta eleitoral em Arruda, que se revelou errada. A péssima: o que fazer se as investigações comprovarem envolvimento direto de algum de seus filiados.
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A volta do "rouba, mas faz"

Por João Bosco Rabello, publicado no sítio do Estadão

Começa a prosperar discretamente nos meios políticos, em Brasília, a tese de que não obstante seus graves desvios de conduta, o governador José Roberto Arruda deveria concluir o atual mandato. O argumento é o de que, apesar dos pesares, ele vinha fazendo um bom governo quando estourou o escândalo, e sua renúncia ou deposição abriria um vácuo perigoso de Poder, capaz de levar a um retrocesso administrativo de sérias consequências para a população.
A tese é maquiavélica, pois é produzida nas hostes arrudistas para despertar o receio de pessoas ingênuas, atemorizadas por um cenário atípico de comprometimento da linha sucessória até o quarto grau (além do vice,Paulo Octávio, e do presidente licenciado da Câmara, Leonardo Prudente, o TJDF está também na berlinda e dando explicações ao Conselho Nacional de Justiça). Em certa medida, o terrorismo de ocasião alcança seu objetivo.
Convém lembrar, em primeiro lugar, que apoiar essa idéia significa aderir à filosofia de resultados cunhada no governo Adhemar de Barros, em São Paulo, pela qual merece tolerância o governo que “rouba mas faz”. Em segundo lugar, porém não menos importante, é que essa avaliação positiva do governo nasce prejudicada, pois se referencia nas gestões de Joaquim Roriz, criador de Arruda e de seu algoz, o ex-policial Durval Barbosa.
Quando se refere ao risco de Brasília retornar ao seu pior passado, Arruda está sugerindo que sua queda significará a volta de Roriz. O que só poderia ocorrer nas próximas eleições, às quais o atual governador não poderá mais concorrer. Portanto, não se aplica ao cenário de interrupção de seu atual mandato. Além disso, dificilmente Roriz sairá ileso dessa sucessão de escândalos, ainda que os municie e os comemore: tudo isso que aí esta – Arruda, inclusive -, tem origem e consolidação em suas sucessivas gestões à frente do GDF. E isso será um desdobramento da presente turbulência.
O conceito de bom, aplicado ao governo atual, deve ser traduzido por um mínimo de organização e estratégia voltada para obras urbanas. Brasília virou um canteiro de obras (duas mil em curso), conduzidas pelo engenheiro Arruda. Por mais que sejam obras acertadas, nem de longe servem para esgotar aquilo que se espera de uma gestão para que seja considerada insubstituível, como querem fazer os arautos da permanência do governador.
Brasília tem muitos problemas que as obras escondem, além do superfaturamento. Não há políticas de segurança e de trânsito, de educação e saúde. A criminalidade é crescente, sobretudo no chamado entorno. Vencida a primeira metade de seu mandato, Arruda não conseguiu pôr a polícia nas ruas. Alardeou a construção de 300 postos policiais, que abrigam soldados passivos e preguiçosos, sem qualquer comando.
(Num desses postos, no Lago Norte, bem em frente ao novo shopping Iguatemi em fase final de construção e a poucos metros de um shopping mais antigo, os policiais militares alugam DVDs na locadora mais próxima e dedicam suas noites a assistir filmes. De fora, o cidadão não os percebe. Ninguém dá bola para o posto policial).
Não há polícia nas ruas. A “política” de trânsito se traduz pela instalação de um número cada vez maior de radares eletrônicos e campanhas milionárias de educação régiamente pagas aos veículos de comunicação dóceis ao governo. A Saúde é um desastre, sempre justificado com o mesmo mantra: atendemos gente de diversos outros estados da Federação. Há roubo, desvio de materiais de saúde, superfaturamento e tudo aquilo que as máfias do setor administram há muitos anos.
Na educação, muito discurso, muita propaganda, e nenhuma realização. O mais lembrado em Brasília é um projeto milionário que se resumiu à compra de “kits de ciência”, sem licitação, anunciada como uma panaceia para o setor.
O Ministério Público do Distrito Federal mandou suspender o pagamento desse kit à empresa Sangari do Brasil, pela Secretaria de Educação do DF, mas pouco tempo depois o pagamento foi retomado por ordem judicial. O kit, comprado por R$ 289,7 milhões, é composto de livros didáticos, cola e fita métrica. Não houve licitação porque “só a Sangari” poderia fornecer tal material a 402 escolas do ensino fundamental.
As escolas da periferia continuam seu processo degenerativo, muitas depredadas, outras sem as condições mínimas de funcionamento, tanto na segurança, na falta de banheiros, salas de aula – e, o principal- , na qualidade do ensino e treinamento de professores.
Pudera, o pilar do governo nessa área, na Câmara Distrital , a ex-secretária de Educação, Eurides Britto, é aquela senhora que teve o cuidado de trancar a porta do gabinete de Durval Barbosa antes de pegar a sua parte no butim. Cena que ela mesma, surpresa com tanto dinheiro, encerrou de forma antológica : “Mas, Durval, o Arruda está perdendo as estribeiras”.
O tempo conspira a favor da preservação desse estado de coisas. Arruda entregou os anéis (a candidatura à reeleição), para ficar com os dedos (a tolerância para exercer até o fim o atual mandato). Tanta corrupção explícita tem uma taxa de intoxicação capaz de produzir aquela desesperança que faz com que o cidadão comum se desinteresse de acompanhar o desdobramento da crise.
Esse o verdadeiro vácuo de poder que tem um só beneficiário: o próprio governo flagrado em corrupção.
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ARRUDA: A FASE DO AUTISMO


Por Leandro Fortes,
do Brasília, eu vi

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"Eu era repórter da Zero Hora, em Brasília, e presidente do Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto, em setembro de 1992, quando Fernando Collor de Mello foi afastado do cargo por decisão da Câmara dos Deputados e, em seguida, exilou-se na biblioteca da Casa da Dinda, no Setor de Mansões do Lago Norte da capital federal. Setorista no Palácio do Planalto, acompanhei a agonia de Collor desde as primeiras denúncias, centradas na vida e na obra de Paulo César Farias, o PC, até a derrocada do primeiro presidente eleito depois de 21 anos de ditadura militar. De tudo que se passou naqueles tempos, o que mais me interessou foi a fase de Collor na biblioteca da Casa da Dinda. A fase do autismo.

O trauma do afastamento (o impeachment só seria votado, dois meses depois, em novembro) havia tornado a personalidade de Collor ainda mais estranha. Diariamente, ele acordava cedo, se vestia impecavelmente de paletó e gravata, se fazia acompanhar de assessores e seguranças e, então, atravessava a rua para ir à biblioteca. Isso mesmo: o cômodo não ficava na Casa da Dinda, mas numa casa menor, em frente à residência do presidente. Todo santo dia, um Collor soturno, com olhar vidrado e andar robótico, fazia aquela travessia surreal em direção a um poder imaginário. Lá, sentava em frente a uma mesa de reuniões de madeira maciça e colocava em frente a si um daqueles aparelhos elétricos antigos que matavam insetos. Por quase dois meses, quando finalmente renunciou antes de ser cassado, o presidente do Brasil fingia governar o país em meio a consultas solitárias de títulos aleatórios de livros da família ao som de pequenos estalos provocados pela eletrocutação de moscas e muriçocas. Enquanto o mundo se desmoronava a seu redor, Collor vivia, como um autista, num universo próprio e impenetrável. E dele, ao que parece, nunca mais emergiu.

Essas impressões sobre o atual senador Collor me vieram à cabeça depois de ouvir o pronunciamento do governador José Roberto Arruda, no momento em que ele anunciou sua desfiliação do DEM. Arruda virou um espectro humano desagradável, e mesmo para jornalistas experientes não deixa de ser penoso se defrontar com a manifestação física da degradação moral de um político caído em desgraça. Desmoralizado e abandonado pela raia miúda que com ele se locupletou dos maços de dinheiro que fazem a festa no Youtube, Arruda parece ter entrado naquela fase autista de Collor. Ao falar à imprensa, não estava se dirigindo ao mundo real, mas a uma existência virtual projetada em outra dimensão. Arruda decidiu que o importante agora é continuar governando o Distrito Federal e tocar as mais de mil obras em andamento, levantadas em toda parte, com vistas aos 50 anos de Brasília, a serem comemorados em 21 de abril de 2010.

Em primeiro lugar, José Roberto Arruda não governa mais o Distrito Federal. Sua última ação administrativa foi, digamos assim, a ordem dada à Política Militar para atacar, com cavalos, cães e cassetetes, dois mil manifestantes que estavam pacificamente no Eixo Monumental de Brasília. Lá, como ilustração da anarquia que virá, um coronel PM de cabelos brancos partiu como um babuíno enfurecido para cima de um estudante e rasgou-lhe a camisa. Filmado, ordenou aos PMs que jogassem gás de pimenta nos olhos dos cinegrafistas. Arruda, ao que parece, estava na residência oficial, decidindo se contratará a cantora pop Madonna ou a banda irlandesa U2 para abrir os festejos do Cinqüentenário.

Arruda não tem mais nenhum partido em sua base de sustentação e, agora, não faz parte de nenhuma sigla partidária. Em duas semanas, perdeu 12 secretários e seis administradores regionais (das cidades-satélites e do Plano Piloto). Na Câmara Legislativa, metade dos 24 deputados distritais está envolvida no Mensalão do DEM. Arruda, que costumava inaugurar até creche de boneca, não tem mais coragem de colocar o pé para fora de casa.

Vai para o Palácio do Buritinga, sede do governo, em Taguatinga, escondido pelos vidros fumê de carros oficiais, mais ou menos como Collor atravessava a rua para mergulhar no mundo encantado da biblioteca do avô.

Entrou, definitivamente, na fase do autismo. E com ele, o DEM. O Ex-PFL, ao que parece, acredita mesmo que, ao se livrar de Arruda, irá também se livrar da pecha de partido atrasado, reacionário e corrupto".

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SERRA E ARRUDA: COMPRE UM E LEVE DOIS

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NOBLAT CRIOU ÁLIBI PARA LIVRAR A CARA DE ARRUDA

Às voltas com o escândalo da violação do painel de votações do Senado, em 2001, José Roberto Arruda, líder de FHC naquela Casa, precisava provar que não estava "na cena do crime" e, sim, em outro lugar, com outra pessoa. Coube ao tocador-de-jazz Ricardo Noblat, à época diretor de redação do Correio Braziliense, redigir um vergonhoso documento lido por Arruda na tribuna senatorial. Dias depois, a farsa caiu por terra.
No didático vídeo abaixo, o barrigueiro-mor das Organizações Globo é citado a partir do terceiro minuto. Recomendamos, no entanto, que você o assista na íntegra.
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