Genoino e a igualdade de ocasião

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  • quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
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  • Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:


    Ao tentar manter-se no regime de prisão domiciliar e ali cumprir uma pena de 6 anos e 11 meses, José Genoíno tenta exercer um direito confirmado e reconfirmado pela medicina. 

    Ele conseguiu uma vitória importante em seu esforço, quando o procurador geral da República, Rodrigo Janot, deu parecer favorável ao regime domiciliar, numa avaliação que pode ser aceita ou rejeitada por Joaquim Barbosa.

    Num processo que, desde o início, tenta-se apresentar como puramente jurídico, sem nenhum elemento político, o esforço de Genoíno tem sido combatido com o argumento de que representa um privilégio.

    Muitas pessoas dizem que ele deve esperar seu lugar numa fila onde centenas de outros detidos disputam o mesmo direito.

    Será mesmo?

    Vamos falar sobre a saúde de Genoíno. Como nós sabemos, ele passou por três exames médicos desde que atravessou a porta da Polícia Federal, em São Paulo.

    O primeiro médico, logo após a chegada a Brasília, confirmou sua condição de cardiopata grave. O segundo exame foi feito pela Junta Médica da Câmara de Deputados, que examinou Genoíno quando ele se encontrava internado num hospital. O exame não definiu o ainda deputado como cardiopata grave, termo que envolve uma definição legal, pois está ligado a medicina do trabalho.

    Mas o laudo integral, que a maioria dos meios de comunicação não divulgou nos aspectos que mostram o lado delicado da doença de Genoíno, mostrou que o deputado deveria ser mantido em licença, regime em que se encontra desde setembro, por mais 90 dias.

    Conforme diz o laudo, e os médicos confirmaram em detalhe numa entrevista coletiva, a “atividade laboral” como parlamentar poderia se transformar em atividade de risco. Um dos médicos explicou, inclusive, que havia o risco de uma nova cirurgia. Ele também disse que a pressão de Genoíno deve ter um controle em padrão “ótimo.”

    O terceiro laudo foi aquele preparado pela Junta da Unb, a pedido de Joaquim Barbosa. Numa iniciativa que teve um óbvio efeito sobre o debate político a respeito do destino de Genoíno, o laudo dos professores da Unb foi divulgado antes que o laudo da Câmara.

    Na medida em que estes médicos diziam que não era “imprescindível” manter Genoíno em regime “domiciliar fixo” (olha quantas condições!) foi fácil interpretar que ele já estava passando tempo demais fora da cadeia. Isso ajudou a inverter um debate que seguia Genoíno desde a cirurgia na aorta. A primeira impressão sobre o laudo da Unb era mais um desejo do que uma realidade, porém.

    Ninguém prestou atenção ao acúmulo de salvaguardas que os doutores escolhidos pelo presidente do STF decidiram alinhavar para dar uma resposta contrária ao regime “domiciliar fixo.”(Preste atenção: não se perguntava se deveria ser mantido em regime domiciliar, sujeito a alterações e mudanças passageiras. Colocou-se uma exigência ainda mais estreita, o “domiciliar fixo.”)

    A verdade é que, para colocar sua assinatura sob este laudo, os médicos colocaram diversas condições que podem qualificam a resposta inicial. Chegam a dizer que Genoíno deve ficar longe de ambientes estressantes – o que permite a cada um imaginar como deveria ser a rotina na Papuda, se essa exigência fosse levada a sério.

    Foram estas condições que levaram Rodrigo Janot, num gesto que deve ser aplaudido pela capacidade de reconhecer que a Medicina deve ter prioridade sobre o direito, a dar parecer favorável a Genoíno. 

    A tradição jurídica ensina que o ponto de vista do procurador-geral deveria ser acatado. Janot, num julgamento, representa a acusação. Poder-se-ia aplicar, então, um raciocínio lógico: se nem a acusação é contra o regime domiciliar, como é que o presidente do STF, que deve julgar o caso, a partir de uma visão equilibrada e balanceada, irá assumir o ponto de vista contrário?

    Mas nós sabemos, por experiência própria, que não é assim que Joaquim Barbosa tem-se comportado durante o julgamento. Sua postura é de quem se coloca como parte da acusação, fato que levou juristas de alto gabarito, sem a menor simpatia pelas ideias políticas dos réus, a dizer que os condenados não tiveram direito a uma ampla defesa. Tudo pode acontecer, portanto.

    E aí, diante de laudos mais favoráveis ao pleito de Genoíno do que se gostaria de admitir, o debate sobre a igualdade terá sua relevância. Pode ser feito de forma civilizada e honesta – ou como simples demagogia.

    É sintomático que se procure, hoje, colocar os direitos dos demais apenados da Papuda como um impedimento a que Genoíno seja atendido em seu pedido. O combater pela igualdade de todos os brasileiros – condenados ou não – é parte da luta democrática que interessa ao país inteiro e não custa lembrar que o próprio Genoíno teve um papel reconhecido nessa luta.

    Mas é possível usar argumentos demagógicos para embaralhar uma questão justa. Durante décadas, os direitos de todos os presos brasileiros ficaram esquecidos nos assuntos de prioridade zero.

    Quando um deles consegue mover-se para garantir um benefício previsto em lei, alega-se que deve ir para o fim da fila.

    É obvio constatar: ninguém está, de fato, preocupado com os direitos dos outros presos. O que se quer é impedir o acesso desse preso determinado – por acaso, condenado num julgamento de elementos políticos evidentes – a um direito que deveria ser assegurado a todos, e exercido como um fato banal. 

    A pergunta correta é: reconhecer o direito de Genoíno implica em negar o mesmo benefício aos outros? É claro que não.

    A outra pergunta, essencial, é a seguinte: é legítimo impedir uma injustiça contra um indivíduo, ainda que se saiba que outras injustiças serão cometidas? É. 

    É por isso que toda medida que possa beneficiar outros encarcerados – que de certa maneira também se beneficiam pela luta de Genoíno e sua repercussão -- deve ser encaminhada e estimulada, como já está ocorrendo por decisão da Justiça, preocupada, corretamente, em respeitar os direitos de todos os presos, sem exceção.

    A ideia de fila é bonita e sedutora mas cabe reconhecer que o tempo da Justiça não é e nunca foi igual para todos – muito menos para os réus da ação penal 470.

    Os prazos de todo julgamento variam em função de vários fatores, mas o principal é a vontade de cada juiz. 

    Ele pode colocar um assunto em pauta 24 horas depois de chegar a sua mesa mas pode deixar para as calendas e nunca tomar uma decisão, aposentando-se antes de assinar a sentença.

    Conforme cálculo de um advogado, a pauta do STF tinha 2 000 casos para serem julgados quando Carlos Ayres Britto, presidente do tribunal, decidiu colocar a ação penal 470 em julgamento.

    Foi uma decisão única e soberana de Ayres Brito. Recebeu aplauso dos meios de comunicação mas, se fosse obedecer a ordem da fila, como querem nossos fanáticos da igualdade, nem Genoíno nem qualquer outro réu teria sido julgado nem estaria condenado.

    Mas havia um fator político, externo à Justiça. Considerou-se que aquele caso específico tinha uma importância tão grande que deveria passar à frente. O STF precisava julgar o “maior escândalo de corrupção da história.” Deveria esquecer outras questões e concentrar-se neste ponto.

    Certo? Errado? Cada um pode dar sua opinião.

    O errado é querer usar a fila quando ela convém – e ignorar esse critério quando não interessa. O que se tem, aí, uma forma de manipulação.

    Filas seletivas podem ser aceitáveis nos aeroportos, quando as empresas aéreas dão prioridade a determinados clientes prediletos, mesmo aqueles que não têm necessidades especiais, cuja prioridade é indiscutível, mas não pode ser usada ser usada no Direito. Neste caso, o que busca não é a impessoalidade, nem a igualdade, mas perseguição ou preferência – conforme o caso.

    Embora muitas pessoas se digam escandalizadas com a duração da ação penal 470, a realidade é que o mensalão-PSDB MG é mais antigo e ninguém sabe quando irá terminar. A fila não andou aí.

    O mensalão tucano foi até desmembrado, o que não só colocou o caso numa fila mais longa, com mais direitos do que a maioria dos réus mas também garantiu que Ayres Britto colocasse a ação penal 470 na pauta num prazo mais curto. Domingo passado, a primeira denúncia do mensalão PSDB-MG já completou dez anos quando foi acolhida no STF, tendo Ayres Britto como relator. Britto se aposentou em 2012 e até hoje a denúncia – uma ação civil publica de improbidade administrativa – continua parada. Condenados há mais de uma década, executivos do Banco Nacional, culpados num golpe 70 vezes maior do que aquilo que se atribui aos réus da AP 470, continuam solta. Não pedem prisão domiciliar porque nem estão na prisão.

    Engraçado, né? 

    Se Genoino tivesse sido colocado na fila, não teria sido julgado até agora. Não teria sido preso nem estaria na casa de sua filha em Brasília. É muito provável que tivessse seu mandato, pois ninguém iria calcular que o corte de sua cabeça seria um truque aceitável -- ainda que imoral -- para melhorar o Ibope dos parlamentares.

    Pois é, a fila.
     
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